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Organização e conteúdo do conhecimento

2.3 O raciocínio diagnóstico

2.3.6 Organização e conteúdo do conhecimento

2.3.6.1 Organização do conhecimento

Na organização do conhecimento o sistema cognitivo humano apresenta algumas características importantes, entre elas a elaboração de raciocínio (KOMATSU; RICARDO; ZANOLLI et al, 1999). A mente faz hipóteses diagnósticas precocemente para reunir as informações e assim alivia a memória a curto prazo ou memória imediata (aquela que mantemos por um

curto período, ou seja, por menos de 60 segundos). Podemos gerar em torno de 15 a 20 hipóteses diagnósticas, mas o limite dessa memória parece ser de 4, 5 ou 6 possibilidades diagnósticas no nível das informações clínicas. Da memória a longo prazo (maior de 60 segundos), resgata-se o conhecimento médico para poder formular hipóteses diagnósticas provisórias que são transferidas para a memória a curto prazo (PORTO, 2001; KOMATSU; RICARDO; ZANOLLI et al, 1999; DAMASIO, 1996; JOHNS; FORTUIN, 1988).

Bordage (1994) tem afirmado que a pesquisa sobre o raciocínio clínico demonstra a importância do caminho pelo qual o conhecimento é organizado na memória, e Elstein, Shulman e Sprafka (1978) concluíram em seus estudos que as diferenças entre os indivíduos que estabelecem o diagnóstico médico está presente mais nos estoques de conhecimento do que nas suas estratégias de resolução do problema.

O conhecimento no domínio médico pode ser representado por 3 modelos que são os protótipos, os baseados em exemplos e os que envolvem redes semânticas, esquemas e características (scripts) de doenças (CUSTERS; REGEHR; NORMAN, 1996).

Ao questionarem a influência do conhecimento médico sobre a prática médica, Bordage e Lemiex (1991) colocam as questões relativas à sintaxe e à

semântica como as principais na elaboração da organização do conhecimento.

A teoria sintáxica ajudaria a capturar regras de inclusão dos sinais e sintomas – que fazem parte de cada doença diagnosticada – e as regras de distribuição linear desses elementos na prática médica – como, por exemplo, os sinais e sintomas precedam ou seguem as interpretações diagnósticas. Já a

teoria semântica captura o significado dos sinais e sintomas, abstraindo

associações entre eles mesmos e o papel dessas associações na diferenciação entre o que pertence ou não aquele diagnóstico.

Os sinais ou sintomas sempre devem ser entendidos em relação a sua posição semântica dentro de um grupo de qualidades formais, que constituem a rede semântica desse profissional, que é formada por múltiplos eixos

semânticos. Esses, na dimensão vertical da linguagem (que é a dimensão semântica) correspondem a estruturas semânticas sobrejacentes que permitem ao indivíduo organizar o significado contido na informação factual dentro de múltiplos níveis de significação (DUCROT; TODOROV, 1976; BORDAGE; LEMIEUX, 1991; BORDAGE; LEMIEUX, 1992).

Os eixos semânticos representam níveis lógicos de abstração que são considerados como um mecanismo de esquematização do significado, e estão presentes em toda a resolução de um caso clínico. As propriedades semânticas que são evocadas pelo médico constituem regras relacionais aplicadas a sua rede semântica profunda, por isso é possível reconhecer o caminho vertical usado por ele indo de um eixo semântico a outro enquanto resolve o caso (BORDAGE; LEMIEUX, 1992).

Tendo como instrumento a visão de estruturas semânticas e de protótipos na organização do conhecimento, e com o objetivo de auxiliar os professores a reconhecer nos diferentes tipos de discurso a organização do conhecimento e de que forma seus efeitos podem influenciar no raciocínio diagnóstico, Bordage (1994) analisou o discurso de 4 médicos, para ilustrar os 4 tipos de organização, denominadas como conhecimento com estrutura reduzida, dispersiva, elaborada e compilada.

O conhecimento elaborado é aquele em que os sinais e sintomas são organizados de forma coerente, com uma representação abrangente e profunda que permite o entendimento do problema, e o compilado é um processo rápido e dinâmico que pontua a causa específica pelo reconhecimento de um padrão. Ao contrário, estrutura de conhecimento

dispersiva é caracterizada por longas listas de diagnósticos estáticos sem

adequada conexão com o problema do paciente, ou a reduzida, em que não há conhecimento relevante na memória que permita a análise do problema (BORDAGE, 1994).

O mais freqüente tipo que é associado ao pensamento diagnóstico bem- sucedido, tanto para o estudante quanto para o especialista e com acurácia em torno de 75 a 80% para a resolução de problemas complexos é o

conhecimento com estrutura elaborada, em oposição à resolução próxima de zero para o discurso dispersivo (BORDAGE, 1994).

2.3.6.2 Conteúdo do conhecimento

Na perspectiva semântica, os sinais ou sintomas clínicos são divididos em nível elementar – a essência do conteúdo – e em nível mais profundo, em que se relaciona às associações abstratas – a forma do conteúdo. Por exemplo, “diarréia que não parou há dez dias atrás”, tem como significado elementar: “diarréia que não parou”, e “nos últimos oito dias atrás”, em um nível mais aprofundado, pode ser visto como “diarréia constante (vs intermitente)” e de “início recente” (vs remota)” (BORDAGE; LEMIEUX, 1991).

A teoria da forma do conteúdo na estrutura semântica é, na sua essência, a teoria das conexões abstratas, em que o processo de associação de sinais, sintomas e/ou outros dados clínicos têm correspondência nas propriedades abstratas (BORDAGE; LEMIEUX, 1992). A essas articulações entre os eixos semânticos, que são categorizações diferentes na dependência do contexto clínico, é dada a denominação de forma do conteúdo (GREIMAS, 1973).

O estudo de Grant e Marsden (1987) que tinha como objetivo encontrar a explicação da estrutura de conhecimento memorizado por estudantes e médicos, e que teve como instrumento a seleção de informação clínica de 4 pacientes reais, construída e apresentada como exercícios no formato de uma prova escrita, evidenciou diferença importante nesses 2 grupos com distintos níveis de experiência clínica, em relação ao conteúdo e à estrutura de pensamento.

Para identificar e localizar essas diferenças, eles usaram como ferramenta os dados de uma pesquisa prévia, que havia demonstrado que estudantes e médicos que são expostos à informação clínica interpretada por eles mesmos, podem identificar fragmentos importantes de informação chamadas de características vigorosas (forceful features), as quais representam a chave de

uma estrutura de memória específica que proporciona uma melhor interpretação clínica (GRANT; MARSDEN, 1987).

Ao apresentarem o instrumento que serviu como estímulo aos participantes, esses eram incentivados a abandonar 5 interpretações erradas sobre o caso de cada paciente e identificar os itens de informação (características vigorosas) que originavam essa idéia. O trajeto percorrido por eles revelou quais as estruturas de memória que estavam sendo acessadas ao usar essas características, e a complexidade do conteúdo de pensamento de ambos os grupos (GRANT; MARSDEN, 1987).