• Nenhum resultado encontrado

Relações de trabalho no setor público: a reforma administrativa

3.4 E MPREGO E RELAÇÕES DE TRABALHO

3.4.5 Relações de trabalho no setor público: a reforma administrativa

Os ministros da área econômica demonstraram resistências em negociar aumentos de salários com o funcionalismo público referente ao ano de 1995. Segundo

Veja, havia uma tradição que determinava que os salários do funcionalismo fossem

reajustados anualmente com base na inflação do ano anterior, desta vez o governo pretendia dar reajuste zero. Segundo a revista, os gastos com o funcionalismo aumentavam a cada ano, mesmo que o governo na concedesse aumentos. Entre 1994 e

157 Idem, p. 47.

1995 a folha de pagamentos teria sofrido uma variação de 27% e a previsão para 1996 era de um aumento de 12% na folha sem a concessão de reajustes. 158

Veja argumentou que os aumentos automáticos não representavam aumentos

salariais para o grosso do funcionalismo que continuava ganhando muito mal. A explicação segundo a revista era que o aumento ocorria principalmente pelo aumento dos vencimentos dos aposentados. Para a revista a máquina pública brasileira não estava inchada, nem os salários do funcionalismo eram, exatamente, milionários. Tudo se explicaria pela existência de algumas “aberrações” na legislação e por um número relativamente grande de privilegiados que ganhavam salários milionários. Isto, segundo a revista, justificava a necessidade e a urgência das reformas administrativa e previdenciária.

Enquanto defendia alternativas que evitassem o desemprego no setor privado,

Veja se esmerava em louvar as alternativas que possibilitassem a demissão de servidores

públicos. A revista produziu uma grande reportagem para comentar a quebra da estabilidade do funcionalismo público brasileiro, informando que após dois anos tramitando na Câmara Federal, a reforma administrativa foi parcialmente aprovada. Os funcionários públicos já podiam ser demitidos por insuficiência de desempenho e toda vez que a folha de pagamento da União, dos Estados e dos municípios ultrapassasse 60% da receita, além disso, estabeleceu-se um teto salarial para o funcionalismo e acabou a isonomia entre civis e militares. Essas medidas eram apenas parte da reforma e ainda precisavam ser votadas em dois turnos pelo Senado, mas a reforma estava avançando.159

De acordo com Veja, o fim da estabilidade do funcionalismo foi uma revolução, pois permitiria a redução dos gastos da União, dos Estados e municípios, mas o seu significado mais expressivo foi acabar com a acomodação que a estabilidade teria criado no funcionalismo. Segundo a revista, com a reforma, o país passou a trilhar o mesmo caminho dos países desenvolvidos. Apenas as carreiras típicas de Estado, sem correspondente na iniciativa privada, como policiais, juízes, promotores, fiscais da Receita e diplomatas seriam estáveis, só podendo ser demitidos por grave falta administrativa.

158 Ver A proposta é reajuste Zero. Veja. São Paulo: Abril, Edição 1428, ano 29, nº 04, p. 26, 24, jan. 1996. 159 Ver Leonel Rocha. Fim de uma era. Veja. São Paulo: Abril, Edição 1524, ano 30, nº 48, p. 38, 03, dez. 1997.

C

APÍTULO QUARTO

– P

OLÍTICA ECONÔMICA

Neste capítulo, analisamos os temas de política econômica (privatizações, estabilidade econômica e crescimento econômico) que compõem a política de governo com vistas ao desenvolvimento econômico e se relacionam mais diretamente com os interesses da classe dominante. A temática econômica era predominante na política desenvolvida no período sob inspiração do Consenso de Washington e tinha grande destaque na cobertura de Veja.

4.1 – Privatizações

Em reportagem preparada para apresentar o governo FHC e justificar a vitória daquele grupo nas eleições de 1994, Veja revelou sua expectativa com o novo governo e apresentou propostas objetivas para tirar o país da crise e trilhar o caminho do desenvolvimento. A revista propunha um programa de reformas orientadas para o mercado nos moldes da política neoliberal.

“Pressionadas pela crise internacional, as empresas se ajustaram, cortando gorduras, melhorando o desempenho, evitando endividar-se. Bastou surgir algum sinal de estabilidade no horizonte – isso veio com o Plano Real que o Brasil começou a decolar (...) O que falta é sanear, enxugar, privatizar, penalizar os oligopólios dos barões do empresariado e desmanchar os monopólios estatais.”160

Dentre as reformas que precisavam ser urgentemente realizadas estava a definição de empresa nacional na Constituição de 1988, pois esta discriminaria o capital externo e desestimularia os investimentos de empresas estrangeiras no país. Para enfrentar esse problema, seria preciso mudar a Constituição. Para a revista não deveria haver dificuldades nesse sentido. A receita de Veja era acabar com a distinção entre empresas nacionais e estrangeiras aumentando assim o interesse de empresas estrangeiras por investimentos no Brasil, como a compra de estatais.

