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1. DIREITO TRABALHISTA EM PORTUGAL E BRASIL: EVOLUÇÃO

1.2 Histórico do Direito do Trabalho no Brasil

1.2.5 Da Constituição de 1988 aos Dias Atuais

A Constituição de 1988, apelidada de “constituição cidadã”, consagrou um extenso rol de direitos e garantias aos cidadãos brasileiros. Representa o esforço do legislador constituinte no sentido de promover o ideal de democracia em seu sentido mais amplo, garantindo não só as liberdades individuais, mas também uma série de direitos cuja materialização representaria a realização dos ideais de justiça social e isonomia.

A Carta de 1988 não descurou, por certo, dos direitos dos trabalhadores. O art. 7º da Lei Maior traz um vasto rol de direitos trabalhistas, a maioria dos quais já garantidos pela legislação infraconstitucional pretérita. No entanto, é sem dúvida a constituição que traz em seu bojo o maior número de direitos laborais, superando todas as demais cartas da história constitucional brasileira. Além de repetir direitos já garantidos anteriormente, inovou no tratamento dado especialmente a algum deles.

“Muitos desses direitos já existiam no ordenamento constitucional anterior e outros foram acrescentados ou constitucionalizados, como a

73 FRANCO FILHO, op. cit.

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proteção da relação de emprego contra despedida arbitraria ou sem justa causa; a proporcionalidade do piso salarial; 13º salário; salário-mínimo garantido para quem recebe remuneração variável; salário família; a criminalização da retenção dolosa do salário, que é irredutível, salvo negociação coletiva; jornada semanal reduzida para 44 horas; adicional de horas extras de no mínimo 50%; turno ininterrupto de revezamento com jornada de seis horas; licença paternidade; atividades insalubres, perigosas e penosas; assistência gratuita em creches e pré-escolas; proteção decorrente da automação; fixação de prazo prescricional; garantia de acesso ao emprego para o portador de deficiência; dentre outros74.”

Merece destaque o fato de a Carta de 1988 ter abolido distinções de qualquer ordem entre os trabalhadores rurais e urbanos – algo que nem mesmo a CLT conseguira fazer até então – bem como entre trabalhadores nacionais e estrangeiros. Também estendeu ao trabalhador doméstico alguns dos direitos garantidos aos demais trabalhadores, sem, no entanto, equipará- los. O art. 8º garantiu a livre associação profissional e sindical, conferiu estabilidade no emprego ao dirigente sindical (desde o registro de sua candidatura até um ano após o fim do mandato) e conservou o sindicato na posição de legítimo representante dos trabalhadores, em especial no que tange à negociação coletiva de direitos. Institui a contribuição sindical, a sindicalização por categoria e permite apenas um sindicato por município, regras que são consideradas reminiscências do corporativismo trabalhista75.

Há ainda uma série de dispositivos constitucionais que, direta ou indiretamente, remetem aos direitos laborais. O art. 9º protege o direito de greve, e o art. 10 permite a participação de categorias profissionais em colegiados de órgãos públicos, a exemplo da Previdência Social76. Seria exaustivo, além de fugir ao escopo do presente estudo, enumerar todas as normas constitucionais vinculadas de alguma maneira ao direito trabalhista pátrio.

Após a sua promulgação, a Constituição de 1988 sofrera uma série de emendas, muitas das quais versando sobre direitos trabalhistas. A Emenda Constitucional n, 24, de 1999, por exemplo, transformou as juntas de conciliação e julgamento da Justiça do Trabalho em varas

74 Id Idem – Ibidem.

75 Idem – Ibidem. 76 Idem – Ibidem.

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do trabalho, suprimindo a figura dos juízes classistas (os quais não precisavam ter formação jurídica e nem observar as regras exigidas aos demais magistrados para alcançar o cargo). Também merece destaque a Emenda n. 45/2004, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho, podendo a partir daí apreciar qualquer lide oriunda de todas as demais relações de trabalho77.

