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CAPÍTULO 4. O NEGRO NOS QUADRINHOS BRASILEIROS

4.8. Novas tiras nos anos 1980

O cartunista Angeli que continuava colaborando com o jornal

Folha de S. Paulo por um bom período principalmente com charges e

cartuns, tornou-se editor da seção de humor gráico Vira Lata, página de humor do suplemento de cultura Folhetim, da Folha, no formato tabloide. Uma vez por semana, a página trazia charges e histórias em quadrinhos de diversos autores como Luscar, Nilson e da dupla Laerte e Glauco com quem anos depois comporia o grupo Los tres amigos.

Nessa seção, no dia 15 de março de 1981, ele inicia a série Chiclete com Banana, no formato de painel com seis quadrinhos, diferente portanto, das tiras diárias. O primeiro personagem eram Tudo Blue, um músico mais interessado na sua arte do que na situação política do país.

Figura 123 – Moçamba, um dos primeiros personagens da série Chiclete com Banana

Seu amigo, o negro Moçamba, era percussionista e só queria saber de cantar e dançar. Em contraponto, havia o radical de esquerda Meia Oito. A igura feminina do grupo era Rita Pop, fã incondicional de Caetano Veloso. Esses personagens formavam o núcleo central da série que, com a extinção da seção Vira Lata, continuou sendo publicada semanalmente no caderno de variedades Ilustrada, mas, separada da seção de quadrinhos. Somente no dia 6 de janeiro de 1983, Chiclete

com banana foi reduzido ao formato de tira e passou a ser publicado diariamente, junto com as demais séries. Bob Cuspe, primeiro personagem da série a fazer sucesso, só estrearia no dia 23 de abril de 1983 e Rê Bordosa viria apenas em 4 de abril de 1984. Foi principalmente com esses dois personagens que Angeli veio a se consagrar como um dos mais conhecidos quadrinistas de sua geração. Outros mais foram incorporados ao elenco como Bibelô, Walter Ego, Rhala Rikota, Mara Tara, formando uma galeria de anti-heróis tipicamente urbanos que com humor e sarcasmo fazia rir do comportamento de certas tribos e seus membros.

Nos anos 1980, as tiras de jornal ainda ocupavam um espaço importante nos jornais e em decorrência da situação econômica do país surgiram outras séries na mesma linha de Rango, que extraíam humor das situações vividas pelos menos favorecidos. Uma delas é a Casa Grande sem sala, que circulou em meados da década, do cartunista Ykenga, nome artístico de Bonifácio Rodrigues de Matos. Ambientada numa favela típica carioca, que naquele tempo ainda não havia sido tomada pelo crime organizado e o tráico pesado de drogas. Dentre os principais personagens dois são negros: o garoto Joãozinho Tresoitão e o Vovô Oba.

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Como em Rango, as histórias giram em torno das diiculdades de sobrevivência de Joãozinho e de Maria Zinha, dois menores abandonados e o convívio com valores questionáveis, no caso do estreito limite entre a marginalidade e a criminalidade, em contraste com a vida de conforto de personagens como o playboy Tédio Boy.

Outra série a explorar a periferia, mas com uma visão menos ingênua e mais violenta é a Dr. Baixada, de Luscar, que estreou no Jornal do Brasil em outubro de 1982. Colaborador de longa data da revista Mad, tem um desenho que lembra o estilo do veterano Fortuna. O Dr. Baixada é uma espécie de justiceiro que não hesita em sacar seu revólver. O próprio nome do personagem faz referência Baixada Fluminense, região da Zona Norte do Rio de Janeiro que icou famosa por seus elevados índices de criminalidade, na década de 1980. A região foi considerada a mais violenta do mundo com uma taxa de 95,6 pessoas assassinadas por cada 100.000 habitantes. Entre os vizinhos do Dr. Baixada, havia um garoto negro chamado Piva.

Figura 125 – Piva, o garoto negro da série Dr. Baixada, de Luscar

O menino age conforme as regras não escritas para poder se livrar de determinada situação, uma estratégia de sobrevivência numa realidade de violência extrema e descontrole das autoridades. Aliás, essa é a mensagem que ica ao se ler a série que acaba funcionando como um protesto pela falência dos órgãos públicos. Inicialmente publicada em jornais uma coletânea da série foi publicada em livro pela Circo Editorial, em 1986.

Também muito semelhante a Rango e Dr. Baixada, era a série Pivete, uma criação de Edmar Viana, cartunista do Rio Grande do Norte. A série surgiu em 1980 e foi publicada em tiras durante três anos no jornal Tribuna do Norte e eventualmente no A União, da Paraíba. O personagem lembra outras séries de denúncia social como Zeferino, de Henil, cujo traço parece ter inspirado Viana, e Rango, de Edgar Vasques. Temas como fome, pobreza, marginalidade e desigualdade são explorados. Pivete, como o próprio nome explicita é um menino, mas em algumas situações tem atitudes e reações de um adulto.

Figura 126 – O menino negro Pivete, de Edmar Viana

Nela, o protagonista é um moleque negro que em companhia de seus amiguinhos, luta pela sobrevivência. A série ganhou, em 2010, uma versão em álbum, editada pela Marca de Fantasia.

As séries Rango, Casa Grande Sem Sala e Dr. Baixada chegaram a ser distribuídas pela Agência Funarte, uma tentativa de replicar o modelo americano de syndicate no Brasil. A agência foi instituída em 1985, durante a gestão do cartunista Ziraldo como presidente da Fundação Nacional de Arte (Funarte), órgão do Ministério da Cultura, como forma de incentivar a produção de quadrinhos e sua publicação pelos jornais. Além dos títulos citados, também constavam do catálogo da agência as tiras Negrim do Pastoreio, de Nilson. Como o próprio nome da série faz supor, o personagem principal era um menino negro, mas ao contrário do que lhe serviu de inspiração, vivia conlitos da realidade contemporânea. (FUNARTE, s/d)

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Figura 127 – Figura do folclore transposta para a atualidade

Na sequência entre os dias 30 de janeiro e 5 de fevereiro de 1988 da série Now sem Rumo, do cartunista Lor, publicada no jornal O Estado

de S. Paulo, aparece om personagem El Negro, líder dos guerrilheiros

Sem-ar, com traços exagerados e representação estereotipada, seguindo o estilo humorístico do autor para os demais personagens.

Figura 128 – Personagem afrodescendente na série Now sem rumo, de Lor

Coincidentemente, na mesma época e no mesmo jornal, Maringoni introduz em sua tira, Romeu o Descasado, uma sequência com o personagem negro Zé da Prancha, com direito a nome na chamada da primeira vinheta. Publicadas de 26 de janeiro a 4 de fevereiro de 1988 as tiras mostra situações de discriminação vividas por Zé, um

surista negro que é chamado de diversos apelidos preconceituosos e que, mesmo tendo vencido um campeonato, é preterido por um atleta branco para igurar em uma campanha publicitária para esse segmento.

Figura 129 – Preconceito explícito na tira Romeu, o descasado de Maringoni

Além das diversas iniciativas de se emplacar séries em tiras para os jornais, vale destacar que a publicação em revista era uma solução mais acessível principalmente para autores iniciantes. Na década de 1980 havia vários títulos de coletâneas, com diversos autores diferentes, chamadas genericamente de publicações mix.