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3. Impacto económico dos Custos relacionados com Eventos Adversos

3.4 Custos dos Eventos Adversos

Os custos dos EAs têm sido avaliados em vários estudos realizados essencialmente nos EUA, Canadá, Austrália e alguns países da Europa, normalmente no âmbito de estudos cujo objectivo principal é a determinação da frequência com que ocorrem os EAs. Na sua grande maioria são estudos que avaliam apenas os custos directos dos EAs, no entanto todos demonstram inequivocamente que os custos resultantes de EAs incrementam significativamente os custos hospitalares, variando entre os 13 e 16% esse aumento (Jackson, 2009). Nos EUA esses custos podem representar entre 2 e 10% dos custos totais da saúde, tendo representado em 2006, entre 50 a 250 biliões de dólares (Brown et al., 2002, Friedman, 2009). Muitos destes custos estão associados à prestação de cuidados desnecessários, erros médicos e infecções hospitalares, podendo causar sequelas ou até morte para alguns doentes (Frytak, 2008).

Embora o registo de ocorrência de EAs nos serviços de saúde tenha surgido na década de 50 e 60 do século XX (Barr, 1955), foi só na década de 90 que se começou a dar importância aos custos económicos e sociais associados a esses eventos. O estudo Harvard Medical Practice Study (HMPS), foi o percussor de vários outros estudos realizados

53 sobre esta temática, tendo a metodologia utilizada pelo HMPS servido de base para os estudos realizados nos EUA, Canadá, Dinamarca, França, Austrália, Nova Zelândia, Inglaterra, Espanha, Brasil, Suécia, Holanda e Portugal.

O estudo da HMPS foi o primeiro a determinar os custos dos EAs, utilizando dados populacionais. Foi realizado com base em informação do estado de Nova Iorque, referente a casos do ano de 1984 e estimou que nesse ano terão ocorrido EAs em 3,7% dos internamentos em hospitais de agudos. Foram analisados os processos clínicos de 30.121 doentes e definidos 18 critérios de positividade. Na Austrália, Rigby e colaboradores (Rigby; Clark; Runciman, 1999), analizaram retrospectivamente 14.179 admissões ocorridas nos hospitais Australianos no ano de 1992, e estimaram que os custos associados a 12 tipos de EAs ascenderam a 483 milhões de dólares Australianos, o equivalente a 3,2% do total do orçamento alocado aos hospitais nesse ano.

O estudo realizado em 1999 por Thomas e colaboradores, em hospitais dos estados do Utah e Colorado, (EUA),veio reforçar e evidenciar o impacto financeiro dos EAs. Esse estudo demonstrou que em 3% dos internamentos ocorreram EAs e que 33% e 27% dos mesmos eram evitáveis, respectivamente nos estados do Utah e Colorado. Estimaram também que se poderiam ter poupado entre 17 e 29 biliões de dólares, incluindo perdas de rendimento por incapacidade, inactividade e despesas médicas, caso os EAs evitáveis não tivessem ocorrido. Foi utilizada uma amostra randomizada tendo sido revistos 14.732 processos clínicos de 28 hospitais e detectados 459 EAs, dos quais 265 eram evitáveis. A estimativa dos custos totais dos EA ocorridos foi de 661,9 milhões de dólares. Neste estudo as complicações pós operatórias foram os EAs mais dispendiosos e evitáveis, seguidos dos eventos relacionados com medicamentos e diagnósticos incorrectos ou tardios. Os autores do estudo realizaram a extrapolação dos resultados para o universo de 33 milhões de admissões ocorridas nos EUA em 1993 e estimaram que os custos a nível nacional dos EAs teriam ascendido a 37,6 biliões de dólares, representando cerca de 4% do total das despesas em saúde.

Em 2008, a Society of Actuaries Health Section (SAHS), EUA, desenvolveu um estudo que envolveu uma amostra de 564 mil pacientes no âmbito do qual estimou uma taxa de EAs de 7%, o dobro da verificada no estudo da HMPS. Neste estudo os autores utilizaram uma metodologia diferente da utilizada nos estudos anteriores, tendo recorrido a uma análise das bases de dados de reclamações para pagamento de incidentes médicos disponibilizada pelas seguradoras. A taxa de erros por negligência médica correspondeu a 1,7% das admissões, afectando um total de 6,3 milhões de doentes. Os custos relacionados com os

54 erros médicos, nesse ano, foram estimados em 19,5 biliões de dólares, dos quais 17,1 biliões diziam respeito a custos directos (Shreve et al.,2010).

Em 2010, a Medicare (EUA) publicou um estudo que estimava a taxa de incidência dos EAs nos seus beneficiários hospitalizados em 13,5%, tendo-se verificado que em 1,5% dos casos o evento teve um desfecho fatal (Levinson, 2010). Os custos associados foram estimados em 324 milhões de dólares, correspondendo a 3,5% dos custos totais com internamento. A metodologia utilizada neste estudo foi diferente das utilizadas nos estudos anteriores. Foi utilizada uma amostra representativa de 780 beneficiários que tinham tido alta no mês de Outubro de 2008 e com recurso a auditores médicos foi calculada a taxa de EAs com base na lista de EA do National Quality Forum (NQF) e do Hospital Acquired Conditions (HAC). Neste estudo os revisores calcularam que 44% dos EAs eram evitáveis. Na Europa os vários estudos realizados estimam que entre 8 a 12% dos pacientes internados são vitimas de EA durante ao seu internamento (The Council of European Union, 2009)

