• Nenhum resultado encontrado

3.4 E MPREGO E RELAÇÕES DE TRABALHO

4.2.5 Déficits ameaçavam a estabilidade

Para Veja, com inflação baixa, estoques de divisas nas alturas e crescimento do PIB de 1994 na casa dos 5,3%, os brasileiros podiam relaxar, “mas não deixam. Na

semana passada, divulgou-se em tom de alarme que o saldo da balança comercial foi

negativo, em dezembro, em mais de 1 bilhão de dólares.”223 Antes, os jornais divulgaram

que o déficit era de 47 milhões de dólares, o governo ficou em silêncio. Depois passaram a falar em 1 bilhão de dólares. O governo reagiu e esclareceu que nem um nem outro, o déficit era de 884 milhões de dólares.

A revista não criticou o governo que ficou em silêncio quando o falso déficit de 47 milhões de dólares foi divulgado, mas a imprensa, que teria exagerado nos cálculos ao falar de 1 bilhão de dólares que, embora também falso, bem mais realista. Ademais, Veja reclamou dos que falavam de abertura demais, pois o país ainda era um dos mais fechados do mundo, importava apenas algo em torno de 7% a 8% do PIB. Segundo a revista, nos anos 70, se importava dobro, 15%, e não havia tantas reclamações de abertura excessiva. Veja aproveitou para ressaltar as vantagens daquele momento e tomou a posição do governo, elogiou o fato de o país ter reservas internacionais na casa dos 40 bilhões de dólares para pagar suas importações.

Segundo a revista, as reclamações eram dos exportadores e da indústria nacional que perderam com as importações e com a alta taxa de câmbio que dificultava as exportações.

“Em qualquer programa de estabilização econômica, alguns setores perdem a outros ganham. Em geral, perdem os assalariados (...) Como eles não têm corneteiros para reclamar em seu nome (...) acostumaram-se a suportar a

222 Abaixo do Chile. Veja. São Paulo: Abril, Edição 1439, ano 29, nº 15, p. 95, abr. 1996. 223 O déficit é pífio. Veja. São Paulo: Abril, Edição 1376, ano 28 nº 04, p. 82, 25, jan. 1995.

carga. Desta vez, com o Real, os assalariados das classes C, D, e E ganharam (...) Perderam exportadores, que têm defensores nas poderosas associações das classes empresariais, no Congresso, no ministério e nos meios de comunicação.”224

A revista tomou para si a informação oficial, que deveria ser do governo, travou uma guerra de informação com os críticos e fez militância declarada em favor do programa de estabilização. Ao criticar os setores que reclamavam da abertura excessiva e indiscriminada e os meios de comunicação que divulgaram os números do déficit comercial, na casa de 1 bilhão de dólares – poupando o governo que silenciou diante do anúncio do déficit de 47 milhões – Veja tornou clara sua posição de defesa, a qualquer custo, da política do governo.

No final de agosto de 1996 voltaram as preocupações com o tamanho do déficit comercial que já acumulava 630 milhões de dólares no ano. No ano anterior, o assunto já havia sido bastante comentado por outros meios de comunicação e Veja, à época, criticou aqueles que alardeavam o déficit e não deixavam o brasileiro dormir em paz. Desta vez, novamente, Veja realizou uma reportagem destinada a convencer que o déficit não era nada preocupante e que continuava tudo muito bem com a economia.

“Na semana passada, o que provocava tremores de pânico era novamente o saldo da balança comercial (...) negativo, no mês de julho, em 334 milhões de dólares (...) com reservas internacionais de 60 bilhões para torrar, 2,3 bilhões [projeção para o ano de 1996] nada significam...”225.

De acordo com Veja, o alarme era fruto de uma visão equivocada do comércio exterior e motivada por uma herança de isolamento do país. A questão, segundo a revista, não era o saldo negativo ou positivo neste ou naquele mês, mas a presença do Brasil no comércio exterior que estava crescendo e precisava crescer ainda mais. De todo modo, saltava aos olhos o fato de que, toda vez que se comentava o alto déficit comercial brasileiro, Veja, por meio de reportagens contundentes ressaltava os ganhos do programa de estabilização e a política de abertura.

