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3.4 E MPREGO E RELAÇÕES DE TRABALHO

4.1.6 Privatização da Vale do Rio Doce, a “jóia da coroa”

Logo no início de seu mandato, o presidente Fernando Henrique Cardoso

180 Na rota da luz. Veja. São Paulo: Abril, Edição 1498, ano 30, nº 22, p. 123, 04, jun. 1997. 181 Preço recorde. Veja. São Paulo: Abril, Edição 1507, ano 30, nº 31, p. 123, 06, ago. 1997.

anunciou que faria a privatização da Vale do Rio Doce. O anúncio da privatização causou impacto positivo no mercado, mas ainda ficou a dúvida de quando e como a estatal seria privatizada. De acordo com Veja, tratava-se da “jóia da coroa”, a mais eficiente entre as 136 estatais que ainda restavam no Brasil.

A revista comentou que o banqueiro Júlio Bozano, do banco Bozano Simonsem, que já assumira o controle acionário das siderúrgicas de Tubarão, Usiminas e Cosipa, sonhava com a Vale. O receituário neoliberal pregava a privatização como uma forma de quebrar o monopólio em alguns setores, no entanto, como informou Veja, as privatizações brasileiras colocaram o controle acionário de três siderúrgicas nas mãos de um único banqueiro, que ainda sonhava com uma empresa que também atuava no ramo da siderurgia.

O governo demonstrava, desde o início do mandato, o interesse em privatizar a Vale do Rio Doce, mas enfrentava resistências no Congresso. Um projeto do então senador Jáder Barbalho declarava a Vale como agência de desenvolvimento econômico e social, tentando inviabilizar a privatização, mas Veja apresentou contra-argumentos.

“Qualquer estatal pode ser apresentada como uma agência de desenvolvimento econômico e social. Em Minas Gerais, fez-se uma barulhenta campanha cívica na qual se apresentava a venda da siderúrgica como uma traição aos interesses mineiros. Privatizada a Usiminas (...) ninguém em Minas Gerais (...) acha que a privatização foi um mau negócio”182.

Veja posicionou-se claramente: a privatização das estatais era necessária, a

oposição a ela aparecia revestida de falsas defesas do interesse nacional ou regional sempre falaciosa. Os argumentos apresentados eram tachados de manobras de quem, na prática, não se convenceu das mudanças por que passava o mundo globalizado e dos defensores do atraso e dos monopólios estatais.

De acordo com Veja, o governo tinha um compromisso claro com o mercado: privatizar a Vale do Rio Doce. Para distrair o mercado, somente se o governo se dispusesse a privatizar outras grandes empresas como a Petrobrás, mas seria muito difícil, admitiu Veja, tanto por dificuldades constitucionais, oposição de vários segmentos da sociedade, como também pela complexidade de um tal processo de privatização. Então, mesmo ressaltando a eficiência da empresa que não administrava um monopólio estatal, a revista afirmava que a Vale não podia deixar de ser privatizada, fazia parte dos compromissos do governo com forças econômicas que o apoiaram.

“Por não administrar nenhum monopólio concedido pela União, ela teve de suar a camisa tanto no mercado interno como no internacional para se manter de pé. Talvez por isso, dentro dela não existe nenhuma militância corporativa como na Petrobrás, Eletrobrás ou Telebrás. Está afinada com o que existe de melhor em tecnologia e administração de recursos humanos na sua área de atuação.”183

O argumento técnico, em defesa da privatização da gigante estatal lucrativa, era o de que ela demandava grandes investimentos como aporte de capital, senão o governo perderia o controle acionário da empresa. Segundo Veja, entre 1989 e 1991, o Estado teria investido 190 milhões de dólares na Vale. No mesmo período, os dividendos pagos pela empresa teriam sido de apenas 105,9 milhões de dólares. Logo, o Estado gastava muito para manter o controle acionário da empresa e, por isso, ela devia ser privatizada. Os novos controladores acionários da Vale precisavam tomar muito cuidado, pois tratava- se de uma empresa tão complexa que manter o controle acionário custava muito mais do que os dividendos gerados. A inverossimilhança do discurso era evidente, ou havia algo não pronunciado sobre o assunto.

Em fevereiro de 1996, houve um boato no mercado de ações envolvendo a Vale, com suspeitas de manipulação das ações da estatal. Para Veja, foi uma ação destinada a criar dificuldades para a privatização da empresa. De acordo com a revista, quando a empresa anunciou a descoberta de uma mina de ouro, já teria havido um movimento em defesa da manutenção da Vale sob controle estatal, naquele momento não seria diferente.

