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A discussão sobre currículo e conhecimento em rede no Brasil data da segunda metade da década de 1990, com destaque aos centros de pesquisas fundamentalmente coordenados por Nilda Alves e Inês Barbosa de Oliveira, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e

Regina Leite Garcia, na Universidade Federal Fluminense. De maneira sucinta, Lopes e Macedo (2002, p. 31) assim apresentam os estudos de Alves:

centram-se na categoria cotidiano e em discussões sobre formação de professores, cujos processam-se por intermédio da articulação, em forma de tecido. Deste pensamento surge a preocupação com a superação do enfoque disciplinar no espaço escolar. O enfoque, para Alves e Garcia, passa a ser os “eixos curriculares”, negando a ordenação, linearidade e hierarquização do conhecimento, defendendo a idéia de redes referenciadas na prática social (grifo nosso).

Foi precisamente ao aproximarmos das redes de pensamento destes grupos de pesquisadores através das escritas sobre seus mergulhos no mundo, que cremos poder ter nos distanciado em nosso trabalho de análises generalizantes, de “hipóteses” prévias e estruturadas, de críticas que se esgotam em si mesmas e estacadas em modelos, da relação com o outro como objeto de investigação a serem reveladas suas fraquezas, dificuldades, falhas, problemas. Cremos ter nos aproximado das formas próprias das práticas curriculares cotidianas sobre o ensino do lugar, dos sentidos emancipatórios das relações microsociais situadas nos espaços-tempos cotidianos.

Para Oliveira (2003, p. 9), falar em alternativas curriculares é pensá-las como possibilidade de contribuição para a “emancipação social”, e isso traz dois pressupostos. O primeiro se refere à definição mesma de currículo:

É compreendê-lo não apenas como uma lista de conteúdos a serem ministrados a um determinado grupo de sujeitos, mas como criação cotidiana daqueles que fazem as escolas e como prática que envolve todos os saberes e processos interativos do trabalho pedagógico realizado por alunos e professores. O segundo pressuposto, (...) diz respeito à ampliação da noção para fora das práticas escolares, incorporando a idéia de que a vida cotidiana tem seus próprios currículos, expressos nos processos sociais de aprendizagem que permeiam todo o nosso estar no mundo e que nos constituem.

Com princípios como estes especificados por Inês Oliveira, pesquisadores vêm buscando captar nos currículos praticados o que neles é criação, reinvenção, para além daquilo que é imposição, norma curricular, levando à idéia dos modos de fazer, de produzir currículos reais.

Seguindo o pensamento da autora, os professores e alunos em ação, nos cenários de seus fazeres pedagógicos, tecem trajetórias singulares e significativas que - quando consideradas em sua legitimidade e validade de experiências - ampliam nossa compreensão acerca de tudo aquilo que a realidade comporta, potencialmente, mas que perece se não buscamos superar o lugar de inexistência que lhes é atribuído por um modo de pensar as práticas que as considera “descartáveis, ininteligíveis ou invisíveis” na medida em que não se encaixam nos modos dominantes de pensar e fazer a educação e os currículos.

Procurar desvelar os modos possíveis do fazer educativo é creditar a essas alternativas o potencial emancipatório que têm e pensar em possibilidades de ampliação da visibilidade dessas práticas, de modo a institucionalizar fazeres/saberes curriculares que legitimem modos contra-hegemônicos de produção de práticas educativas.

Centrar nos modos de fazer pedagógico a criação cotidiana de alternativas curriculares emancipatórias significa, para Oliveira, práticas dialógicas fundamentadas em valores como solidariedade e democracia, elementos que vai buscar compreensão e aprofundamento, especialmente, no trabalho de Boaventura Santos28.

Em suas últimas produções, a autora vem buscando abordar aspectos de uma grande questão que é a “tessitura da emancipação social no cotidiano”. A idéia de emancipação parte de uma nova teoria proposta por Boaventura, na qual ele sustenta que:

A emancipação não é mais que um conjunto de lutas processuais sem fim definido. O que a distingue de outros conjuntos de lutas é o sentido político da processualidade das lutas. Esse sentido é, para o campo social da emancipação, a ampliação e o aprofundamento das lutas democráticas em todos os espaços estruturais da prática social como estabelecido na nova teoria democrática (SANTOS, 2005, p. 277).

