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O curso de Pedagogia da Universidade Federal do Ceará

2 O PONTO DE VISTA HISTÓRICO: PROFISSIONALIDADE DO

2.3 O curso de Pedagogia da Universidade Federal do Ceará

O curso de Pedagogia no Brasil foi criado em 1939, durante o Governo do Presidente Getúlio Vargas (VIEIRA, 2008). Segundo Fernandes (2013), no ano de 1962, ou seja, 23 anos depois foi criado o curso de Pedagogia da Universidade Federal do Ceará o qual pertencia à Faculdade de Ciências, Filosofia e Letras, criada pela Lei n°.3.866, de 25/01/1961, no período pré-golpe militar, contexto de grande efervescência político-ideológica que afetou a criação do curso:

É claro que a criação do curso nessa época sofreu consequências de todo esse contexto. Destaco a euforia da criação da Universidade do Ceará e o seu compromisso explícito com o projeto nacional-desenvolvimentista. A universidade tinha na época, um papel de maior destaque e era reconhecida como instrumento útil para a formação da consciência nacionalista. Nos objetivos da Faculdade de Ciências, Filosofia e Letras e no próprio currículo do curso de Pedagogia, identificamos o compromisso da Universidade com este projeto. É o caso da disciplina “Educação para o Desenvolvimento”, constante do primeiro currículo de Pedagogia. (FERNANDES, 2013, p.37- 38).

Nos primórdios, até por volta de 1964, o curso de Pedagogia visava a formação de um “educador generalista”, de base humanista e interessado na cultura geral, essa formação tinha o currículo fundamentado na História, na Filosofia, na Psicologia, tendo uma concepção harmônica de sociedade (FERNANDES, 2013).

No período da ditadura militar brasileira (de 1964 até 1980), o curso de Pedagogia da UFC, assim como os demais cursos de Pedagogia do país, passou a ser voltado para a formação do educador especialista em educação, conforme parecer CFE nº.253/69 (VIEIRA, 2008). O trabalho do pedagogo, enquanto Especialista em Educação, estaria a serviço de um sistema estruturado, de acordo com os interesses do Estado de controle e ordem dos estudantes e dos operários, sendo então dividido entre as especialidades de administrador, supervisor e orientador educacional (FERNANDES, 2013; VIEIRA, 2008).

A partir dos anos 1970 e de forma mais acentuada nos anos 1980, um terceiro momento é identificado por Fernandes na formação do pedagogo, o qual ela pontua como formação do educador “crítico”. É um contexto de mobilização popular no Brasil frente aos problemas ocasionados no país pela ditadura militar. O saldo da década de 1980 é de índices baixos na área de educação em relação ao quantitativo de analfabetos, evasão escolar, repetência, além dos baixos salários dos professores, da falta de condições de trabalho entre outros. Para Fernandes (2013), os debates ocorridos no decorrer da década de 1980 se deram em torno da formação plural e crítica, visando superar a formação do especialista,

configurando uma nova perspectiva para o currículo do futuro pedagogo (FERNANDES, 2013).

Segundo Cruz (2002), a docência foi considerada a base do curso de Pedagogia, desse modo, a identidade do pedagogo estava diretamente ligada a essa atividade. Em função disso, em 1987, após discussões, foi aprovado e implantado um novo currículo do curso de Pedagogia na Faculdade de Educação da UFC, que estava compromissado com a formação docente, já não havia mais as habilitações (orientação educacional, supervisão e administração) no currículo. Assim, a formação do pedagogo para docência tem permanecido até os dias atuais no currículo da FACED-UFC, com a possibilidade de complementação da carga horária dos alunos na formação para a docência na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental.

A trajetória do curso pode ser vista também a partir do olhar dos estudantes do curso ao longo destes anos. Em um livro comemorativo dos 50 anos do curso de Pedagogia da FACED-UFC organizado por Brandão, Bezerra e Maciel (2014) foram reunidos diversos memoriais de estudantes de várias épocas do curso. Por meio deles, foi possível perceber, de forma panorâmica, a trajetória da graduação em Pedagogia da UFC, como era este curso nos diferentes contextos sócio-político e econômico.

