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2. Sobre o Método

2.3. Frames e eventos como elementos de análise

2.3.1. Evento: Discurso e Instituições

As instituições são normalmente definidas como uma espécie de memória de práticas e significados passados que atuam como um guia para as ações, legitimando-as. Elas influenciam o comportamento humano porque são socialmente aceitas, entendidas como mecanismos sociais de controle (MEYER e ROWAN, 1977; DiMAGGIO e POWELL, 1991). ―São as regras que constituem a realidade da natureza e os esquemas (frames) pelos quais o significado é constituído.‖ (SCOTT, 2001: 41, tradução nossa).

Sendo assim, desvios da ordem institucional incorrem em alguma forma de custos, e quanto mais institucionalizada for uma prática, maior será o custo para rompê- la (DiMAGGIO e POWELL, 1991; SCOTT, 2001).

De maneira geral, às instituições são atribuídos três componentes (SCOTT, 2001): (i) regras, como leis e decretos que regulam o comportamento das organizações; (ii) o ambiente institucional consiste em interpretações comuns (socialmente aceitas) de sentidos e significados, internalizadas nas ações sociais; (iii) o ambiente institucional é marcado pelas posições das organizações nesse campo, as estratégias de ações para a sua sobrevivência, alianças e conflitos formados.

Fairclough (1995) aponta que as instituições não são apenas construções sociais, mas são construídas e constituídas por meio do discurso: é ele que constrói a realidade, possibilitando ou bloqueando certos tipos de pensamento e ações.

―Uma instituição (dentre outras coisas) é um aparato de uma interação verbal, uma ordem discursiva. (...) Sugiro entendermos a instituição, simultaneamente, como um facilitador e um constrangedor de ação social de seus membros: ela os provê com um esquema (frame) para a ação, sem o qual não haveria

ação, mas os constrange a agir segundo esse esquema (frame)‖ (FAIRCLOUGH, 1995: 38, tradução nossa).

São os discursos, como vimos, que possibilitam certas maneiras de pensar e agir, e ao mesmo tempo impossibilitam ou tornam outras maneiras extremamente custosas (PHILLIPS, LAWRENCE e HARDY, 2004). Cabe ressaltar que nem todos os produtos dos discursos são instituições, ou nem tudo que é socialmente construído é institucionalizado. Apenas quando as sanções para romper com esse esquema são suficientemente robustas é que podemos encontrar uma instituição (PHILLIPS, LAWRENCE e HARDY, 2004)7. Um bom exemplo dessa diferença pode ser encontrado em nossa história recente: durante a forte vigência do discurso da democracia racial, na década de 40 e 50, era extremamente penoso e custoso afirmar a existência de racismo no Brasil.

Fica então uma questão: o que é institucionalização nessa perspectiva discursiva?

Institucionalização é o processo pelo qual os indivíduos passam a aceitar uma determinada definição da realidade social (PHILLIPS, LAWRENCE e HARDY, 2004; SCOTT, 2001). Como Selznick (1966) aponta, institucionalização é a introdução de um valor, que transcende a perspectiva técnica, em uma determinada organização ou situação.

A institucionalização possui diversas outras interpretações nas ciências sociais. Contudo, estamos destacando neste trabalho o processo de incorporação de normas, valores e estruturas às normas já praticadas, conduzindo à previsibilidade dos comportamentos, à legitimidade (SCOTT, 2001; SELZNICK, 1966; MEYER e ROWAN, 1977).

Nessa perspectiva, a institucionalização se diferencia da naturalização, pois essa se refere ao efeito ideológico de retirar dos seres humanos a condição de agentes da sua própria história. Deste modo, alguns processos de institucionalização tendem a

7 Os autores ainda ressaltam: ―Em outras palavras, enquanto todas as instituições são produtos

discursivos, nem todos os produtos discursivos são instituições.‖ (PHILLIPS, LAWARENCE e HARDY, 2004: 638, tradução nossa).

naturalizar discursos e comportamentos, mas não necessariamente. É por esse motivo que estudamos os frames.