Ao refletir sobre a tensão entre a regulação e a emancipação social no cotidiano, Oliveira volta o debate para as questões da democracia e cidadania, também fundamentada na nova teoria democrática a que Boaventura Santos se referiu no final da citação acima. Nela, é questionada a democratização formal, que vem se sustentando sobre formas de discriminação, exclusão e dominação ampliadas, à que Boaventura se refere como “democracia de baixa intensidade”.

Entendem que a democracia não é apenas um regime político ou uma forma de organização do Estado em que os representantes são eleitos pelo voto. “A democracia pressupõe uma possibilidade de participação ativa dos cidadãos no conjunto dos processos decisórios que dizem respeito à sua vida cotidiana” (OLIVEIRA, 2003, p. 16), sejam eles processos vinculados ao poder do Estado ou a processos interativos nos “espaços estruturais” nos quais estamos inseridos29.

Neste cenário são trazidos a escola e seu papel de “superação de falta de cultura”, de definidora e difusora dos valores da sociedade ocidental. Assim, num cenário em que a democracia vem legitimando a lógica da dominação social, a escola apareceu como um lócus privilegiado de “educação” do “cidadão” das democracias européias ou a das “altas culturas”.

28 Boaventura Santos supervisionou a pesquisa de pós-doutoramento de Inês de Oliveira, cuja obra “Currículos

praticados: entre a regulação e a emancipação” (2003) é fruto daquele trabalho.

29 Avigorando o apresentado no Capítulo I, os espaços estruturais a que Boaventura Santos (2005, p. 301-318) se

A escola funciona, portanto, como um mecanismo de regulação social para civilizar e disciplinar os diferentes para o exercício da “cidadania”.

Se pensarmos no alcance nacional dos documentos oficiais de educação e dos livros didáticos e logo relacioná-lo às redes de poder em que estão imbricados (Secretarias Regionais e Estaduais de Educação, MEC, UNESCO, FMI) 30, este currículo adquire a força de um dos principais mecanismos reguladores.

Mas outra forma de regulação é trazida por estes autores, uma que funcione como cerceadora do abuso do poder, que avance no sentido de proteger o mais fraco, de criar, ampliar e consolidar espaços de diálogo e de convivência democrática entre os diferentes sujeitos e grupos sociais. Neste caminho há de se repensar o conceito de cidadania. Uma cidadania que não esteja reduzida à lealdade do cidadão em relação ao Estado (e a lealdade do Estado em relação aos cidadãos?), cujas “formas de exercício à cidadania” ficam restritas ao campo das manifestações juridicialmente fundamentadas e pacificamente praticadas.

Desse modo, pretende-se fundar uma discussão em torno da cidadania como parte de uma democracia fundamentada em relações de “autoridade partilhada”, cujo desempenho estaria em contribuir para o processo de democratização das relações culturais e interpessoais nos espaços sociais específicos, como por exemplo, na escola.

A nova cidadania tanto se constitui na obrigação política vertical entre os cidadãos e o Estado, como na obrigação política horizontal entre cidadãos. Com isto revaloriza-se o princípio da comunidade e, com ele, a idéia da igualdade sem mesmidade, a idéia de autonomia e a idéia de solidariedade (SANTOS, 2005, p. 278).

A preocupação inerente à idéia de “autoridade partilhada” reside na relação entre as identidades individuais e coletivas na sociedade multicultural. À priori opõem-se os conceitos de “diferença” e “desigualdade”, onde o primeiro está vinculado às diferenças individuais e culturais e às idéias de identidade e pertencimento; enquanto o segundo está ligado às desigualdades nas oportunidades e direitos das sociedades capitalistas.

Tais preocupações vêm subsidiando trabalhos investigativos como o de Oliveira (2003), no qual busca caminhos possíveis de respeito à diferença e alternativas mais democráticas e emancipatórias - por exemplo, alternativas curriculares - resultantes de ações e reflexos sobre os processos de integração social, na defesa de que “todo mundo tem direito à igualdade quando a diferença discrimina e todo mundo tem direito à diferença quando a igualdade descaracteriza” (SANTOS, 1999 apud OLIVEIRA, 2003, p. 33).