No memorial de Terezinha de Jesus Pinheiro Maciel, estudante do curso de Pedagogia da UFC e docente aposentada da respectiva universidade, evidenciamos a quase exclusividade de mulheres em sua turma, a segunda do curso de Pedagogia da UFC, constando 29 mulheres e 1 homem. Fato recorrente em várias turmas, como na de Teresa Monteiro, composta por 28 mulheres, e na turma de Maria de Lourdes Peixoto Brandão, que tinha apenas 4 homens.

Lindyr Saldanha, estudante e atualmente professora do curso de Pedagogia da UFC, em seu memorial de aluna da FACED, chama atenção para essa característica da história do curso que é o fato de ser predominantemente cursado por mulheres, segundo Saldanha (BRANDÃO; BEZERRA; MACIEL, 2014, p.163):

A turma era a maior parte das vezes feminina. No curso Básico, havia seis rapazes, mas foram para Ciências Sociais. No restante do curso, eram só mulheres. Em 1970

entrou o único homem – Emanuel José Cabral – que era muito amigo, desenhava

bem e era super divertido.

O contexto brasileiro de repressão é recorrente nas falas das estudantes e, muitas vezes, elas sentiam de perto, no curso, os efeitos do período histórico em que estavam situadas, como nos relatos de Terezinha Maciel sobre o sumiço de um dos professores na

década de 1960 e na narrativa da estudante Maria Luisa de Aguiar Amorim sobre o desmembramento da turma na colação de grau:

O professor Olavo de Sampaio ensinava Introdução à Sociologia. Faz-se sempre lembrado por ter sido denunciado como subversivo, ter sido preso e ter saído do cenário universitário. Vale registrar que o professor Sampaio nunca falou de política em classe. Sumiu nas brumas da revolução e nunca mais soubemos notícias dele. (TEREZINHA MACIEL apud BRANDÃO; BEZERRA; MACIEL, 2014, p.142). Nossa formatura, já histórica, não houve. Não foi lido o discurso, senão 30 anos depois, pelo mesmo menino, o Galba, me parece. Já senhor, lindo discurso escutamos, tão depois! E agora, quando nos preparamos para a comemoração dos 40 anos de formados, lembramos a formatura de 68. E só quando preparávamos nossa festa, nos demos conta de que, não apenas colamos grau sem formalidades, sem encontro com outras áreas; fomos não apenas isolados para evitar confusões ou possíveis protestos, atos, vozes. Eu por exemplo pensava que havia colado grau com minhas colegas e meus colegas na própria sala de aula. Então foi que percebemos que a classe toda foi fragmentada: uns colaram grau na Reitoria, outros na sala de aula, outros alhures... A direita é sempre mais astuta do que se pensa! Muito mais sagaz e precavida, porque vive armada, tensa, preparada para golpear. (MARIA LUISA DE AGUIAR apud BRANDÃO; BEZERRA; MACIEL, 2014, p.151-152).

Sobre o currículo de sua época (1968 a 1971) Lindyr (apud BRANDÃO; BEZERRA; MACIEL, 2014, p.163) relata que:

O currículo era rico e interessante. Havia experiências de laboratório com direito a caixa de Skinner. Estas aulas do Professor Amaral Vieira eram excelentes. Sempre me interessei por Psicologia e então tínhamos Introdução à Psicologia, Psicologia da Criança, Psicologia do Adolescente e da Aprendizagem, a Psicopatologia [...] e da Personalidade [...]. Havia muito de administração escolar com a excelente regência de Dona Lirêda Facó e Ivana Sá [...].

O curso de Pedagogia da UFC, ao longo dos anos, passou por muitas mudanças. Ainda que modesto, houve um progressivo aumento de estudantes homens no curso; mudança no formato de anual para semestral; mudanças de currículo; ampliação do prédio da faculdade etc. Além disso, este curso tinha e tem muitos professores, segundo a resenha histórica do curso de 1963 a 1990 feita por Fernandes (2014), o quantitativo do corpo docente de 1963 até 1988 era de 100 professores, dentre os quais, 45 homens (3 padres) e 55 mulheres.

No contexto atual, o curso passou por mudanças nas formas de ingresso do alunado com a extinção do exame vestibular e adoção do ENEM como exame para o ingresso dos estudantes. Depois disso, a implantação das políticas de ação afirmativa, através do sistema de cotas, contribuiu para uma nova configuração da Pedagogia. No capítulo seguinte trataremos dos pressupostos adotados nesta pesquisa para construção do objeto.