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3.4 E MPREGO E RELAÇÕES DE TRABALHO

3.4.1 Greve dos petroleiros: o governo derrotou a CUT

Se o governo parecia hesitante diante dos protestos, a greve dos petroleiros, iniciada em maio de 1995, permitiu-lhe apresentar medidas de força e demonstrar disposição para o confronto com os opositores. Para Veja, a greve marcou o início de uma cobertura mais contundente e a oportunidade de expor seu compromisso com o projeto reformista. Com chamadas de capa como “FHC encara a CUT”, “O Planalto sacou

primeiro” e “Derrotados e quebrados”; a revista analisou a ação do governo no

enfrentamento de uma das maiores greves do período, senão a maior, e registrou com entusiasmo uma das ações mais truculentas do governo contra a classe trabalhadora.

“Desde o final do governo João Figueiredo, sempre que os

trabalhadores cruzam os braços, o Planalto acaba cedendo algum benefício (...) quando a greve completou seu 17º dia (...) quem estava irredutível era o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. E quem fazia apelo por uma negociação eram os sindicalistas, que não sabiam de que forma sair sem humilhação de uma greve que agrediu a lei e o cidadão comum”124.

A cobertura de Veja assumiu um lado no confronto entre os sindicatos e governo e ressaltou que a queda de braço entre o governo e os sindicatos foi também muito intensa em outros países onde os governos se empenharam em reformar a economia nos moldes do neoliberalismo, citando como exemplo a Inglaterra de Margaret Thatcher, e os Estados Unidos de Ronald Reagan, em que se quebrou a espinha do sindicalismo.

A revista realizou uma cobertura ao mesmo tempo engajada e sensacionalista do desenrolar da greve. Ao comentar as articulações dos sindicalistas e partidos de esquerda para viabilizar uma negociação com o governo, Veja apresentou uma de suas características marcantes no tratamento dos opositores ao projeto do governo, estes eram referidos por meio de alcunhas vulgares:

“... escoltados pelo presidente do PT, Luís Inácio Lula da Silva, e pelo do PDT, Leonel Brizola. Com eles, também se encontrava Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho (...) que aproveitou para estrear um novo lance de marketing. Numa delirante homenagem a Zumbi, do quilombo dos Palmares, Vicentinho raspou a cabeça. Em Brasília, Lula, Brizola e o careca do ABC pediram uma força ao presidente da casa...”125

Merece especial atenção o tratamento dispensado ao sindicalista que em seu direito mais elementar, prestava homenagem a um líder popular que a história oficial tratou de mutilar. Além de serem dois líderes populares, cada um com suas verdades e em seu ofício, Zumbi e Vicentinho são negros, e a ausência desta identidade, também não faria a menor diferença. O que torna mais grave o tratamento dispensado pela Veja ao sindicalista era o fato de que a expressão “careca do ABC” veio a público para referir- se a jovens do ABC paulista, adeptos da ideologia neonazista, um dos primeiros grupos no Brasil a expressar simpatia pelo fenômeno neonazista e a promover quebra-quebras na Região Metropolitana de São Paulo.

Na seqüência da cobertura da greve, Veja foi demonstrando o andamento do confronto, informou que o governo convocou 1.630 soldados do Exército e determinou a ocupação de quatro das onze refinarias e registrou: “a mensagem política foi clara:

transmitir, via televisão – chamada a registrar a chegada dos soldados a uma das

refinarias”126; num tom de aprovação ao uso do Exército e da mídia para causar impacto

na repressão da greve.

A propósito do uso do exército na ocupação das refinarias, a revista acrescentou:

“o recurso militar se explica pelo objetivo político do presidente: vencer, de maneira

acachapante, a única oposição organizada ao governo, a CUT”127. Expressando um

maquiavelismo primitivo, Veja apoiou explicitamente o projeto do governo e avalizou a intervenção militar por motivos políticos imediatos, sem problematizar o desvio de função do Exército. A Constituição reservava tal recurso, como exceção, para casos de ameaça à ordem pública – argumento, de resto, também político – mas não chegava a ser este o caso.

O governo continuou merecendo entusiasmados elogios de Veja pelo enfrentamento da greve.

“O governo mostrou firmeza, coerência e até competência para acabar com uma greve (...) uma vitória que pode iniciar a ruptura do equilíbrio de forças que subiste desde o fim do governo Figueiredo, quando se criou um movimento sindical forte e todos os governos foram obrigados, dessa ou daquela forma, a sentar para negociar com o outro lado.”128

Demonstrando pouco apego à democracia, Veja lembrou que, desde o fim do governo Figueiredo, estabeleceu-se no Brasil um sindicalismo forte. Ora, tratava-se exatamente do último governo militar, logo, muito razoável que tenha se instalado um sindicalismo forte nesse período. Antes seria impensável. A revista aproximou-se da defesa explícita da volta de governos fortes como os militares, que usavam todos os recursos para manter sob seu jugo as organizações dos trabalhadores e os que deles discordavam.

De acordo com Veja os líderes sindicais da CUT não prestaram o devido apoio aos trabalhadores em greve, uma vez que o próprio Lula, “paraninfo de todos”, passou a maior parte do tempo em viagens e numa postura hesitante “de quem prefere fingir de morto

para ver se alguém conseguia acreditar que nem ele nem o PT tivesse a mais remota

125 Idem, p. 33. (Grifos nossos).

126 Idem, p. 34.

127 O Planalto sacou primeiro. Veja. São Paulo: Abril, Edição 1394, ano 28, nº 22, p.20, 31, mai. 1995. 128Idem p. 23.

relação com o movimento paradista”129. Em tom jocoso criticou as lideranças sindicais

brasileiras que, empenhadas em demonstrar confiabilidade à chamada opinião pública por uma exigência de seus projetos eleitorais, abandonaram os trabalhadores à sua própria sorte quando a situação se agravou. Crítica, aliás, procedente, não fosse o propósito de indispor os trabalhadores com lideranças.

A última reportagem da série produzida sobre a greve dos petroleiros foi, na verdade, um balanço comemorativo dos acontecimentos e do desfecho. De um lado, o balanço crítico do fracasso dos petroleiros e a desmoralização das oposições, especialmente CUT e PT, sobretudo na figura de suas principais lideranças. De outro lado, elogios ao presidente Fernando Henrique Cardoso que impôs uma expressiva derrota aos sindicatos.

“Com o fim da greve dos petroleiros, o Planalto merece um brinde (...) mantendo-se numa posição de firmeza diante dos grevistas, mobilizando o ministério, as estações de televisão e até a Justiça do Trabalho, Fernando Henrique Cardoso aplicou uma derrota avassaladora sobre a única oposição organizada a seu governo – os sindicalistas da CUT”130.

Interessante notar que Veja assumiu que os meios de comunicação (estações de televisão) e até mesmo a Justiça do Trabalho, foram mobilizados para a operação que tinha o propósito de aplicar uma derrota avassaladora à única oposição organizada às reformas do governo.