Uma das principais constatações destas pesquisas refere-se ao fato de que as práticas ou propostas formuladas sobre bases emancipatórias vêm se desenvolvendo nas relações e nos

30 Ministério Nacional da Educação, Cultura e Desporto; United Nations Educational Scientific and Cultural

espaços cotidianos. Como demonstrou o trabalho de Inês de Oliveira (2003, p. 46), “tem sido no cotidiano das escolas que, apesar dos tantos mecanismos regulatórios assentes sobre a legitimação da dominação, vêm se desenvolvendo fazeres que nos permitem continuar a crer no potencial democratizante de nossas ações”. Daí a importância que é atribuída ao que Inês chama de “currículos praticados”, que são aqueles fazeres em espaços-tempos diferenciados, fruto da invenção coletiva dos envolvidos nas situações.

Também no livro “Criar currículo no cotidiano”, organizado por Alves (2002), são “passadas para o papel” inúmeras “conversas” entre quatro professores, através da criação de “personagens tipos” que caracterizam escolas e cidades que os contêm e criam em trajetórias, solidárias ou solitárias, “artes do currículo”.

Criar alternativas de organização curriculares que, em vez de buscar silenciar as experiências em curso, ajudem na legitimação de espaços/tempos variados e múltiplos. Esta nos parece deve ser a função de um currículo oficial: dar sentido às experiências curriculares que realizamos em nossas escolas – sentido de uma experiência tecida coletivamente por sujeitos que recriam a sua própria prática na atividade de praticar (ALVES, 2002, p. 58).

São aos “currículos praticados”, tal como vêm compreendendo os grupos de investigadores coordenados por Inês de Oliveira e Nilda Alves, que dispensamos atenção em nosso trabalho investigativo. Um modo de entender o currículo que demanda uma dedicação ao estudo dos “espaços cotidianos”, de seus significados, suas características e possibilidades, uma vez que são neles e sobre eles que nossas possíveis ações se desenvolvem e/ou estão fundamentadas em processos de aprendizagem também cotidianos.

O estudo dos espaços cotidianos é uma preocupação privilegiada no currículo da Geografia tanto Acadêmica como Escolar. Como denomina a própria ciência, o “lugar” é uma de suas categorias analíticas para compreender seu objeto de estudo - por ela mesma delegada - o espaço. E, como vêm indicando os professores sobre o que se deparam em suas práticas, os “espaços cotidianos” dos alunos são os lugares onde e sobre os quais os alunos tecem conhecimentos e ações, dentro e fora da escola.

CAPÍTULO IV. GEOGRAFIA: DISCIPLINA E CURRÍCULO SOCIALMENTE CONSTRUÍDOS

Para entendermos melhor a situação atual do ensino do lugar na disciplina geográfica e o cruzamento de discursos encontrados na prática de sala de aula, nos preocupamos em estudar a trama de significados tecidos ao longo do processo de disciplinização do campo de conhecimento da Geografia a partir do entendimento de que o currículo e a educação estão profundamente envolvidos em processos de regulação e emancipação, o que nos ajuda a perceber até que ponto a retórica da promoção da disciplina faz sentir seu impacto nas matérias escolares e na prática educativa.

Os textos oficiais e livros didáticos também compõem uma das mais pujantes formas de incorporação da disciplina geográfica no seu exercício cotidiano, por isso abordaremos estes materiais por serem ditos como uma das principais fontes de subsídio dos planos e práticas docentes.

A questão de saber como os professores ensinam Geografia e seus temas, pressupõe respostas à questão prévia de quais são as bases sociais e fontes de saberes daquele conjunto de significados que são designados pelos termos de “geografia” e “lugar”.

Os temas exemplares da área de Geografia têm uma grande porção de organização, moralização e socialização, que vêm sendo constituídas por intensas discussões conceituais, em distintos contextos históricos e ao longo do processo de institucionalização desse campo de conhecimento – no qual foram e são gestadas diversas relações e entendimentos que professores, alunos e cidadãos comuns atualmente podem dar à Geografia. Isto resulta para Ivaine Tonini (2003, p. 13)31 em “finalidades plurais na escola, pois cada discurso do pensamento geográfico traz inscrições conceituais diferenciadas”, a maioria prescritos nos livros didáticos, textos e documentos oficiais; resultando formações discursivas e práticas distintas.