“O governo não tem nenhuma obrigação de privatizar a Vale. Ela é uma boa empresa, que não pesa sobre os cofres públicos. Pode permanecer estatal. O problema é que (...) há investidores se preparando para entrar no processo de venda. Não é bom sinal que o governo permaneça em cima do muro...”184. Toda a defesa da privatização da Vale do Rio Doce, exaustivamente explorada por

Veja, seria explicada então, pura e simplesmente, pela expectativa do mercado. Para a

revista, o governo não poderia deixar de emitir os sinais de boas intenções no campo das privatizações, do contrário o mercado reagiria mal. A questão era claramente uma opção política. Não havia uma necessidade premente de privatizar a estatal.

A Vale do Rio Doce era para Veja o grande nó no processo de privatizações. A empresa gerava muitas paixões e muitas confusões, havia muita gente disposta a brigar

para que ela permanecesse estatal. O governo foi sempre criticado por sua indecisão no caso da gigante estatal, teria cedido às pressões vindas de vários lados. “Já correram

catorze meses, e a cada dia que passa Fernando Henrique parece mais indeciso, ou mais

ambíguo, ou mais desorientado, a respeito da venda da Vale”185.

De acordo com Veja, os “políticos” (que a revista não identificava, apenas citava, sugerindo certa rejeição pela classe) não queriam vender a Vale, porque não queriam vender estatal alguma. Elas funcionariam, segunda a revista, como “fonte de poder”, mas a Vale seria especial.

O BNDES apresentou, em maio de 1996, um relatório que descrevia a Vale como uma empresa qualquer, com muitos problemas administrativos como a demais estatais.

Veja deu ampla repercussão ao relatório, em grande reportagem com o título “os pés de barro do ídolo de ferro”. O tratamento dado à notícia deixou a impressão de que, para a

revista, foi um grande alívio, depois do relatório, podia tratar a Vale como todos os demais

“dinossauros estatais”, ela não era mais uma exceção, uma empresa saneada e lucrativa.

“Para os idólatras da Vale, que agitam sua eficiência como argumento para não vendê-la, isso soa como uma heresia. O BNDES usou dados de um estudo da Merril Lynch, consultoria empresarial americana, que fez um diagnóstico da estatal (...) A Vale, em rentabilidade, perde para todas as suas concorrentes no exterior (...) Nos últimos 54 anos, só rendeu 100 milhões de dólares para seu dono, o governo. De 1989 para cá, para cada 3 dólares que a Vale deu ao governo, destinou 5 dólares para o fundo de pensão de seus funcionários”186.

Segundo a revista, “os políticos” ou “idólatras da Vale”, teriam difundido verdadeiros engodos sobre a empresa para inviabilizar sua privatização por interesses menores e o governo vinha se comportando de forma muito ambígua. “Eles [membros do

governo] são capazes de abrir mão de suas propostas mais caras por medo de

desagradar freirinhas e sindicalistas”187. Era isto que estaria acontecendo no caso da

Vale. A revista cobrou pulso firme do governo na condução de seu programa privatista e pressa especial no caso da Vale. E comemorou, com especial entusiasmo, o fato de que

184 Mais turbulência na Vale. Veja. São Paulo: Abril, Edição 1432, ano 29, nº 08, p. 59, 21, fev. 1996. 185 Antenor Nascimento Neto. Os pés de barro do ídolo de ferro. Veja. São Paulo: Abril, Edição 1444, ano 29, nº 20, p. 108, 15, mai. 1996.

186 Idem p. 108. 187 Idem, p. 109.

o estudo da corretora norte-americana ajudava a desmanchar o mito criado em torno da eficiência da estatal.

O noticiário sobre as privatizações no início de 1997 foi dominado pela expectativa de privatização da Vale do Rio Doce. Segundo a Veja, era mesmo um acontecimento esperado, pois tratava-se de uma empresa bem estruturada e lucrativa, avaliada em 10,3 bilhões de reais, a maior privatização da América Latina.

“O que se está vendendo agora não é uma siderúrgica qualquer, mas uma empresa rica, lucrativa e produtiva segundo qualquer padrão mundial. Depois de dar sucessivos sinais de vacilação diante da resistência levantada contra a venda da Vale, o governo resolveu finalmente bater o martelo aconteça o que acontecer”188.

Havia, segundo Veja, um grande número de investidores interessados na empresa, por um lado, e, por outro, uma expectativa de resistência da parte de militantes de esquerda e nacionalistas, contrários à venda da empresa. Resistências já haviam ocorrido antes, por ocasião de outras privatizações, mas o caso da Vale deveria ser mais retumbante. Em tom jocoso, a revista informou que o embate entre o governo e os opositores promoveria “um espetáculo emocionante” para aqueles que gostassem de campeonato de caratê. Isso porque as privatizações anteriores foram alvo de protestos que acabaram em enfrentamento entre policiais e opositores.