Segundo Veja, era preciso ainda mudar toda a forma de concessão de serviços públicos, pois o governo não tinha dinheiro para investir na recuperação e modernização de rodovias, de ferrovias, de hidrelétricas e de portos. Era preciso deixar que a iniciativa

160 Depois da posse e do champanhe... Veja. São Paulo: Abril, Edição 1374, ano 28, nº 02., p. 23, 11, jan. 1995.

privada – sobretudo o capital estrangeiro –, que tinha recursos, investisse nesses setores, adotando medidas de concessão que os tornassem atraentes ao investimento privado. Para tanto, era preciso vencer lobbyes das estatais, dos ministérios e das empreiteiras. Com tais medidas, o Estado deixaria de gastar e a iniciativa privada seria convidada a investir como um negócio.

Ainda, dentre as propostas veiculadas por Veja, outro problema a ser enfrentado era o monopólio estatal, medida complementar à anterior, abrindo a economia do país à entrada de capital estrangeiro. Veja deu receita: “os setores de telecomunicações e de

petróleo (...) poderiam ser privatizados”.161 Poderiam render um bom dinheiro para o

governo, abriria o país aos investimentos estrangeiros e alavancaria o desenvolvimento. Segundo a revista, embora houvesse resistências muito fortes a mudanças como quebra do monopólio do petróleo e das telecomunicações – sobretudo na esquerda onde predominava o raciocínio de que esses setores eram estratégicos – era preciso enfrentar as resistências.

Uma pesquisa com os parlamentares, realizada pelo Instituto Vox Populi a pedido de Veja, foi utilizada para justificar a viabilidade das reformas definidas como necessárias na Constituição Federal. De acordo com a pesquisa, 58% dos congressistas eram favoráveis ao fim do monopólio do petróleo, 39% eram contrários. No caso das telecomunicações, a pesquisa deu conta de que 78% dos congressistas eram favoráveis ao fim do monopólio, enquanto 28% que eram contrários. Ainda com relação ao fim dos monopólios, no caso do setor de energia, 84% dos congressistas eram favoráveis e apenas 11% eram contrários.

A pesquisa apontou ainda que 71% dos congressistas eram favoráveis à mudança na definição de empresa nacional, enquanto 24% eram contrários. Perguntados se as empresas estrangeiras podiam explorar minério no país, 70% responderam que sim e apenas 24% responderam que não. Sobre a distribuição de gás encanado por empresas privadas, 87% eram favoráveis e somente 10% eram contrários. A propósito da navegação de cabotagem, 75% admitiam a competição de empresas estrangeiras e apenas 16% eram contrários.162

Em maio de 1995, o governo anunciou um pacote de privatizações de dezessete empresas estatais, incluindo a Vale do Rio Doce e empresas do setor elétrico. De acordo com Veja, “o governo saiu do marasmo em que estava no terreno das privatizações”,

conseguindo apagar a impressão de que estava hesitante diante do programa de privatizações por medo de críticas da oposição. Embora apoiasse declaradamente o grupo no poder, especialmente o presidente, na realidade, a revista era defensora do programa de ajuste econômico. Veja ocupava uma posição de vanguarda na defesa do ideário neoliberal. O governo era muitas vezes criticado por não ser suficientemente firme e ágil na implementação das reformas neoliberais.

Segundo Veja, o governo FHC fora o único a realmente implementar as reformas neoliberais no Brasil.

“... desde 1991, quando começou a venda de estatais brasileiras, o governo conseguiu arrecadar 8,6 bilhões de dólares, privatizando 33 empresas. É quase nada perto do que se planeja fazer agora. O governo não está ensaiando empurrar micos, como a companhia de navegação Lloyd Brasileiro, para o setor privado. Está colocando à venda o que tem de melhor.”163

Note-se que Veja comemorou o fato de que o governo pretendia privatizar as melhores empresas sob seu controle. Para a revista, o governo deixava de investir em escolas e hospitais porque gastava recursos com empresas deficitárias e não recebia das empresas lucrativas. Novamente Veja esboçou um raciocínio no mínimo inverossímil. Se havia empresas lucrativas, onde iam parar os lucros que o Estado não recebia? Sem as devidas explicações, o argumento ficou falacioso, mas de outro modo seria muito difícil defender a privatização de empresas lucrativas sem parecer ideológico.

Veja apresentou algumas razões para a defesa das privatizações, uma delas era

que o atraso na reforma fiscal podia comprometer a estabilidade econômica, e, com as privatizações, o governo teria fôlego para aguardar a reforma sem comprometer a estabilidade; outra razão era que os investidores nacionais e estrangeiros estavam ficando ressabiados com o governo, aconselhando a retirada de investimentos no país, e com as privatizações, revertiam-se as expectativas do mercado, aumentando os investimentos no país.

Havia, sem dúvida outros argumentos, como o de que o Estado deixaria de gastar em empresas deficitárias e ainda arrecadaria recursos com a privatização. De acordo com

Veja, desde 1991, o governo repassou para o setor privado, dívidas de 3,2 bilhões de

dólares e economizou outros 3 bilhões em investimentos164. Veja não informou que todos

162 Ver O congresso diz sim. Veja. São Paulo: Abril, Edição 1380, ano 28, nº 08, pp. 29-31, 22, fev. 1995. 163 Uma oferta de bilhões. Veja. São Paulo: Abril, Edição 1389, ano 28, nº 18, p. 36, 03, mai. 1995. 164Idem, pp. 36-37.

os processos de privatização foram precedidos de pesados investimentos nas empresas para saneá-las antes serem vendidas. Normalmente o governo arcava com as despesas de demissão, dívidas trabalhistas e outros encargos.165