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5. A Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR e o

5.1. Linhas do tempo: As Políticas Públicas e o Movimento Negro

5.1.2 Da abolição ao fim do Estado Novo (1888 – 1945)

O Movimento Negro é considerado como o movimento social mais antigo do país (JACCOUD, BEGHIN, 2002; GUIMARÃES, 2004b). Desde que os primeiros escravos começaram a se organizar para lutar contra a escravidão - provavelmente não muito depois de sua chegada em terras brasileiras, por volta de 1530 -, podemos entender que há um Movimento Negro (CARDOSO, E., 2005).

Normalmente, quando pensamos em Movimento Negro, não retornamos ao período colonial e observamos a luta contra a escravidão e a resistência dos quilombos como um Movimento Negro; comumente o identificamos em organizações mais recentes, como o Teatro Experimental do Negro ou o Movimento Negro Unificado. Contudo, a organização dos escravos contra o Estado não foi pequena. Basta observar a quantidade de comunidades remanescentes de quilombos que ainda hoje lutam por suas terras17.

―As lutas do povo negro neste momento do Brasil são parte da luta secular de nossos ancestrais por liberdade, igualdade racial e justiça, iniciada desde o sequestro no continente africano e chegada ao Brasil do primeiro homem e da primeira mulher negra escravizados.‖ (MOVIMENTO BRASIL AFIRMATIVO, 2008: §8).

Essa luta contra a escravidão não se resumiu a fugas e organização de quilombos; havia também questionamentos sobre o próprio sistema escravista, papel exercido pelos abolicionistas e pela pressão internacional, que pressionavam o Estado em favor da abolição. Contudo, sabemos que esse processo, cuja primeira resposta estatal foi a Lei Eusébio de Queirós, em 1850, que proibia o tráfico de escravos e culmina em 1888 com a Lei Áurea, não foi harmonioso. A reação do Estado a esse Movimento foi violenta. Sabemos da repressão e do massacre aos escravos fugitivos e a seus quilombos.

17 Embora não seja o foco do trabalho, os números são interessantes. Segundo a SEPPIR, no Brasil, há

3.224 comunidades quilombolas (SEPPIR, 2007), e apenas 145 comunidades com titulação definida. Para mais informações sobre esses números e o processo de titulação, consulte: PAIXÃO e CARVANO, (2008: 152 – 160).

A libertação dos escravos não é acompanhada, como vimos no capítulo anterior, de estratégias de inserção do negro na sociedade.

―Atirando os africanos e seus descendentes para fora da sociedade, a abolição exonerou de responsabilidades os senhores, o estado, e a Igreja. Tudo cessou, extingui-se todo o humanismo, qualquer gesto de solidariedade ou justiça social: o africano e seus descendentes que sobrevivessem como pudessem.‖ (NASCIMENTO, 1978: 65).

Em 1889, um ano após a abolição, era proclamada a República. Ganhamos uma nova bandeira, novo hino, um novo sistema político, porém a população negra continuaria marginalizada (THEODORO, 2008, 2005; DOMINGUES, 2007). É nesse quadro que os ex-escravos, agora libertos, criaram dezenas de grupos (associações recreativas) espalhados pelo país18 (DOMINGUES, 2007). Segundo Domingues (2007), a agremiação mais antiga de São Paulo foi o Clube 28 de Setembro, de 189719. Essas agremiações tinham caráter assistencialista, recreativo e cultural, não havia uma orientação política, promoviam ações assistencialistas, ajudando ―homens de cor mais necessitados‖, e ações recreativas, promovendo jogos entre os associados e valorizando a cultura de seus antepassados. Contudo, não questionavam a situação peculiar do negro na sociedade (DOMINGUES, 2007 e SILVA, 2003).

A grande mudança vem em 1931, com a criação da Frente Negra Brasileira (FNB), em 16 de setembro daquele ano. Essa organização civil, criada por Francisco Lucréceo, criou delegações no Rio de Janeiro, Espírito Santo, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Bahia. Passaram entre os associados importantes figuras do Movimento Negro, como Abdias do Nascimento e José Correia Leite. A FNB levou o Movimento Negro a se converter em um movimento de massa, que chegou a superar os 20 mil associados (DOMINGUES, 2007 e SILVA, 2003).

A FNB também tinha cunho assistencialista. Dentre outras, a Frente desenvolvia atividades tais como escola, grupos musicais e teatrais, times de futebol, departamento jurídico, além de oferecer cursos de formação política, de artes e de ofícios, de prestar

18 Segundo o autor, em São Paulo o levantamento apontou 123 associações negras entre 1907 e 1937, 72

em Porto Alegre entre 1889 e 1920, e 53 em Pelotas entre 1888 e 1929, ambas do Rio Grande do Sul.

serviços odontológicos e médicos, e de publicar um jornal, A voz da Raça (NASCIMENTO e NASCIMENTO, 2000; DOMINGUES, 2007). Mas logo seus militantes passaram a questionar o racismo e a discriminação racial que ocorria no dia- a-dia nas cidades brasileiras (NASCIMENTO e NASCIMENTO, 2000; DOMINGUES, 2007).

―A Frente [Negra Brasileira], um movimento de massas, protestava contra a discriminação racial que alijava o negro da economia industrializada, espalhando-se para vários cantos do território nacional. A segregação nos cinemas, teatros, barbearias, hotéis, restaurantes, enfim, em todo o elenco de espaços brasileiros em que o negro não entrava, constituía o alvo prioritário da Frente, maior expressão da consciência política afro-brasileira da época.‖ (NASCIMENTO e NASCIMENTO, 2000: 205).

Porém, seu posicionamento ideológico era conturbado. Além de abrigar inspirações de extrema direita, influenciada pelo nazismo, defendia um programa autoritário e ultranacionalista. O tema do jornal A Voz da Raça era ―Deus, Pátria, Raça e Família‖. Não obstante, também possuía membros ligados ao socialismo. Havia uma intensa participação feminina, assumindo funções dentro da organização (NASCIMENTO e NASCIMENTO, 2000; DOMINGUES, 2007). No filme- documentário Abdias Nascimento: Memória Negra, Abdias diz que saiu da FNB devido a sua inclinação racista, com ligações fortes com o nazismo. Sobre a orientação da FNB, Abdias aponta:

―Tratava-se de uma consciência e uma luta de caráter integracionista, à procura de um lugar na sociedade ―brasileira‖, sem questionar os parâmetros euro-ocidentais dessa sociedade nem reclamar uma identidade específica cultural, social ou étnica.‖ (NASCIMENTO e NASCIMENTO, 2000: 206).

Em 1936 a FNB se transforma em partido político, aspirando a ganhar os votos da população negra nas próximas eleições presidenciais, mas em 1937 a FNB foi fechada pelo regime do Estado Novo de Vargas. Durante o regime autoritário a repressão política impossibilitava qualquer movimento contestatório, a censura política era muito presente, e não havia notícias publicadas sobre discriminação e preconceito contra os negros. O mesmo tratamento era dispensado aos movimentos sociais (NASCIMENTO e NASCIMENTO, 2000; DOMINGUES, 2007).

É com a queda da ditadura em 1945 e a democracia voltando ao cenário político nacional que novas organizações, e também aquelas que conseguiram sobreviver ao regime autoritário, voltam a se manifestam. Não seria diferente com o Movimento Negro.