• Nenhum resultado encontrado

Estratégias de resolução do problema clínico

2.3 O raciocínio diagnóstico

2.3.5 Estratégias de resolução do problema clínico

Entre os vários esquemas propostos para explicar como o raciocínio diagnóstico é realizado, Elstein (2000) inclui a categorização diagnóstica pela geração de hipóteses competitivas, em direção ao raciocínio ou condizente com um padrão, redes proposicionais, protótipos e categorização diagnóstica pelo reconhecimento baseado em casos/exemplos.

Mesmo assim, Elstein, Shulman e Sprafka (1978) e Bordage (1994) acreditam que as diferenças entre os profissionais em relação ao diagnóstico médico é baseada mais no armazenamento de conhecimento do que na estratégia de resolução do problema clínico. Segundo Norman e Eva (2003), é mais provável que tanto os especialistas quanto os principiantes utilizem uma combinação de estratégias dependendo do problema proposto.

Atualmente, além da estratégia “hipotético-dedutiva”, reconhece-se o raciocínio “esquema-indutivo” e o raciocínio por “reconhecimento de padrão” (CODERRE; MANDIN; HARASYM et al, 2003).

2.3.5.1 Geração de hipóteses competitivas

Desde a descrição original de Elstein (1978) a estratégia de raciocínio

hipotético-dedutiva, que advém das idéias do filósofo austríaco Karl Raimund

Popper, é a forma mais comum de raciocínio diagnóstico empregado pelos clínicos, o que é corroborado também por outros autores (CONELLY; JOHNSON, 1980; POPPER, 1972). Porém, Newell e Groen apud Coderre, Mandin, Harasym et al (2003) o colocam como uma estratégia de raciocínio geral, referindo-se a ele como um método “fraco” enquanto Patel (apud CODERRE, MANDIN HARASYM et al, 2003) diz ser este método ineficiente e propenso a erro.

A estratégia de raciocínio hipotético-dedutiva é guiada pela geração de hipóteses, as quais, durante a resolução do problema, o médico relaciona o conhecimento geral da doença hipotetizada pelos sinais e sintomas específicos do paciente, em conjunto com os dados de exames complementares (CODERRE; MANDIN HARASYM et al, 2003; PORTO, 2002). O método de pesquisa dedutivo, proposto pelos racionalistas como Descartes, Spinoza e Leibniz, parte da análise do geral para o particular para chegar a uma conclusão (SILVA; MENEZES, 2000).

O problema diagnóstico tem sua possível solução com o resgate do que está armazenado na memória a longo-prazo, por um processo associativo que liga as informações ao conteúdo armazenado. O limite do número de hipóteses geradas por médicos experientes não é relacionado ao seu conhecimento, já que seu estoque é maior do que o número de hipóteses que podem ser avaliadas simultaneamente: um grupo de hipóteses que podem ser exploradas é em torno de 4 ou 5 e tem o limite superior em cerca de 6 ou 7 (ELSTEIN; SHULMAN; SPRAFKA, 1978).

Esse médico experiente – ao contrário da estratégia convencional orientada aos estudantes que são dissuadidos a formular todas as hipóteses até a história e o exame físico serem concluídos – começa a gerar hipóteses precocemente, logo no início do encontro com o paciente (ELSTEIN; SHULMAN; SPRAFKA, 1978).

2.3.5.2 Em direção ao raciocínio ou condizente com um padrão

O raciocínio por reconhecimento de padrão tem sido identificado por alguns pesquisadores como o caminho usado por profissionais competentes na resolução de problemas médicos. A experiência sólida leva a compilação de problemas considerados comuns, que no domínio do especialista são denominados “doenças características”; esse “armazenamento” permite a resolução de problemas pela identificação e reconhecimento da similaridade entre os antigos e os novos problemas. A este fenômeno, que provavelmente representa um processo mental complexo que requer um rápido resgate baseado em importantes “dicas”, denomina-se modelo de reconhecimento (CODERRE, MANDIN HARASYM et al, 2003).

2.3.5.3 Redes proposicionais

As técnicas de inteligência artificial (IA) – termo proposto por John McCarthy, em 1956, em uma conferência no Dartmouth College (OSÓRIO, 2003) – utilizam raciocínio Bayesiano, analógico e difuso (fuzzy).

O teorema ou fórmula de Bayes é um método quantitativo de revisão de probabilidades diagnósticas, que guarda estreita relação com o processo de raciocínio implícito e informal que o médico usa quando revê e refina as hipóteses diagnósticas (LÓPEZ, 2001).

A analogia tem o seu papel nos processos cognitivos dos humanos, principalmente no que se refere à resolução de problema e ao aprendizado, tendo muita semelhança com o raciocínio indutivo – processo descrito inicialmente por Bacon. No método indutivo o conhecimento é fundamentado na experiência, as generalizações são feitas a partir de casos concretos e as constatações particulares levam à elaboração de generalizações (LOPES, 1996; BACON, 1979).