Encontramos em Ivor Goodson (1990) a proposição de que enxergar as inscrições conceituais científicas nas matérias escolares faz parte de uma das perspectivas pelas quais se pode pensar as disciplinas escolares. No texto “Tornando-se uma matéria acadêmica: padrões de explicação e evolução”, o autor sustenta que pode se explicar as matérias escolares através de duas perspectivas, a sociológica e a filosófica.

Goodson diz que a sociológica – a qual buscamos fazer sentido em nosso trabalho – tem seguido a idéia de que os pesquisadores deveriam examinar as matérias dentro da escola e dentro de uma sociedade mais ampla, como sistemas sociais sustentados por redes de

31 Ivaine Maria Tonini dedica-se aos estudos da Geografia Escolar. Neste livro, são feitas incursões sobre

comunicação, recursos materiais e ideologias, com fronteiras delimitadas e com uma certa cobrança de fidelidade de seus membros e um senso de identidade. Enquanto que a perspectiva filosófica, como denuncia Young no livro que organizou “Knowledge and Control”, entende que há um processo pelo qual os professores devem legitimar seus currículos naquilo que as universidades limitam, nos fazendo inferir, junto a Goodson, que o sistema educacional é dominado pelos currículos acadêmicos com uma rígida estratificação do conhecimento.

Esta segunda perspectiva é bastante contestada por Goodson (1990, p. 235) ao colocar que “longe de serem derivadas de disciplinas acadêmicas, muitas matérias escolares precedem cronologicamente suas disciplinas-mãe”, como é o caso da geografia, ao qual se deteve num estudo do processo de criação dessa matéria na escola secundária britânica, que abordaremos mais adiante.

Assim, talvez pela convivência destas perspectivas, na bibliografia sobre Geografia, Geografia Escolar, nos documentos oficiais (propostas curriculares, PCNs, livros didáticos), na prática de sala de aula, nas narrativas escritas pelos professores são encontrados cruzamentos de conceitos e idéias empregados em seus distintos e, muitas vezes, também contraditórios discursos. Alguns deles ora evidenciam influências e proximidades entre estes discursos – como a forte presença do discurso da chamada Geografia Crítica nos documentos oficiais escolares – ora explicitam um certo distanciamento e autonomia da Geografia Escolar em relação às escolas acadêmicas Geográficas – como a Geografia Quantitativa, que se autodeclarava como de cunho essencialmente acadêmico e não foi diretamente transposta aos documentos escolares.

A geografia tornou-se um campo de conhecimento em meados do século XVII, criada por especialistas de outras disciplinas cujos estudos eram integrados pela concentração em problemas tidos como geográficos deslocando, à princípio, parte dos conhecimentos da Astronomia e Cartografia da Antiguidade, com uma primeira finalidade de descrever os grupos humanos e seus lugares.

Atribuir ingenuidade a estes fatos seria, segundo Tonini (2003, p. 16):

deixar de olhar a extraordinária fonte de informações precisas que continham, seria continuar, na atualidade, a insistir numa visão naturalista das descrições. A estratégia para a invenção desse outro campo de conhecimento – Geografia – foi reunir, então, um arcabouço de informações sobre os elementos da superfície terrestre.

Tais direcionamentos, como a descrição do potencial natural de lugares, populações, das possibilidades de relações, possibilitou configurar e preparar o estabelecimento de um

domínio mais eficaz sobre cada território que foi diretamente explorável pelas autoridades coloniais, estrategistas, negociantes ou industriais.

Foi na Alemanha que o conhecimento geográfico apareceu como disciplina particular de ensino, tendo sido inaugurada por Emmanuel Kant (1724-1804), que dedicou-se à disciplina denominada Geografia Física de 1756 a 1796, e cuja obra “Crítica à razão pura”, destaca-se pela elaboração de pensamentos sistemáticos, e não mais baseados em mitos, diferenciando-se ao articular homem e natureza (LENCIONE, 1999, p. 68).

