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2.3 O raciocínio diagnóstico

2.3.4 A pesquisa do raciocínio clínico

2.3.4.1 Década de 1970

No início da década de 1970, considerada a época de ouro da resolução do problema clínico, dois grupos de pesquisadores da Universidade do Estado de Michigan, nos Estados Unidos e da Universidade McMaster, no Canadá, deram início a estudos observacionais direcionados ao entendimento do raciocínio clínico (ELSTEIN; SHULMAN; SPRAFKA, 1978; NEUFELD; NORMAN; FEIGHTNER et al, 1981; NORMAN, 2005).

O livro intitulado “Medical Problem Solving – An Analysis of Clinical Reasoning” (“Resolução do problema clínico – uma análise do raciocínio clínico”, tradução minha), um produto da Office of Medical Education Research and Development (Repartição de Pesquisa e Desenvolvimento na Educação Médica, tradução minha) da Universidade do Estado de Michigan, foi o resultado de pesquisas que envolveram, inclusive, temas para dissertações, e que foram lideradas por Arthur Elstein (ELSTEIN; SHULMAN; SPRAFKA, 1978).

Esse projeto de pesquisa foi desenvolvido durante 5 anos, empregando um extenso campo de métodos e orientações – naturalística, descritivo, experimental, anedotal (anecdotal), psicométrico – para examinar um alvo complexo e multifacetado, envolvendo a área da medicina, psicologia e educação médica, tendo como objetivos: identificar o processo intelectual característico do raciocínio clínico de especialistas; gerar uma teoria psicológica para explicá-lo relacionando-a com as teorias existentes do pensamento; processamento de informação humana; tomada de decisão e resolução do problema e o desenvolvimento de métodos para estudantes de medicina progredirem e refinarem habilidades na resolução do problema (ELSTEIN; SHULMAN; SPRAFKA, 1978).

Foram observados clínicos com experiência e estudantes em vários níveis de aprendizagem, com pacientes standard, os quais foram estimulados a “think aloud”, na Universidade do Estado de Michigan, ou suas interações eram revisadas por meio de video-tape quando incentivados a lembrar o seu processo de pensamento, como método adotado na McMaster (ELSTEIN; SHULMAN; SPRAFKA, 1978; NEUFELD; NORMAN; FEIGHTNER; et al, 1981).

Um modelo geral de resolução do problema clínico, denominado método hipotético – dedutivo foi a conseqüência desses dois estudos, no qual os médicos geravam e/ou refutavam algumas hipóteses diagnósticas, com os dados que iam obtendo ao longo da resolução do caso clínico. O procedimento empregado foi geral e igual para todos os participantes em todos os níveis, um dos problemas apontados por Norman (2005) nessas pesquisas (ELSTEIN;

SHULMAN; SPRAFKA,1978; NEUFELD; NORMAN; FEIGHTNER; BARROWS, 1981).

Prévio a esses estudos, Dudley (1970), procedente do departamento de cirurgia da universidade de Monash, na Austrália, em um artigo sobre a tarefa clínica, comentava sobre o tempo e energia dispensados a guarnecer fatos e a debater a ética ou a posição existencialista do médico, mas a pouca atenção dada a explicação ou a formalização “do que ele faz” e “como ele faz”.

Em termos formais, é fácil estabelecer a tarefa clínica, mas o resultado dela é a resolução do problema; por exemplo, o médico com um paciente com dor torácica precisa fazer esforço para reinterpretar o sintoma em termos de estabelecer se essa dor é devido à isquemia muscular ou anormalidades na junção do esôfago. Esse manejo de dados cria um conceito que pode ser denominado como processo diagnóstico, no qual está implícito o raciocínio (DUDLEY, 1970).

Parece óbvio que aja similaridade entre o caminho científico e clínico em termos hipotético-dedutivo, mas pode haver dificuldade em conceder similaridade entre o método nessas duas áreas. Porém, podemos considerar como científico qualquer atividade humana que traga tentativas e hipóteses refutáveis sobre a natureza dos eventos, o que nos leva a crer que o médico é inevitavelmente um cientista, embora o controle rigoroso de um programa científico não possa ser inteiramente possível na complexa situação clínica (DUDLEY, 1970).

