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Da composição, número e duração dos grupos focais

CAPÍTULO 4- SOBRE O PROCESSO DA PESQUISA

4.3 Procedimentos metodológicos

4.3.1 Da composição, número e duração dos grupos focais

É aconselhável que sejam realizados, pelo menos, dois grupos focais, mas há casos em que apenas um grupo focal é suficiente para cobrir o tema

de relevo da pesquisa. O que não deve ser feito é um número excessivo de grupos, pois a quantidade de material a ser analisado é muito grande e as novidades se esgotam em poucos grupos. Assim, escolhemos trabalhar com dois grupos focais, um com homens que se declaram gays e outro com mulheres que se declaram lésbicas. Essa escolha se deu para haver mais possibilidade de se trabalhar comparativamente a questão de gênero envolvida, ou seja, se há diferença de percepção e negociação de sentidos para homens e mulheres homossexuais sobre o tema debatido.

Definimos o número de participantes entre 6 e 8 pessoas, devido ao tema. Por se tratar de assunto tido como polêmico, uma discussão em um grupo grande poderia não ser produtiva, pois não haveria tempo para aprofundar a discussão ou tópicos importantes poderiam ficar ausentes. Como a participação deve ser voluntária, quando houve possibilidade (no grupo dos homens), convoquei mais pessoas, contando com as desistências de última hora, comuns nesse tipo de trabalho. Os grupos tiveram pouco menos de três horas de duração cada.

O primeiro passo foi a escolha dos/as participantes, seguindo alguns critérios para garantir afinidades necessárias e as diferenças produtivas. As afinidades, então, recaíram sobre a orientação sexual, o gênero/sexo, o fato de as pessoas morarem na Grande de São Paulo e terem disponibilidade para conversar sobre religião e homossexualidade. A heterogeneidade dos grupos ficou por conta da idade (pessoas com mais de 18 anos), da classe social, escolaridade, da raça/etnia, origem geográfica (local de nascimento) e religião. Sobre a orientação sexual, um grupo foi criado para “homens que se declaram gays” e o outro, para “mulheres que se declaram lésbicas”, para que apenas as pessoas que se reconhecessem como tal fossem convidadas, numa tentativa de evitar constrangimentos para quem pudesse receber os convites de terceiros. Não havia a necessidade de serem pessoas assumidas publicamente, mas deveriam pelo menos se reconhecer como gay ou lésbica.

Limitamos a idade para acima de dezoito anos por considerarmos que, ainda que a diferença geracional fosse um fator importante na seleção, talvez não ocorresse uma conversa fluida se misturássemos adolescentes com jovens

e adultos, devido à possibilidade de interesses e vivências de cada faixa etária serem muito díspares.

Um outro limite colocado por nós foi no sentido de que as/os possíveis participantes preferencialmente não fossem militantes do movimento LGBTTI. Esse critério se deveu ao risco de, em se admitindo militantes – ou seja, pessoas que participam ativamente do movimento LGTTBI –, que tivéssemos dois grupos formados somente, ou majoritariamente, por militantes. Isso não era desejável por alguns motivos. Primeiro, porque as pessoas militantes são, normalmente, mais politizadas e, de alguma forma, já compartilham um repertório, avançando para uma certa compreensão sobre as questões político- ideológicas que envolvem religião e identidade homossexual. Por serem mais ativas e participantes quanto às questões do movimento LGTTBI, havia uma grande chance de serem as pessoas mais dispostas a participar. Corríamos o risco de ter um discurso único, o que não favoreceria uma discussão mais ampla nos grupos focais. Depois, porque nos interessavam mais, para essa pesquisa, as pessoas que não participassem de grupos de militância e convivência, ou seja, que estivessem talvez mais solitárias e que talvez ainda não tivessem passado para a posição de “opositores ultrajados” (KATZ, 1995, p.16), vendo-se como sujeitos de direitos violados. Assim, a solução encontrada foi formar grupos com maioria não militante e admitir uma ou duas pessoas ativistas, ou seja, formamos grupos mistos. Dessa forma, o posicionamento militante ajudaria a problematizar politicamente a discussão, sem contudo se manter na superfície de um discurso já pronto.

O fato de escolhermos pessoas residentes da Região Metropolitana de São Paulo41 se deveu apenas à facilidade de acesso ao local em que os grupos

se realizariam. Quanto à religião, não colocamos como critério a pertença ao catolicismo por dois fatores: primeiro, por considerarmos que a cultura brasileira, de ampla maioria católica, está permeada por concepções advindas dessa religião, afetando/ conformando até mesmo quem não a segue; em

41 Segundo a Wikipédia, enciclopédia livre da Internet: “A Região Metropolitana de São Paulo, também conhecida como Grande São Paulo, reúne 39 municípios do estado de São Paulo em intenso processo de conurbação. O termo refere-se à extensão da capital paulista, formando com seus municípios lindeiros uma mancha urbana contínua. É o maior centro urbano do Brasil e da América do Sul, e a sexta maior área urbana do mundo”. Em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Regi%C3%A3o_Metropolitana_de_S%C3%A3o_Paulo. Acesso em 23 de julho de 2008.

segundo lugar, por um típico trânsito religioso que pessoas lésbicas e gays fazem (assim como transexuais, travestis e bissexuais), no sentido de abandono do catolicismo42.

Para encontrar os/as participantes, utilizamos o mesmo procedimento para formar os dois grupos: enviamos e-mails para todos os nossos contatos que pudessem conhecer pessoas com o perfil procurado. No e-mail, explicávamos os objetivos da pesquisa e explicitávamos o perfil procurado. Na mesma mensagem, havia uma forte recomendação de que o e-mail não fosse encaminhado nem para listas de discussão, nem para as/os possíveis participantes dos grupos. No anexo do e-mail, seguia um convite formal para ser enviado às pessoas que pudessem se interessar, no qual também havia uma ficha a ser preenchida e enviada para um endereço eletrônico que criamos somente para essa finalidade43.

Escolhemos essa forma de contato indireto – a apresentação do convite por meio de amigos/as ou conhecidos/as – pela conhecida dificuldade em se assumir publicamente uma orientação sexual não-heterossexual, pelo preconceito e o estigma que as pessoas nessa condição sofrem/carregam. Também pesou o fato de o tema de discussão envolver religião, sabidamente uma das fontes de conflito para a maioria de gays e lésbicas, o que poderia gerar desconfiança sobre os objetivos da pesquisa. Mesmo com esses cuidados, a desconfiança surgiu e impediu a participação de uma pessoa no grupo dos homens que se declaram gays, o que relataremos mais adiante.

Entretanto, é importante ressaltar que, ao utilizar esse procedimento, acabamos por fazer um recorte involuntário de classe social, haja vista que a maioria da população brasileira ainda não tem acesso à Internet44.

42 Isso foi discutido no capítulo 3

43 Veja modelo dos e-mails e dos convites enviados no Anexo IV

44 Segundo a pesquisa Acesso à Internet e posse de telefone móvel celular para uso pessoal do IBGE, de 2005, apenas 26,3% dos habitantes da região Sudeste do Brasil havia acessado a Internet nos 3 meses que antecederam à coleta de dados, índice mais elevado do país. Segundo a pesquisa, essa parcela da população também possui maior escolaridade e renda per capita do que a média da população. Mesmo que essa porcentagem seja maior agora, a relação entre exclusão digital e baixa renda/escolaridade certamente se mantém. Fonte: site do IBGE, em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/acessoainternet/default.shtm. Acessado em: 23 de julho de 2008.