A perspectiva da filosofia moderna, especialmente com René Descartes (1596-1658), vinha com as marcas de se tentar constituir um sistema filosófico, cujo conhecimento está dividido em dois eixos: o sensível, perceptível e o verdadeiro, intelectual. Ancorados no primeiro estão os conhecimentos sobre a humanidade e suas relações e, no segundo, os conhecimentos sobre a natureza; assim são constituídas as bases da divisão das ciências humanas e naturais e do uso de diferentes regras para a elaboração de conhecimento nos dois eixos.

Seguindo a idéia de Tonini (2003), é esse modo de abordagem que forma a base teórico-metodológica para a “invenção” da Geografia. Essa dualidade ainda está fortemente marcada na maioria das listagens dos conteúdos programáticos nas escolas e nos livros didáticos, em que figuram, primeiramente, a generalização física e, depois, as descrições humanas.

As grandes narrativas do discurso naturalista e determinista da paisagem geográfica passam a construir as marcas identitárias para os povos, a regularizar, normatizar e governar povos. Narrativas estas, presentes nos relatos de viajantes, nos romances de escritores e historiadores.

Em alguns destes relatos começa a emergir um discurso que buscava a generalização das relações homem e meio físico (as leis geográficas). Daí a importância da obra de Kant que, segundo Antonio Carlos Robert de Moraes (1999), nos primeiros sinais desse campo disciplinar em suas pesquisas emerge a visão da Geografia como uma ciência sintética, descritiva e empírica, que visa abranger uma visão em conjunto do planeta.

Para vários autores a idéia de identidade nacional concebida na Alemanha teve extrema relevância na constituição da disciplina geográfica. Este país, mergulhado no feudalismo e ainda não existente como Estado Nacional, configura o contexto em que surge a questão da unificação alemã.

De acordo com Ivor Goodson (2001), nesta estratégia, a escola seria um forte dispositivo disciplinar, porque permitia o controle do saber32. Com essa perspectiva iniciou-se a universalização do ensino primário de maneira obrigatória e gratuita – a generalização da escolarização da população – seu currículo era ancorado em matérias escolares capazes de representar os interesses substanciais de uma classe política.

Tonini (2003, p. 31) acrescenta que a contribuição da Geografia Escolar para esse projeto foi de produzir um saber sobre a relação homem e natureza com “verdades” necessárias para a unificação alemã, realizado a partir de um forte apelo ao discurso da natureza para a representação do espaço geográfico.

Desse modo, a Alemanha é considerada o local da emergência da constituição geográfica como campo de conhecimento. Os primeiros discursos desse campo que propiciaram a sistematização de um conhecimento que se tornou uma matéria escolar foram dados por Alexander Von Humboldt (1769-1859) e Karl Ritter (1779-1859), que vinham a compor a denominada perspectiva “organicista” da Escola Alemã. Junto ao processo de unificação alemã em fins do século XIX, Humboldt e Ritter são considerados responsáveis pelo status alcançado pela Geografia no currículo escolar; ambos marcados por prescrições do determinismo natural na explicação dos lugares, fronteiras entre Ocidente e Oriente, destino de povos33.

De acordo com o que apresenta Sandra Lencione (1999, p. 90-91), “Humboldt era um homem rico, viajante e naturalista, utilizando-se de observações diretas nas suas reflexões, Ritter foi, acima de tudo, um professor, um homem de gabinete”. Para Humboldt a Geografia tem como objetivo “reconhecer a unidade na vasta diversidade dos fenômenos; e, pelo exercício do pensamento e a combinação das observações, discernir a constância dos fenômenos no meio de alterações aparentes”. Enquanto que, “a valorização da natureza, a observação dos caminhos e lugares e a construção do conhecimento a partir dos elementos mais simples” foram os passos percorridos por Ritter, que procedeu aos estudos regionais com o objetivo de identificar as individualidades na totalidade.

É nesse contexto que a Geografia é promovida à “matéria escolar” na escola básica, por apresentar as credenciais necessárias para garantir seu espaço no currículo. Apoiada em Goodson, Tonini (2003, p. 39) diz que:

32 Nesta obra, Goodson faz um importante aporte sobre as competições curriculares entre a Geografia e os

Estudos Ambientais, a busca dos geógrafos de uma identidade disciplinar e uma relação do processo de aquisição do status acadêmico elevado da Geografia e sua legitimação como disciplina escolar.