O raciocínio difuso ou fuzzy foi proposto por Zadeh apud Thé (2001) com a base da lógica difusa, que avalia expressões lógicas com valores incertos, para lidar com modelos na resolução de problemas em que há imprecisões, incertezas e ambigüidades.

2.3.5.4 Protótipos

A tipicalidade é a propriedade de um número de aspectos característicos e faz parte da teoria dos protótipos, na qual Norman (2000) reconhece que talvez tenha sido a primeira teoria de conceitos a ser aplicada no raciocínio clínico.

O conceito de protótipo foi introduzido inicialmente pelas pesquisas de Rosch e deram origem à modificação das relações intra-classes e inter-classes (NORMAN, 2000; FIALHO, 2001). Os exemplares que são mais típicos em uma classe, funcionam sob o aspecto cognitivo, como protótipos e esses servem para delimitar as classes (FIALHO, 2001).

Os protótipos são, ao mesmo tempo, os exemplares mais parecidos com os exemplos da classe e os menos parecidos com os exemplares das outras classes. Eles maximizam a semelhança intraclasse e minimizam as semelhanças interclasse (FIALHO, 2001, p. 115).

Os membros de uma categoria aparecem em uma ordem que não é uma ordem qualquer e alguns elementos aparecem com freqüência bem superior a dos outros (FIALHO, 2001).

Bordage e Zacks (1984) estabeleceram um estudo baseado no conhecimento de uma dada categoria que é estruturada na memória em torno de casos-chave ou exemplos claros (protótipos). Desta forma, estabeleceram a convergência da seqüência de evidências no que se refere à estrutura interna de 14 extensas categorias de doenças médicas, que são armazenadas na memória a longo prazo, para estudantes de medicina na fase pré-clínica e

médicos experientes. Mostraram que a representação mental das categorias era mais bem descrita na visão do protótipo do que na visão clássica (nessa última, por exemplo, o professor elabora uma definição de anemia, e a partir desse critério apresenta uma lista delas aos estudantes); eles argumentam que a visão do protótipo facilita a aprendizagem e o processo de resolução do problema na medicina.

2.3.5.5 Categorização diagnóstica pelo reconhecimento baseado em exemplos

A similaridade é a característica do raciocínio baseada em exemplos, na qual a teoria do exemplo, na formação do conceito, é uma outra teoria que tem origem na psicologia. Segundo Norman (2000, p. S130),

nós estamos hábeis a identificar um membro de uma classe ou um conceito, não por alguma regra interna ou pela importância da nossa experiência ter criado protótipos de uma classe que estejam disponíveis para análise e introspecção, mas porque nós temos, em alguma categoria (como cachorros, cadeiras, esportes, carros, doenças), um inumerável número de exemplos de uma categoria.

Quando nós estamos em frente a uma tarefa de categorizarão, a primeira linha de defesa é pesquisar através da memória os exemplos similares de uma classe, e, então, se nós encontramos um exemplo que é suficientemente similar, nós assumimos que este novo animal é também um cachorro [...] Este processo é realmente pouco provável de estar disponível para introspecção consciente (NORMAN, 2000, p. S130, tradução minha, grifo meu).

A similaridade é, portanto, uma característica do raciocínio diagnóstico pelo reconhecimento baseado em exemplos. Ela é descrita por Fialho como tendo um papel fundamental nas teorias relativas ao comportamento e ao

conhecimento (grifo meu) (FIALHO, 2001) (A similaridade e a não similaridade

podem aparecer sob diversas formas, tais como avaliação de pares, escolha de objetos, fatos em comum, acerca de associações, erros de substituição, e a

correlação entre ocorrências, e a sua análise teórica é através de modelos geométricos) (FIALHO, 2001).

Alguns autores têm feito estudos aplicando essa teoria em áreas da medicina em que são fortes os aspectos visuais: dermatologia, radiologia, histopatologia e até mesmo na cardiologia (leitura de eletrocardiograma), nas quais há evidência deste tipo de processamento.

Brooks, Norman e Allen (1991) desenvolveram um estudo sobre “O papel da similaridade específica na tarefa do diagnóstico médico”, utilizando três experimentos que mostravam o diagnóstico de doenças de pele, a médicos residentes e médicos de família; este procedimento era facilitado por casos similares vistos previamente em um mesmo contexto, mais do que os casos não-similares em uma mesma categoria diagnóstica, demonstrando que a facilitação não era devido apenas à ativação da categoria diagnóstica como um todo. O efeito da similaridade se manteve entre as duas semanas transcorridas entre os casos iniciais e os casos-testes; as variações no procedimento diagnóstico não interagiram com o efeito da similaridade. O resultado sugeriu que o efeito da similaridade não é fortemente dependente de uma estratégia diagnóstica em particular. Na realidade, esses autores visaram o “produto”, ou seja, o diagnóstico em si, e não o processo do raciocínio clínico.