Algumas das emendas constitucionais pós 1988 reduziram alguns direitos trabalhistas antes concedidos de forma mais ampla, sendo vistas, por esse motivo, como verdadeiros retrocessos por parte de alguns autores. Assim, a Emenda n. 53/2006, reduzira de 6 para 5 anos o direito à assistência gratuita em creches e pré-escolas aos filhos e dependentes de trabalhadores. A Emenda n. 20/1998, por sua vez, restringira a concessão do salário-família aos trabalhadores de baixa renda. No entanto, a mesma emenda aumentou o patamar mínimo da idade do trabalhador menor (de 14 para 16 anos, salvo na condição de aprendiz), o que é considerado por muitos como uma conquista78.

Os trabalhadores domésticos brasileiros seguem sem equiparação completa em relação aos demais trabalhadores, urbanos e rurais. Entretanto, a Emenda n. 72/2013 ampliou significativamente os direitos dessa modalidade de empregado, sendo uma das mais importantes mudanças ocorridas no direito laboral brasileiro das últimas décadas.

“Os pontos de maior relevância são: o empregado doméstico será caracterizado quando laborar por mais de 2 dias no mesmo local de trabalho; a regulamentação para concessão de aviso prévio na forma da CLT; a possibilidade de contrato de experiência por até 45 dias; empregados com menos de 18 anos são proibidos de trabalhar como domésticos; férias, jornada de trabalho de no máximo 44 horas semanais; adicional de hora extra de no mínimo 50%; pagamento de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS e INSS de forma conjunta (na seguinte proporção: 8% de FGTS, 8% de INSS, 0,8% de seguro contra acidente e 3,2% relativo a rescisão contratual) no total de 20% de encargos que o empregador deverá recolher.

Além dos direitos já citados, são garantidos também licença maternidade de 120 dias e seguro desemprego de no máximo 3 meses.

77 CASTRO, op. cit.

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Destaca-se também o fato de que, no caso de desligamento do empregado sem justa causa, também passou a ser devido a multa de 40%, no entanto, este custeio já está previsto nos 3,2% relativos a rescisão conforme disposto acima79.”

Outras mudanças recentes, em sede de direito trabalhista, ocorridas no Brasil e que merecem menção são, por exemplo, o advento da Lei n. 12.382/2011, que passou a permitir o reajuste e o aumento do salário mínimo por meio de decreto do Poder Executivo, o que trouxe maior celeridade para a edição de normas sobre tal matéria. Houve ainda a regulamentação do aviso prévio proporcional, através da Lei n. 12.506/201180. Há, porém, uma série de dispositivos constitucionais em matéria trabalhista ainda carecendo de regulação.

Houve ainda duas mudanças recentíssimas na legislação trabalhista brasileira, ambas do ano de 2017, e que vêm causando polêmicas no meio jurídico brasileiro: uma delas é a Lei n. 13.429, de 31 de março de 201781; a outra é a Lei n. 13.467, de 13 de julho de 201782, a qual

vem sendo popularmente conhecida como “reforma trabalhista”.

O primeiro dos diplomas supramencionados (que trata sobre o trabalho terceirizado) vem recebendo a reprovação de inúmeros juristas, a exemplo de Santos83, o qual considera que a referida lei será responsável por uma significativa precarização das relações de trabalho no país. Isso porque, antes do seu advento, a terceirização só era admitida quando a empresa tomadora dos serviços recrutasse empregados terceirizados para executar atividades-meio, diferentes da atividade-fim da empresa (exemplo: uma montadora de automóveis que contrata trabalhadores terceirizados para realizar a limpeza do estabelecimento). Com a nova lei, qualquer serviço poderá ser terceirizado, independentemente de se constituir atividade-meio ou atividade-fim. Ademais, há outros pontos na legislação que, de acordo com o autor, representam perdas de direitos para os empregados, como o fato de estes só poderem acionar a Justiça do Trabalho, em caso de não pagamento das verbas salariais, após esgotarem-se todas as tentativas

79 CASTRO, op. cit.

80 FRANCO FILHO, op. cit.

81 SARAIVA, Renato; LINHARES, Aryanna; SOUTO, Rafael Tonassi - Lei n. 13.429, de 31 de Março de 2017.

Salvador: Juspodivm, 2018. ISBN 978-85-442-2045-0

82SARAIVA, Renato; LINHARES, Aryanna; SOUTO, Rafael Tonassi - Lei n. 13.467, de 13 de Julho de 2017.

