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2.1 Integrando áreas do saber

2.1.1 Educação médica

Na era a.C., Hipócrates (que nasceu por volta de 460 a.C. e morreu em torno de 370 a.C., na Tessália), iniciou a elaboração do Corpus Hippocraticum (72 livros e 59 tratados) cuja sistematização escrita ocorreu ao longo de 100 anos, por seus seguidores, e contém categorias gerais como anatomia, fisiologia, patologia, patologia geral, cirurgia, ginecologia e obstetrícia, doenças mentais, ética, terapia, diagnóstico e prognóstico. Seus preceitos continuam até hoje, 2405 anos após terem sido elaborados! (LEMOS; CORBIOLI, 1999; PORTO; DANTAS, 2003).

Foucault (2004), filósofo e licenciado em psicologia, nascido na França

em 1926, filho de pai médico e herdeiro de uma geração de médicos com este sobrenome, em “O nascimento da clínica”, uma de suas obras, assinala uma importante mudança na organização do conhecimento médico e de sua prática, da medicina clássica para a medicina científica. O hospital, que antes era o local de assistência ao pobre e da preparação para a morte, torna-se um local de referência para a assistência e o ensino médico (FOUCAULT, 2003).

[...] a medicina moderna fixou sua própria data de nascimento em torno dos últimos anos do século XVIII. O rejuvenescimento da percepção médica, a iluminação viva das cores e das coisas sob o olhar dos primeiros clínicos não é, entretanto, um mito; no início do século XIX, os médicos descreveram o que, durante séculos, permanecera abaixo do visível e do enunciável (FOUCAULT, 2003, p. X).

William Osler, médico canadense que em 1895 ajudou a fundar a escola

médica americana no Hospital Johns Hopkins e aceitou o convite para trabalhar na Universidade de Medicina de Oxford nove anos após, foi o precursor da reforma do ensino da medicina em Clínica Médica – em que os estudantes foram retirados de sala de aula e levados a aprender clínica a beira do leito. São suas as palavras transcritas por Giglio (2000, p. 194):

No que se pode chamar de método natural de ensino, o estudante começa com o paciente, continua com o paciente e termina seus estudos com o paciente, usando livros e aulas como ferramentas, como meios para atingir um objetivo. O estudante começa, de fato, já como um médico [...] Ensine-o a observar, dê-lhe abundância de fatos para observar e as lições emergirão dos próprios fatos (William Osler, The Hospital as a College, Aequanimitas, 1905).

A “medicina científica“ como prática ocidental dependente da ciência e do método científico, teve início em 1910, quando Flexner publicou um relatório sobre este tema nos Estados Unidos (EUA), determinando uma base científica sólida em todos os níveis (principalmente na graduação) até o processo de educação médica continuada. O processo para tornar-se médico passou a exigir uma base científica, para que ele pudesse compreender as pesquisas recentes dentro da literatura médica, independentemente de quão complexo isso pudesse se tornar (BENNETT; PLUM, 1997).

Ainda no início desse século, foi criada a residência médica pelo cirurgião norte-americano William Halsted, uma forma de ensino de pós-graduação destinada a médicos, que se caracteriza por treinamento em serviço sob supervisão. No Brasil, foi implantada no final da década de 1940, no Hospital de Clínicas da Universidade de São Paulo e hoje tem 452 instituições em todo o território nacional com programas em especialidades básicas e sub- especialidades (I FÓRUM DE RESIDÊNCIA MÉDICA, dez. 2004).

A preocupação com o aprimoramento da educação médica e o aperfeiçoamento de métodos de ensino médico, com fórum de discussão sobre os aspectos atuais e futuros da educação médica, em nível de graduação e pós-graduação tem sido objeto de destaque dentro do cenário nacional (ABEM, 2004 / I FÓRUM DE RESIDÊNCIA MÉDICA, dez. 2004).

As Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos Universitários da Área da Saúde (entre eles, o Curso de Graduação em Medicina), cuja resolução é instituída pelo Conselho Nacional de Educação, por meio da Câmara de Educação Superior, foi homologada em 2001, pelo então Ministro da Educação, Paulo Renato Souza. Dentro das diretrizes gerais, destaca o aperfeiçoamento das propostas do perfil do formando egresso/profissional e as competências e habilidades necessárias a ele (REDE UNIDA, 2002).

Em relação às do Curso de Graduação em Medicina, define a formação do médico com o perfil generalista, humanista, crítica e reflexiva, tendo entre uma das competências e habilidades gerais a tomada de decisão. Inclui, entre outros, conhecimentos para a realização com proficiência da anamnese e a conseqüente construção da história clínica, bem como o domínio da arte e técnica do exame físico, além de diagnosticar e tratar as principais doenças do ser humano em todas as fases do ciclo biológico, de acordo com a sua prevalência e morbidade (REDE UNIDA, 2002).

Deve, ainda, manter o estágio curricular obrigatório com treinamento em serviço, incluindo a Clínica Médica, contemplar o sistema de saúde vigente no país e ter uma estrutura no curso que use metodologias que estimulem a participação ativa do aluno, privilegiando diferentes cenários de ensino- aprendizagem (REDE UNIDA, 2002).

Cutolo, tendo como referencial de análise as bases epistemológicas das categorias de Ludwik Fleck (COHEN; SCHNELLE, 1986), ao realizar um estudo de caso no curso de graduação em medicina da UFSC, observou que

a formação dos professores/médicos é a superespecialidade [...]; a abordagem individual é tecnicista e não humanista [...]; a postura do docente é a do médico que dá aula e não a do professor de medicina [...]; a prática em sala de aula é

empirista [...]; o local de ensino é, fundamentalmente, desenvolvido no hospital [...]; a estrutura é essencialmente disciplinar [...] ,não há articulação entre os ciclos básico e clínico [...] e os conteúdos são desconectados da realidade nacional (CUTOLO, 2001, p. 179-194).

Tomando como base as novas Diretrizes Curriculares do Ministério da Educação para os Cursos de Medicina, e com a participação do Programa de Mudanças Curriculares (PROMED) – uma cooperação entre a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) e a UFSC – teve início o processo do Projeto de Reforma Curricular do Curso de Medicina, do CCS, da UFSC, em 2002 (OPAS/OMS, 2002; PEREIMA, 2002; PEREIMA; COELHO; DA ROS, 2005).

O “novo” curso (que no momento completa o 9o semestre) do currículo integrado do curso de graduação em medicina da UFSC, tem como princípios gerais:

• Mudança do sistema de ensino seriado para o modular procurando fazer a integração vertical e horizontal dos departamentos de ensino no processo de aprendizagem integrando as disciplinas do ciclo básico com profissionalizante.

• Integração entre as disciplinas do ciclo básico e o profissionalizante, com conteúdos correlatos e paralelos, à medida que o curso avança na aprendizagem das doenças prevalentes no meio.

• Inserção precoce do acadêmico de medicina na comunidade e no sistema de saúde.

• Mudança do eixo de ensino aprendizagem do professor para o aluno com uma proposta construtivista de ensino utilizando os recursos didáticos pedagógicos disponíveis no momento.

• Internato médico de dois anos (PEREIMA, 2002; PEREIMA; COELHO; DA ROS, 2005).

Hoje, as competências atribuídas ao médico que está se formando são na essência as mesmas que as preconizadas desde Hipócrates, mas contextualizada ao sistema de saúde vigente no país – Sistema Único de Saúde (SUS) – implantado por Decreto-lei no Brasil desde a década de 1980 (DECRETO-LEI 8080, 1990).

A Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM) que é uma sociedade civil de utilidade pública criada em 1962, em Belo Horizonte – MG, constitui-se no principal fórum de discussão sobre os aspectos atuais e futuros da educação médica, em nível de graduação e pós-graduação. Entre os seus objetivos, salientam-se o aprimoramento da educação médica e o aperfeiçoamento de métodos de ensino médico (ABEM, 2004).