Segundo Phillips, Lawrence e Hardy (2004), o processo pelo qual certas normas e valores se incutem nas estruturas de normas já aceitas, a institucionalização, não foi muito estudada pela Teoria Institucional em organizações. Não está muito claro para os teóricos o que contribui para que determinados valores passem a ser aceitos como legitimadores das ações sociais. Para tentar jogar luz sobre esse processo, Hardy e Maguire (20098) entendem que o processo de introdução de um valor em um determinado campo institucionalizado ocorre a partir de situações particulares, certos episódios que podemos chamar de ―eventos‖.

Teun van Dijk (2000) desenvolve a noção discursiva de ―evento‖. Ele descreve que ―episódio‖ ou ―evento‖ possui uma noção intuitiva praticada no discurso cotidiano. Falamos em um ―evento‖ de nossas vidas, como uma festa, uma briga, falamos em episódio de uma história. Assim, evento é percebido em primeiro lugar como uma parte de um todo, com começo e fim, definido, portanto, em termos temporais. Em segundo, tanto a parte (o evento em si) como o todo (a história – narrativa ao qual está atrelado) envolvem uma seqüência de eventos (van DIJK, 2000).

Contudo, um evento deve ser, de alguma maneira, unificado deve possuir independência relativa, pois é passível de ser identificado e distinguido de outros eventos e episódios. Assim, são consideradas unidades semânticas de um discurso, isto é, ao mesmo tempo em que fazem parte de um discurso, possuem elementos próprios o suficiente para que seja possível sua identificação (van DIJK, 2000).

A maneira como esses eventos são interpretados permite às organizações se posicionarem e determinarem as suas ações no campo discursivo, na luta pelo sentido das ações sociais (HARDY, MAGUIRE, 2009). Segundo os autores, esse processo de interpretação do sentido do evento pode ser um caminho explicativo para o processo de institucionalização.

8 Este texto foi recém-publicado pela Academy of Management Journal (AMJ), foi previamente

apresentado durante a abertura do 24º European Group of Organization Studies (EGOS) em Amsterdam em julho de 2008, e gentilmente disponibilizado pelos autores.

Esses eventos podem abrir oportunidades para algumas organizações e ser uma ameaça a outras, o que favorece o reposicionamento dessas organizações no campo discursivo, e é este comportamento que:

―O comportamento coletivo dessas organizações reconfigura o campo e produz novos ambientes institucionais, consistindo não apenas em novas regras que governam o campo, mas também em novos entendimentos e posições.‖ (HARDY, MAGUIRE,

2009: 3, tradução nossa).

O evento constitui alguma alteração nas três características das instituições. Essa pressão por uma mudança institucional é expressa na dinâmica (e dialética) luta pelos sentidos socialmente aceitos. É a relação entre consumo, produção e distribuição dos discursos que abre espaço para a institucionalização (HARDY, MAGUIRE, 2009), marcando assim o evento. ―As mudanças estão relacionadas pela maneira particular com que as organizações interpretam e respondem aos discursos gerados durante o evento.‖ (HARDY, MAGUIRE, 2009: 33, tradução nossa).

Podemos então entender o evento como uma janela para um novo lugar, um atribuidor de sentido que estava, e continua, sendo negociado pelas organizações. ―Desta forma, enquanto os eventos promovem uma importante janela de oportunidade para mudança do ambiente institucional, os atores têm acesso a novos espaços discursivos associados a este campo.‖ (HARDY, MAGUIRE, 2009: 37, tradução nossa).

Como veremos, a SEPPIR é um evento cujas pressões são provenientes de eventos anteriores, como Durban, e a trajetória de políticas públicas para o combate às desigualdades raciais. A eleição do PT e os arranjos políticos durante a campanha materializam essa demanda antiga do Movimento Negro por um órgão federal de combate à desigualdade racial que extrapolasse o lugar da cultura.

A SEPPIR cria novos espaços para articulação entre Estado e a Sociedade Civil, como o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR) e o Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (FIPIR), criando novas estratégias de atuação para o Movimento Negro, que agora pode questionar a desigualdade racial em diversas esferas da vida social.

Contudo, a SEPPIR, ao atribuir um novo lugar à desigualdade racial, fazendo com que um novo sentido seja compartilhado, não promove uma alteração no significado da desigualdade racial, que continua sendo fortemente percebida como fruto dos mais de 300 anos de escravidão. Embora o Movimento Negro denuncie o racismo como um elemento importante, ele ainda não se insere nesse significado.