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CAPÍTULO 4. O NEGRO NOS QUADRINHOS BRASILEIROS

4.6. Década de 1960, surge Mauricio de Sousa

No inal da década de 1950, começa a despontar um jovem talento que, mais tarde viria a se tornar o maior autor de quadrinhos do país: Mauricio de Sousa.

Desde sua estreia, Mauricio desenvolveu vários personagens como Horácio, Jotalhão, Nico Demo, Os Sousa, Penadinho, Chico Bento e Papa Capim que, normalmente, apareciam em séries cujos universos eram isolados, pois não mantinham relação entre si, mas se tornou famoso com a Turma da Mônica, cujo núcleo central é formado por quatro personagens: a própria Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali. No entanto, em termos cronológicos, seu primeiro personagem foi Bidu, o cãozinho azul do garoto Franjinha, que estreara com seu dono em 1959 no jornal Folha da Manhã. No mesmo ano, a editora Continental lançou a revista do Bidu, cujas histórias, além do cachorro e seu dono trazem como personagens vários garotos nenhum deles com nome. Entre eles o único menino negro de todo o grupo e que, deduz-se, seja

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Jeremias, personagem que atualmente integra a Turma da Mônica. O rosto dele era representado basicamente como uma elipse preta com duas outras brancas menores servindo de olhos.

Com o passar dos anos, seu traço foi sendo aprimorado e o tom de pele clareado para uma cor marrom. Utilizando como critério a frequência que os personagens aparecem nas histórias e o papel que desempenham no contexto do universo geral da Turma da Mônica, Jeremias pode ser considerado um personagem menos que secundário, ele é terciário, pois os primários são os quatro principais já citados; entre os secundários estão Anjinho, Franjinha, Zé Luís e até alguns mais recentes como Do Contra e Nimbus. Só depois, aparecem Titi, Xaveco, Jeremias e outros.

Um dado curioso é que a capa da edição especial comemorativa dos 50 anos do Bidu, publicado em 2009, é uma atualização da capa da revista número 1, da editora Continental, no entanto, metade dos personagens que compunha a cena original foi substituída. Nessa versão, um grupo de cinco garotos, entre os quais Jeremias e Franjinha, se banha em um lago e, no primeiro plano, Bidu vai embora com as suas roupas. Na capa mais recente, três dos garotos foram trocados por Mônica, Cebolinha e Magali.

Jeremias ganhou destaque por ocasião da eleição de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos. Durante a campanha eleitoral, Obama citava o líder negro Martin Luther King como uma referência. Num lance de oportunismo, a equipe do estúdio de Mauricio de Sousa criou uma história, publicada na edição 30 de Cebolinha, de junho de 2009, na qual o clube dos meninos da Vila Limoeiro promove uma eleição para escolher quem irá dirigi-lo numa disputa entre Cebolinha, atual presidente, e Jeremias, que se oferece como postulante ao cargo. À semelhança do candidato americano, Jeremias cita as palavras do famoso discurso de Martin Luther King: “eu tenho um sonho”. No im, ele vence a eleição por 11 votos a 2.

Figura 105 – Jeremias, candidato a presidente do clubinho da Turma

Mauricio sempre foi muito cioso e cuidadoso com sua obra e raramente permitiu que temas mais polêmicos fossem abordados nas suas histórias, a não ser no material para publicação em jornais, destinado a um público mais adulto. Nas revistas, há uma preocupação em manter uma neutralidade em relação à realidade, com exceção de uma ou outra crítica ao comportamento dos adultos e, no caso do Chico Bento, a oposição entre os valores, pretensamente mais genuínos

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e sinceros dos habitantes da roça, comparados com os daqueles que moram na cidade. Mesmo assim, ocasionalmente, alguma história tratava de assuntos que causavam relexão. Na edição 15 da revista

Mônica, de julho de 1971, foi publicada a história Os azuis. Nela,

Mônica, numa certa manhã, sem mais nem menos, acorda e todas as pessoas de seu convívio têm a pele azulada. Esse fato faz com que as outras pessoas, inclusive seus amiguinhos da inseparável turma, evitem o seu contato.

Figura 106 – Alusão ao preconceito de cor em história da turma da Mônica

A história é um manifesto contra a discriminação de raça e cor, numa época em que o movimento negro começava a ganhar força no Brasil, simbolizada pela música Black is Beautiful, de Zé Rodrix, cantada pela cantora Elis Regina. Uma inluência tardia do movimento pelos direitos civis que agitou os Estados Unidos nos anos 1960 e culminou com a derrubada de leis como a que proibia aos negros o acesso a determinados locais como escolas e espaços públicos. Na América do Norte, o racismo era política de estado e estava amparado em leis segregacionistas. Foi somente após muito conlito e intensas

reivindicações que os afroamericanos passaram a usufruir de uma série de direitos. No Brasil sempre proliferou o conceito de democracia racial, passando a falsa percepção de que o racismo não existia. (SCHWARCZ, 2001, p. 34)

Embora nunca tenha dado maior destaque a Jeremias, único negro da turminha, Mauricio criou outros personagens negros baseados em pessoas reais: Pelé e Ronaldinho Gaúcho, que serão abordados posteriormente.

O grande sucesso do jogador Pelé, que teve brilhante atuação na Copa do Mundo de Futebol de 1958, na Suécia, competição em que o Brasil conquistou seu primeiro título, fez com que seu nome se tornasse conhecido mundo afora. Na carona dessa fama, o nome passou a ser usado indistintamente para apelidar meninos negros de modo geral. Em 1960, numa das edições da revista Contos de fadas, da editora La Selva, surgiu a série Pelé e Pelado, criada pelo roteirista Milton Júlio e o desenhista Pedro Seguí. Pelé, obviamente, era um rapaz negro, e Pelado, um garoto careca.

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Os dois viviam tentando expedientes para se dar bem, mas acabavam se enrolando em aventuras e confusões, em situações humorísticas. Os personagens foram publicados em pelo menos três das edições da revista Contos de Fadas. A La Selva mantinha a coleção Cômico Colegial que abrangia vários títulos publicados alternadamente. Alguns eram dedicados a um único personagem como O Espírito, que trazia as aventuras de The Spirit, de Will Eisner, que na época não era mais editado nos Estados Unidos e andava meio esquecido pelo público. Outro título era O Gatilho, com histórias de faroeste, e até o super-herói Super Mouse chegou a ter a sua revista. Contos de fadas era o título reservado para histórias infantis dentro da coleção Cômico Colegial.

O mesmo Milton Júlio que roteirizava Pelé e Pelado era responsável pela criação de outro personagem negro que saiu na Contos de fadas número 54: o menino Tião, com desenhos de L. C. Salgueiro. O mesmo garoto aparece como coadjuvante em outras histórias como Frank e Bolão e Bolacha.

Duduca e Jambolão, de Orlando Pizzi,de 1963, é uma série muito parecida com Pelé e Pelado. A dupla chegou a ter revista própria pelas editoras Taika/ Outubro.

Figura 109 – Duduca e Jambolão, mais uma dupla cômica nos quadrinhos