Em setembro de 1996 Veja admitiu que o Brasil era “um país pendurado”. A dívida pública brasileira já estava na casa dos 241 bilhões de reais e continuava crescendo. A dívida correspondia a 34% do PIB e apresentava uma escalada de crescimento desde 1991. A revista, no entanto, tratou de recorrer a exemplos que demonstravam que aquela

224 Idem, p. 83.

situação era comum a todos os países que reformaram sua economia nos moldes do neoliberalismo. Não era um problema somente brasileiro.

“A dívida pública brasileira não é um escândalo em si. Países de economia forte e estável podem suportar um endividamento muito maior sem problema. A dívida pública americana é de 56% do PIB, a da Alemanha é de 49% e a da Inglaterra é maior que 100% “226.

Além dos exemplos de que a situação, apesar de preocupante, não era somente brasileira e não seria, em tese, uma conseqüência funesta do ajuste neoliberal, a revista procurou apresentar, novamente, as conquistas do Real.

“O Real resiste aos déficits comerciais de 300 milhões de dólares por mês, a inflação deve ser menor do que 15% no ano e as empresas estão voltando a crescer. Tudo vai bem, menos o governo, que gasta mais do que pode (...) enquanto os parlamentares não autorizam as reformas na máquina do Estado, o governo precisa ir arranjando dinheiro para tocar a vida. A dívida cresce assim”227.

Tudo então só poderia ser resolvido com o aprofundamento da política neoliberal, realizando as reformas que ainda restavam e enxugando, ainda mais, os gastos públicos. O Congresso era quem estaria atravancando o ajuste, pois não teria aprovado todas as reformas propostas. A matéria finalizou com a afirmação de que fazendo as contas bem feitas, acrescentando outros componentes da dívida, como os empréstimos aos agricultores, o proer, etc, a dívida brasileira poderia chegar a 43% do PIB. Para Veja, ainda nada de assustar. A conclusão, definitivamente não fez justiça ao tom pessimista do início da matéria, que parecia ter apenas o propósito de pressionar o Congresso a aprovar todas as reformas e a preparar o público para aceitá-las pacificamente.

Uma semana após divulgar com certa preocupação que o país estava pendurado em uma dívida pública que não parava de crescer, Veja apresentou dados bem mais animadores na economia. Para a revista, o país estava no rumo certo. A inflação parecia definitivamente debelada e era possível que tivéssemos uma deflação. O Brasil teria entrado numa nova era. A inflação estava baixa e “Em algumas cidades, como São Paulo,

226 Eliana Simonetti. Um país pendurado. Veja. São Paulo: Abril, Edição 1461, ano 29, nº 37, p. 92, 11, set. 1996.

o índice aproxima-se de zero. Em outras, como Rio de Janeiro e Belo-Horizonte, afundou para baixo de zero”228.

O déficit público brasileiro referente a 1997 foi maior do que o governo havia previsto. Refeitas as contas o governo descobriu que o déficit nas contas públicas foi de 54,4 bilhões de reais, bem maior do que os 52,3 bilhões antes anunciados. Para Veja, essa descoberta não significava muita coisa, o país não teria ficado mais pobre de uma hora para outra.

“Pelo menos de imediato ele não afeta diretamente a vida das pessoas. Também não significa que a situação em Brasília ficou pior ou melhor do que estava antes. O déficit público é apenas um dos índices que mede a saúde financeira do país e o desempenho do governo. Prova disso é que, na semana passada, foram anunciados outros números, esses bastante animadores. As reservas internacionais subiram para 70 bilhões de dólares, em função da entrada de novos investimentos estrangeiros no país...”229.

Após apresentar com mais ênfase os dados positivos, que lhe interessavam, Veja afirmou que o problema teria sido a “barbeiragem” do governo ao anunciar um déficit menor na semana anterior. Assim, mesmo que os números não fossem preocupantes, o problema seria a imagem do governo junto aos investidores estrangeiros.