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CAPÍTULO 4. O NEGRO NOS QUADRINHOS BRASILEIROS

4.3. Escopo da pesquisa – limitação do corpus

Um levantamento absolutamente completo de todos os personagens negros existentes nos quadrinhos publicados no Brasil constitui tarefa de enorme diiculdade e o tempo necessário para tal empreitada seria muito extenso. Ainda assim, mesmo que houvesse prazo e meios necessários, o maior obstáculo seria o acesso às publicações primárias. As revistas em quadrinhos raramente foram objeto de preservação, sendo tratadas como material de consumo descartável e que, uma vez lidas, poderiam circular entre várias pessoas, mas raras delas com a intenção de manter e conservar a edição.

São poucos os acervos públicos em bibliotecas, hemerotecas e coleções disponíveis para consulta e nenhum deles possui a totalidade do que já foi publicado em quadrinhos no país. Os motivos para essa falta de material para pesquisa também podem ser atribuídos às próprias editoras, muitas delas de pequeno porte e existência efêmera, que não se preocuparam em manter exemplares guardados. Mesmo as editoras maiores e que durante anos tinham nos quadrinhos a sua principal fonte de renda não souberam ou não puderam conservar as suas coleções, como no caso da EBAL, cuja biblioteca de publicações

era das nas volumosas. Fechada na década de 1990, a editora carioca teve seu acervo transferido para a Biblioteca Nacional. (CIRNE e alii, 2002, p. 9)

Na cidade de São Paulo, estão localizadas algumas boas coleções de histórias em quadrinhos de acesso público. A Gibiteca Henil, situada dentro do Centro Cultural São Paulo, dispõe de um grande número de revistas. Felizmente, a parte mais rara e, por isso, mais preciosa, ica guardada em área especíica que não é liberada ao público e é preciso ser pesquisador para consultá-la.

A Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) também possui um rico acervo que inclui a coleção completa da Gazeta Infantil, suplemento do jornal A Gazeta e que durante 10 anos publicou diversas séries em quadrinhos.

A Biblioteca Infantil Monteiro Lobato, que integra a rede municipal de bibliotecas da cidade de São Paulo, mantém alguns raros exemplares da revista O Tico-Tico, datadas da primeira década do século XX. Essas edições icam protegidas em compartimento seguro e só podem ser consultadas com autorização prévia, que só é obtida para ins de estudo.

Outro acervo muito útil é o da Editora Globo que transferiu para sua sede em São Paulo o arquivo de revistas montado desde a década de 1930, que icava no Rio de Janeiro. O Centro de Documentação (CEDOC) da editora dispõe da coleção completa das pioneiras publicações Globo Juvenil e Gibi e diversos outros títulos em quadrinhos como Fantasma, Mandrake e Jerônimo.

A recente iniciativa dos dois principais jornais editados em São Paulo (O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo) de digitalizar todo o seu acervo e torná-lo disponívelpara consulta on line também facilitou o acesso a dados relativos aos personagens das seções de quadrinhos bem como a matérias e reportagens sobre o assunto.

Também merece destaque a disponibilização dos exemplares digitalizados, de uma das coleções mais completas existentes no Brasil de O Tico-Tico, no site da Biblioteca Nacional, a partir do segundo semestre de 2012. Até então, essa versão eletrônica só era acessível na própria biblioteca.

114 títulos iam sendo descobertos.

Outro aspecto considerado para delimitação do corpus da pesquisa foi de que não existe uma unanimidade a respeito de uma deinição de histórias em quadrinhos. Vários estudiosos tentaram propor uma descrição para essa linguagem de forma que pudesse abranger suas características fundamentais e desfazer a confusão entre quadrinhos, cartum e charge. O limite entre essas manifestações não é muito claro e correntemente os autores transitam por essas três formas sem se preocupar muito com a denominação que possam dar a seus trabalhos. Scot McCloud (2005, p. 4-9) parte da deinição Arte Sequencial sugerida por Will Eisner e, depois de chegar ao conceito mais completo de “imagens pictóricas e outras justapostas em sequência deliberada destinadas a transmitir informações e/ou a produzir uma resposta no espectador”, acaba retornando ao termo inicial. Fato é que os quadrinhos, como os conhecemos atualmente, da forma como se disseminaram pelo mundo, com algumas variações, ainda são o fruto de uma evolução do humor gráico e da imprensa de grande circulação. Um progresso decorrente de avanços tecnológicos e na forma de enxergar o mundo em movimento, que ocorreu de modo mais intensiicado a partir de meados do século XIX, na Europa e nos Estados Unidos. Portanto, o conceito utilizado para a presente pesquisa toma como marco inicial as criações concebidas para ser veiculadas por jornais e lidas por um grande número de leitores.

O fator assinalado também é útil para delimitar o escopo da pesquisa apenas às histórias em quadrinhos impressas, apesar de um volume imenso ser produzido para veiculação via meios eletrônicos, notadamente os sites e blogs na internet. Ressalte-se que esse tipo de material vem ganhando expressão com o aumento da população com acesso à rede mundial, mas justamente pela maior facilidade em se criar e colocar no ar, torna ainda mais difícil fazer o monitoramento de uma quantidade cada vez maior, que é postada indiscriminadamente. Outra razão para se desconsiderar do presente estudo os quadrinhos lançados em formato digital é que, no meio eletrônico, ainda é muito difícil mediar a relação de consumo entre o autor ou detentor dos direitos e o leitor da mesma maneira que acontece com revistas e jornais impressos, não sendo, portanto, viável avaliar se determinada

série ou personagem teve repercussão ou não. E caso tenha tido é impreciso mensurar como se deu esse acesso. Já quanto ao meio impresso, a aquisição pressupõe uma decisão de compra, a não ser quando a revista ou livro é oferecido gratuitamente, o que não ocorreu na maioria dos títulos analisados. E o fato de ser pago já é um indicativo maior de interesse, preferência ou tendência.

A princípio, a intenção era incluir somente títulos que tiveram circulação em bancas ou foram vendidos em livrarias, pois a intervenção de um editor implicava um critério mínimo de seleção qualitativa, ainda que numa visão que privilegiava a inserção de um produto no mercado. No entanto, a partir da constatação de que parte signiicativa e muito interessante da produção em quadrinhos se deu no circuito independente, principalmente no período posterior a 2005, o escopo foi ampliado para abranger, quando possível, também esse material.

O critério para a inclusão de uma série ou uma história avulsa no rol de quadrinhos com personagens/temática negros procurou priorizar aquelas em que os negros desempenham um papel de destaque no decorrer da trama, de preferência como personagem-título. Foram descartadas da classiicação as meras aparições sem importância no desenrolar da narrativa ou que se façam presentes apenas para compor iguração. As exceções a essa regra ocorreram quando o enredo trata de temas relativos à realidade dos negros ou à cultura afro-brasileira, mas que por algum motivo, deram mais destaque a personagens brancos.

O presente estudo procurou abranger a produção brasileira de quadrinhos desde o seu princípio, assumindo-se como marco inicial a publicação da série Nhô Quim, de Angelo Agostini, de 1869, até o dia 31 de dezembro de 2011, conforme Cagnin (in CALAZANS, 1997, p. 26). Essa última data foi ixada em razão de 2011 ter sidoescolhido pela Organização das Nações Unidas, em sua Assembleia Geral de 18 de dezembro de 2009, como Ano Internacional do Afrodescendente (UNESCO, 2011). Dada a visibilidade e a repercussão que o tema deveria alcançar, vislumbrava-se um grande número de publicações referentes ao assunto, entre livros, ensaios e histórias em quadrinhos.

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