A revista informou que o governo FHC tinha interesse em deixar a empresa sob controle de um empresário brasileiro, Antonio Ermírio de Moraes. Com isso, o governo procurava manter a Vale uma empresa nacional e neutralizar parte das oposições. A reportagem, no entanto, detectou uma ruptura no acordo para manter o Antonio Ermírio de Moraes à frente do consórcio que deveria adquirir o controle acionário da empresa. Essa informação evidenciava que o governo tentara beneficiar o empresariado nacional em algumas das privatizações.

A Vale do Rio Doce entrou em definitivo no processo de privatizações do governo FHC. Uma semana antes da data da privatização, um grande número de atores políticos e sociais e entidades como o PT, a CUT, a CNBB, a OAB, o Ministério Público Federal e o MST intensificaram as manifestações contra a venda empresa. De acordo com a revista, essas entidades deveriam protestar e também realizar uma guerra de liminares. O

188 Antenor Nascimento Neto. Cada um por si. Veja. São Paulo: Abril, Edição 1486, ano 30, nº 10, p. 110, 12, mar. 1997.

governo, por sua vez, estava se preparando, havia mobilizado 120 advogados para enfrentar a guerra de liminares.

Os opositores questionavam a privatização de uma empresa tão lucrativa e argumentavam que o preço de 10,36 bilhões, fixado pelas consultorias contratadas pelo governo, também não correspondia ao potencial da empresa, mas aos interesses dos investidores. Veja, por sua vez, argumentava que a privatização renderia vultosos recursos ao caixa do governo e preservaria a grandeza da empresa que passaria a receber mais investimentos de seus novos donos.

“Como não podia deixar de ser, a Vale sofre alguns problemas comuns entre as estatais. Exemplo: trabalha mais para seus funcionários do que para o sócio principal, o governo. De 1991 a 1995, os empregados da estatal foram presenteados com 958 milhões de reais, entre participação nos lucros e contribuições a seu fundo de pensão. No período, o governo recebeu em dividendos um terço dessa quantia, 338 milhões. Outro vício estatal está na interferência política... “.189

De acordo com Veja, a condição de estatal era um mal crônico, deixando de ser estatal, a Vale podia tornar-se ainda mais lucrativa. Segundo todos os critérios apontados pela Veja, a empresa era lucrativa e competitiva no Brasil e principalmente em vários pontos do mundo, o problema seria o fato de que ela, embora lucrativa, gastava demais com funcionários e dava um retorno muito pequeno ao Estado, em vista do montante de capital que este manteria investido.

Para Veja, a interferência política na Vale era um forte motivo para resistências à sua privatização, muitos políticos se beneficiavam de suas relações com a empresa que se comprometia a realizar obras importantes nos Estados e municípios onde atuava. Os políticos teriam um “apreço argentário” pela empresa e para diminuir as resistências à privatização o governo decidiu investir parte do dinheiro arrecadado com a venda em obras de infra-estruturas e criou um fundo para atender aos municípios.

As oposições à privatização da Vale foram apresentadas como posições de esquerda de quem se opunha a qualquer privatização ou “apreço argentário” de políticos acostumados aos benefícios desfrutados na relação com a empresa. Num trabalho pedagógico, a revista procurou responder às principais críticas e dúvidas em relação à

189 David Friedlander e Mara Luque. Leilão da pesada. Veja. São Paulo: Abril, Edição 1493, ano 30, nº 17, p. 105, 30, abr. 1997.

privatização. Em defesa, informou que a privatização da empresa fazia parte de “um

programa de governo que não quer mais fazer o papel de produtor de bens e serviços”190.

Em 06 de maio de 1996, a Vale do Rio Doce foi privatizada. Dois consórcios disputaram a empresa, um deles liderado pelo empresário Antonio Ermírio de Moraes, do grupo Votorantim; o outro liderado pela CSN, por sua vez, controlada pelo jovem empresário Benjamim Steinbruch.

“Pode ser um sinal de que a economia brasileira estaria adotando certos traços de economias mais desenvolvidas, como a americana. Nos Estados Unidos, as grandes corporações não têm donos definidos. Constrangidas a crescer ou perecer diante da concorrência, as empresas vão tendo seu controle pulverizado por milhões de acionistas e a direção é ocupada por executivos profissionais, homens que reúnem um poder que antigamente nem imperadores tinham”191.

O grande destaque na imprensa brasileira – em Veja, inclusive – foi o fato de que um jovem empresário liderou o consórcio que adquiriu a empresa. Mas, no processo de privatização, ocorreu uma pulverização do controle acionário, fizeram parte do consórcio vencedor, dois bancos, fundos de pensão e a CSN. Veja esmerou-se em elogiar a ousadia e as qualidades de Steinbruch, as condições avançadas em que se deu a privatização e expressou a expectativa – comum em todos os processos de privatização – de que a empresa se tornaria muito mais lucrativa e promissora.