Salvador: Juspodivm, 2018. ISBN 978-85-442-2045-0

83 SANTOS, Enoque Ribeiro dos - A nova Lei da Terceirização – Lei nº 13.429/2017 – Um cheque em branco

ao empresariado.[Em linha]. [Consult. 28 Nov. 2017]. Disponível em http://www.editoraforum.com.br/noticias/nova-lei-da-terceirizacao-lei-no-13-4292017-um-cheque-em-branco- ao-empresariado/.

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de cobrança junto às empresas em causa (tanto a locadora quanto a locatária do serviço). A lei é também omissa quanto a direitos como vale-alimentação e vale-transporte, além de admitir a livre filiação sindical (o que, para o autor, reduziu a proteção ao trabalhador)84.

A Lei n. 13.467, por seu turno, altera mais de 100 pontos da CLT. Entre as mudanças trazidas, estão o fim do imposto sindical obrigatório, a possibilidade de parcelamento das férias, e a regulamentação do teletrabalho (modalidade que tem se tornado cada vez mais comum, muito embora careça de normas específicas regulando-a), além de muitos outros aspectos. A nova lei vem dividindo opiniões, já que os seus partidários consideram que ela nada altera em matéria de direitos básicos dos trabalhadores (como o 13º salário, FGTS, duração da jornada de trabalho, descanso semanal, etc.), ao passo que os seus detratores observam a possibilidade de precarização das relações de trabalho. Isso porque a nova lei estatui que acordos ou convenções coletivas têm prevalência sobre a lei. Destarte, a menos que a categoria profissional possua um sindicato suficientemente forte para conduzir as negociações de maneira favorável aos trabalhadores, na prática poderá ocorrer que as empresas procurem por situações onde os trabalhadores, em ditas negociações, aceitem abrir mão ao máximo de uma série de direitos e deem assentimento a condições de trabalho cujo nível de proteção legal esteja bem abaixo daquele proporcionado pelas normas da CLT85.

Ante a exposição dos principais aspectos relativos à evolução histórica da legislação trabalhista em Portugal e Brasil, alguns pontos comuns da história do direito laboral nos dois países podem ser observados. O primeiro deles é a inequívoca relação entre o direito do trabalho e o Estado, em ambas as nações. Tanto lá quanto cá, o direito laboral parece ser muito mais uma construção estatal, uma concessão feita aos trabalhadores de maneira vertical, do que o resultado de um longo processo de lutas, reivindicações e negociações entre a classe trabalhadora, o empresariado e os legisladores, como parece ter ocorrido em outros países.

Outra característica que parece ser partilhada pelos dois países, ao menos no que tange ao direito trabalhista das últimas décadas, é uma certa “oscilação” na amplitude dos direitos que são concedidos e/ou denegados aos trabalhadores. De fato, tanto no Brasil quanto em Portugal, nos últimos anos, uma série de direitos da classe obreira tem sofrido restrições, ao passo que outros são alargados.

84 Idem – Ibidem.

85 AFFONSO, Julia; VASSALLO, Luiz - Trabalhadores não Perdem Direitos com a Nova Lei, Afirmam

Especialistas [Em linha]. [Consult. 28 Jun. 2018]. Disponível em http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-

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No Brasil, entretanto, o ritmo e a intensidade com que se vem eliminando tais direitos parece ser bem maior, a ponto de muitos enxergarem nesse processo uma tendência à dilapidação completa do rol de conquistas obtidas pelos trabalhadores brasileiros ao longo do século XX.

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2. DA REFORMA TRABALHISTA NO BRASIL