Ainda em 1970, Gorry, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, avalia a necessidade de um modelo do processo diagnóstico, que é uma atividade de resolução de problema. Como a habilidade de solucionar o diagnóstico é crucial na escolha de cuidados médicos apropriados, o desenvolvimento do requisito de habilidades em médicos jovens é importante, mas o atual processo de educação médica não dá ao estudante uma estrutura lógica dentro da qual ele possa desenvolver essa habilidade. A motivação para investigação desse processo foi direcionada ao esforço em descrever estratégias e procedimentos aos quais pudessem ser explicitamente

ensinadas, tendo como foco dessa investigação a formulação de um modelo diagnóstico (GORRY, 1970).

Como os modelos formais são mais facilmente testados do que os informais (por exemplo, verbal), esse é o desejável para modelar o diagnóstico com o objetivo de ensinar os estudantes de medicina. Para isso, considerou os três principais componentes no sistema cognitivo do médico quando emprega o diagnóstico: a experiência médica geral, o processo no qual ele avalia a similaridade de um padrão de sinais e sintomas como relevantes em um protótipo de doença (aqui denominado como processo de inferência funcional de diagnóstico) e o componente pelo qual o clínico seleciona questões úteis, tais como exames complementares, entre outros, para obter mais informação que dê a sustentação diagnóstica (GORRY, 1970).

Em síntese, Gorry (1970) acredita que a motivação para modelar a dinâmica do diagnóstico é pela falta de um processo formal na qual o estudante possa estudar o diagnóstico e construir sua habilidade; por isso ele propõe um modelo para resolução do problema (vide modelo esquemático a seguir).

Diagrama 1: Modelo esquemático de resolução do problema diagnóstico (GORRY, 1970, p. 298, minha tradução).

Kassirer e Gorry (1978), respectivamente, de um Departamento de

Medicina de uma escola médica e centro hospitalar, em Boston, Massachusetts, e de um Programa de Gerencia em Saúde, em Houston, no Texas (referência atual de Gorry), conduziram uma pesquisa com o objetivo de ampliar o entendimento do processo de resolução de problema clínico com uma análise comportamental, registrando por meio de gravação o comportamento de clínicos experientes ao “fazer a história de uma doença atual” em um paciente simulado, representado por um dos autores desse estudo.

A seleção do caso clínico apresentado aos participantes obedeceu a alguns critérios, tais como: ser condizente com o que é encontrado na prática clínica do dia-a-dia, e não uma doença obscura ou uma manifestação rara de uma doença comum; permitir um diagnóstico final, mas sem ser um caso clássico de uma doença particular, pois o experimento pretendia capturar os métodos standard da cognição clínica e não testar a habilidade diagnóstica; ser rico o suficiente para provocar várias opções diagnósticas (KASSIRER; GORRY, 1978).

Os resultados mostraram uma média de 59 perguntas formuladas pelos participantes, entre as quais em número de 12 (média) para mencionar o primeiro diagnóstico correto, com 23 (média) hipóteses diagnósticas e 7 (média) hipóteses ativas em algum período. Os clínicos estudados usaram as mesmas estratégias básicas para avaliação das hipóteses e para obter informações, mas por diferentes caminhos (KASSIRER; GORRY, 1978).

Um dos estilos reconhecidos evidenciou que o médico direcionava todo o esforço para descobrir o centro da situação, enquanto outros dirigiam-se ao problema em uma visão mais metódica, empregando uma exploração sistemática em uma variedade de aspectos da situação clínica do paciente. O 3o estilo foi caracterizado pela exploração de diferentes direções que o auxiliava a descobrir algum fato importante por possibilidades, e, finalmente, aquele que iniciava a sua análise voltado a discernir a história pregressa, colocando o problema do paciente cronologicamente, para depois considerar

os eventos atuais após uma clara visão dos eventos do passado (KASSIRER; GORRY, 1978).

Mesmo admitindo que a descrição desses estilos possa estar dentro de uma visão simplista, Kassirer e Gorry (1978) acreditam que as estratégias globais dos especialistas na resolução do problema podem variar consideravelmente e que essas estratégias grosseiras são, no momento, totalmente fragmentadas.