Hoonburt et al (2009) estimaram que os custos directos resultantes de EA na Holanda eram de 355 milhões de euros, representando cerca de 1% do orçamento holandês para a saúde, sendo 161 milhões decorrentes de EA evitáveis. Observaram que os EA evitáveis corresponderam a 2,3% do total dos internamentos e que o prolongamento dos dias de internamento daí resultantes correspondiam a 3% do total dos dias de internamento, tendo neste estudo correspondido a 10,3 dias de internamento adicional por evento, o que resultou em 320.680 dias/cama ocupados devido a EAs. Concluíram também que os custos com os pacientes com EAs evitáveis representavam 45% do total dos custos alocados a pacientes com EAs. Os autores utilizaram como metodologia a revisão retrospectiva dos processos clínicos, efectuada numa primeira fase por enfermeiros e depois por médicos revisores, aplicando o protocolo do Canadian Adverse Event Study (CAES), desenvolvido inicialmente pelo HMPS que utiliza um screnning de 18 critérios preditivos de EAs.

Um outro estudo realizado no Reino Unido (Vincent; Neale; Woloshynowych, 2001) concluiu que os EAs ocorreram em 10,8% dos pacientes internados, dos quais 48% eram evitáveis. Neste estudo o excesso de dias adicionais de internamento (DAIs) resultantes do EAs correspondeu em média a 8,5 dias. Os autores estimaram um custo anual de aproximadamente 2 biliões de libras esterlinas resultantes dos DAIs dos doentes que sofreram EAs. Concluiram ainda que anualmente o National Health Service (NHS) gastava cerca de 1 milhão de libras esterlinas com infecções hospitalares das quais 15% eram

55 evitáveis. O estudo Neozelandês (Michel, et al., 2004), calculou em 10,7% a ocorrência de EA no total dos internamentos ocorridos no ano 2004, com um incremento de DAIs de 6,7 dias. Dos EA ocorridos 37,1% eram, segundo os autores, evitáveis.

O estudo australiano (Ehsani; Duckett; Jackson, 2007), realizado com dados dos anos de 2003 e 2004 demonstra que os EAs ocorreram em 7% dos internamentos, tendo contribuído para um incremento de DAIs em 10 dias. Os custos relacionados com os EAs corresponderam a 16% dos custos hospitalares directos.

Os estudos realizados no Canadá, Dinamarca e Espanha não determinaram directamente os custos resultantes dos EAs, tendo avaliado o seu impacto através do aumento do período de permanência no hospital. No caso do estudo dinamarquês (Schioler et al., 2002) a incidência de EA foi de 9%, dos quais 40% eram evitáveis. Os DAIs corresponderam a 7 dias. No estudo realizado no Canadá (Baker, 2004), a incidência de EAs foi de 7,5%, dos quais 37% eram evitáveis.

Aranaz-Andres et al., (2009) no estudo realizado em Espanha detectou uma incidência de EAs em 8,4% dos internamentos, com 6,1 dias adicionais de internamento, em média. Dos EAs ocorridos 69,9% originaram tratamentos clínicos adicionais e 66,3% deram origem a procedimentos cirúrgicos adicionais. Dos EAs 42,6% eram evitáveis.

O primeiro estudo realizado em França (Nestrigue e Or, 2011), com o objectivo de estimar o custo direto de nove tipos de EAs, Excess Cost of Adverse Events in Hospitals in France, estimou que em 2007 o custo total dos EAs em França, terá sido de cerca de 700 milhões de euros.

Um estudo realizado por Porto et al., (2010) procurou determinar os recursos financeiros utilizados em pacientes com EAs em dois hospitais públicos do Rio de Janeiro, no ano de 2003. Nesse estudo concluíram que 6,3% dos doentes sofreram pelo menos um EA, sendo que 64,1% dos mesmos eram evitáveis. Determinaram ainda que nesse estudo os DAIs foram 28,3 dias superiores ao observado nos pacientes sem EAs, tendo os custos totais relacionados com EAs representado 2,7% do orçamento global desses hospitais (1,2 milhões de reais).

Em Portugal no primeiro estudo epidemiológico sobre EAs realizado em contexto hospitalar, Sousa et al. (2011) avaliaram o impacto dos EAs em 3 hospitais públicos da região de Lisboa, no ano de 2009. A incidência de EAs foi de 11,1%, dos quais 53,2% eram evitáveis. Os DAIs corresponderam a 10,7 dias, tendo-se verificado em 58,7% dos casos. O método

56 utilizado foi semelhante ao utilizado no CAES e o valor estimado de custos associados à ocorrência desses EAs foi de 1,3 a 1,7 milhões de euros.

Friedman et al., (2009) no estudo Do patient safety events increase readmission, procurou determinar o impacto da ocorrência de EAs, na perspectiva das readmissões hospitalares. Assim estudou os dias de internamento de doentes adultos sujeitos a cirurgia em 1.088 hospitais dos EUA e concluiu que a taxa de reinternamento a 30 dias, após a alta, foi de 16% nos casos de doentes que tinham tido EAs e de 11% nos doentes sem ocorrência de EAs. Concluiu ainda que a taxa de reinternamento nos 3 meses seguintes à alta foi de 25% nos doentes com EAs e de apenas 17% nos doentes sem EAs.

Como referido anteriormente, existem vários outros estudos que procuraram estimar os custos de EA, mas em aspectos específicos da prestação de cuidados de saúde, muitos deles avaliando os EA relacionados com a administração de medicamentos, em cuidados intensivos (Frytak et al., 2008; Nuckols et al.,2008), tratamentos oncológicos, entre outros.