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4. Desigualdade Racial, Racismo, Discriminação e Preconceito

4.2. Desigualdade Racial, Racismo e os Entrevistados

Os entrevistados parecem corroborar a visão teórica apresentada acima. Percebem a desigualdade racial como a diferença observada estatisticamente entre brancos e negros e atribuem sua existência ao passado escravista brasileiro, que cristalizou certas percepções de inferioridade do papel do negro na sociedade, cuja manifestação é o racismo, esse sistema de barreiras que dificulta a mobilidade social dos negros; portanto, a desigualdade racial é sua materialização. Contudo, a escravidão possui maior relevância na determinação da desigualdade racial, embora o racismo apareça como um elemento importante; ele pouco aparece como um alvo a ser combatido pelas políticas públicas.

De maneira geral, o passado de escravidão aparece como a principal causa e origem dessa desigualdade racial, com maior destaque do que as causas contemporâneas para a manutenção dessa desigualdade racial, o racismo. Martvs destaca que a desigualdade racial é o resultado de anos de escravidão:

“Desigualdade Racial é o resultado de um país que foi o último país a abolir a escravidão no mundo, é o resultado de um entendimento, uma ideologia, uma doutrina, que colocou algumas visões que duram até hoje (...).”

O Senador Paulo Paim também enfatiza a sua influência:

“A desigualdade racial de nosso país nos remete ao período da escravidão e às idéias que levavam a ela. É preciso também destacar que com a assinatura da Lei Áurea, os negros foram

libertos, mas não conquistaram direitos. A eles era proibido estudar, trabalhar ou comprar terras. Não se pensou, durante muito tempo, nos negros como cidadãos. No século passado, o grande número de habitantes negros e a necessidade de mão- de-obra para determinados serviços, inseriu-os no mercado. Apesar disso, não foram dadas oportunidades de alcançarem postos destinados aos brancos. Mais de 120 anos após a abolição vemos que isso não mudou muito, afinal, os negros são metade da população brasileira e se olharmos nas universidades apenas 5% dos estudantes são negros. Como disse anteriormente, acredito que o que mais entrava as

mudanças é o preconceito.”

Edna Roland, por sua vez, apresenta a desigualdade racial como dados estatísticos:

“Eu normalmente entendo como desigualdade racial num plano operacional e pragmáticas são, digamos, as diferenças entre negros e brancos que você pode constatar a partir de diferentes indicadores sociais, de qualquer campo, que você vai analisar no Brasil (...).”

Embora, o preconceito e a falta de oportunidade aos negros sejam citados, eles estão deslocados, não articulados com a desigualdade racial. A importância maior é dada ao passado escravista. Jaccoud (2008a) aponta: ―O racismo nasce no Brasil associado à escravidão, mas é principalmente após a abolição que ele se estrutura como discurso (...).‖ (JACCOUD, 2008a: 45). Assim, o racismo presente na sociedade brasileira tem grande influência do passado escravista; contudo, ele é um processo presente em nossa sociedade contemporânea. Edna Roland aponta-o da seguinte maneira:

“Então, eu entendo as desigualdades como produtos da existência de barreiras sociais ou de status que são construídos socialmente, visando garantir privilégios para determinados grupo, que, portanto acabam produzindo prejuízos para outros grupos que são destinados socialmente a exercer funções subalternas, a permanecer à margem da sociedade. (...) essas barreiras são em primeiro lugar, do ponto de vista, digamos, das idéias que circulam, das concepções que circulam na sociedade, acerca dos determinados, dos vários grupos que compõem a sociedade, no caso os grupos étnicos e raciais que produzem expectativas diferenciais em relação à capacidade, à inteligência, a avaliações diferenciadas sobre a beleza, em relação à honestidade (...) Você tem as instituições sendo

construídas, fundamentadas numa série de visões, concepções, de valor ou desvalor da sua cultura, da sua imagem, do seu corpo, de tudo. E as instituições estão treinadas nessas concepções. E as formas, os critérios que elas utilizam, as práticas que elas utilizam, se baseiam em concepções e valores de um determinado grupo e num pressuposto de uma desvalorização do negro. Então, o peso da reintrodução dessas concepções e desses valores por parte dessas instituições, das práticas dessas instituições, dos critérios dessas instituições é um peso imenso. (...)Porque justamente é tão sofisticado, é tão... ele se esconde de tal forma, ele é capaz de produzir dúvidas no espírito das pessoas, porque há supostas equações com as quais as pessoas trabalham bem. Mas se existe tanta miscigenação no Brasil, como é que existe racismo?”

Nesse trecho, a entrevistada ainda aponta a expressão contemporânea do racismo nas instituições, como, em sua visão, ele se camufla no tecido social. Edson Cardoso aponta como ele também é praticado nas ações cotidianas:

“Depois que aparece na televisão, veja só, a televisão reflete aquilo que nós somos, mas a televisão não é só reflexo, é realidade também, é real, reflete a realidade, mas é parte do real também, como parte do real ela vai condicionar comportamento. Veja bem, se você tivesse uma lojinha e fosse contratar pessoas, por que razão você ia contratar uma pessoa negra? Se você assiste TV todo o dia e você não vê pessoas negras em função de prestígio. A sua loja ficaria diferente. Você pensa, bom, não é isso que eu entendi que a sociedade considera de prestígio.”

Assim, de maneira geral, os entrevistados percebem que a desigualdade racial é vista como os indicadores, os dados estatísticos, o discurso sobre esse fenômeno, remete invariavelmente à percepção sobre as suas origens e causas, como, por exemplo na fala de Martvs, que atribui como causa da desigualdade racial o passado escravista. Muitas vezes sua manifestação contemporânea, o racismo, não é formulada.

Contudo, sua presença no cotidiano é também percebida por alguns, como Edson Cardoso. Para van Dijk (1993b) o racismo é reproduzido pelo discurso e comunicação, nas conversas e ações cotidianas. Esse é um dos espaços nos quais o sentido é produzido para o sujeito, pois "nesse nível micro de ‗realidade‘ o racismo ‗implementa‘ o conjunto das estruturas e processos de dominação e desigualdade determinadas nos níveis meso e macro dos grupos sociais, da formação social, bairros, instituições,

organizações e até mesmo às nações e regiões do mundo todo.‖ (van DIJK, 1993b: 88). Assim, como Spink, P. (1999) aponta, as produções de domínio público são um reflexo das práticas cotidianas que se institucionalizam; o racismo, manifestado no cotidiano, também representa esse processo. Contudo, essa percepção, embora esteja presente em alguns entrevistados, não foi formulada pela maioria dos mesmos.

Será que as instituições, para combater a desigualdade racial, também atribuem sentido parecido a esse processo? O racismo é percebido como um processo cujo lugar é o cotidiano, ou a importância do passado de escravidão é apontada como causa principal da desigualdade racial? O racismo parece ter influência sobre o significado das desigualdades raciais, mas será que essa luta será levada às (e institucionalizada nas) Políticas Públicas?

5. A Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR -