• Nenhum resultado encontrado

2. DA REFORMA TRABALHISTA NO BRASIL

2.5 Possíveis Impactos na Realidade Brasileira

Devido ao fato de ser um tema recentíssimo, cujos efeitos na vida jurídica, econômica, política e social da nação brasileira ainda não podem ser devidamente mensurados, é muito

150 Idem – Ibidem.

151 Idem – Ibidem. 152 PANTALEÃO, op. cit.

76

cedo para avaliar todos os impactos que a reforma trabalhista é capaz de produzir no mundo laboral daquele país. As sementes da reforma foram plantadas a menos de um ano da data em que este texto está sendo produzido, e seus frutos só amadurecerão de forma mais sensível em período posterior.

Entretanto, estudiosos já se arriscam a prever uma série de consequências que o novo texto legal e todas as novas normas postas em vigor, nesse grande movimento de reforma legislativa a que se denominou de "reforma trabalhista", produzirão a curto, médio ou longo prazo. Faz-se mister, entende-se, tecer considerações críticas a respeito da reforma tendo em vista tais previsões, bem como analisar os efeitos já visíveis da reforma no universo do direito laboral brasileiro.

Um dos impactos que a reforma trabalhista poderá produzir se refere a mudanças na atividade jurisprudencial dos tribunais do trabalho. Critica-se amiúde a atividade de tais tribunais, a qual representaria - dizem os críticos - uma usurpação da atribuição de legislar, que compete ao Poder Legislativo. Isso porque, alega-se, a jurisprudência vem construindo entendimentos e institutos que, na prática, preenchem as lacunas na lei trabalhista (lacunas essas que, acredita-se, a reforma objetivaria preencher).

É possivelmente devido a tal estado de coisas que o legislador introduzira as mudanças constantes do art. 8º, § 2º da CLT, o qual passa a determinar que súmulas e jurisprudência em geral do Tribunal Superior do Trabalho, bem como dos Tribunais Regionais do Trabalho, não terão o condão de restringir direitos e nem criar obrigações não previstas em lei.

Esta é apenas uma das situações em que o legislador buscou limitar o alcance da atividade jurisprudencial em sede de direito trabalhista. Muito embora, como leciona Garcia153, a reforma tenha conferido (ou mantido) força obrigatória e efeito vinculante à jurisprudência, além de elevar-lhe a condição de fonte do direito para além daquela meramente supletiva, não se pode negar que houve algum esforço no sentido de limitar o caráter pretensamente "legislativo" assumido pelos tribunais e seus julgadores.

É o que se verifica, por exemplo, no § 3º do art. 8º da CLT, que restringe a atividade da Justiça do Trabalho, em caso de exame de convenção ou acordo coletivo, à análise da conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico (declaração de vontade, partes,

153 GARCIA, G. F. B - Reforma Trabalhista: alterações na jurisprudência dos tribunais do trabalho. [Em

linha]. [Consult. 24 Fev. 2019]. Disponível em

https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/116312/2017_garcia_gustavo_reforma_trabalhista.pdf ?sequence=1.

77

objeto e forma), a fim de declarar a sua validade154. Ou ainda o art. 702, inciso I, alínea f, da CLT, que após a reforma

“[...] dispõe que ao Pleno do Tribunal Superior do Trabalho compete estabelecer ou alterar súmulas e outros enunciados de jurisprudência uniforme, pelo voto de pelo menos 2/3 de seus membros, caso a mesma matéria já tenha sido decidida de forma idêntica por unanimidade em, no mínimo, 2/3 das turmas em pelo menos 10 sessões diferentes em cada uma delas, podendo, ainda, por maioria de 2/3 de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de sua publicação no Diário Oficial.

As sessões de julgamento sobre estabelecimento ou alteração de súmulas e outros enunciados de jurisprudência devem ser públicas, divulgadas com, no mínimo, 30 dias de antecedência, e devem possibilitar a sustentação oral pelo Procurador-Geral do Trabalho, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, pelo Advogado- Geral da União e por confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional (art. 702, § 3º, da CLT, incluído pela Lei 13.467/2017)155.”

Parece evidente, portanto, que a reforma trabalhista visou estabelecer maior rigor para a edição de súmulas e demais enunciados que compõem a jurisprudência dos tribunais do trabalho. Entretanto, há que se lembrar, como bem recorda Garcia156, que o Direito não é sinônimo de lei, e que o papel interpretativo da lei exercido pela jurisprudência é imprescindível, muito embora a usurpação da atividade legislativa, em ocorrendo, deve ser inadmissível, em virtude do princípio da separação dos poderes.

Ainda é cedo para afirmar como os tribunais do trabalho se adequarão aos novos ditames legais trazidos pela reforma trabalhista. Poderá a própria jurisprudência decidir pela ilegitimidade de tais normas limitadoras de sua atividade, por exemplo? Seja como for, como a

154 Idem – Ibidem.

155 Idem – Op. Cit. p. 25-6 156 Idem – Ibidem.

78

atividade jurisprudencial se ajustará à nova ordem jurídica? Ainda não há respostas palpáveis para tais questões, tão recentemente postas, mas alguma adaptação seguramente ocorrerá.

Aborda-se amiúde a possibilidade da reforma trabalhista brasileira produzir progressiva e crescente precarização das relações de trabalho. Este é um ponto que merece ser analisado com alguma atenção.

Sobre a questão da precarização das relações trabalhistas, Souza157 aponta que, com a regulamentação do trabalho intermitente pelas novas normas introduzidas na CLT, na prática se produzirão contratos de trabalho sem a estipulação de um salário mínimo, já que a possibilidade de percepção de remuneração apenas mediante a produtividade do empregado (o qual poderá ficar à disposição do empregador sem efetivamente ser designado para uma função, já que a noção de "tempo à disposição do empregador" fora destituída de sua condição de parte da jornada de trabalho, inclusive sem direito a ser remunerada) ensejará situações em que o empregado jamais seja convocado para exercer qualquer atividade, não fazendo jus a qualquer remuneração.

A jornada de trabalho intermitente, tornada possível pela nova legislação, deixará - diz o autor - o empregado completamente à mercê da vontade do empregador em lhe designar funções ou não. Supõe que abundarão situações em que trabalhadores contratados a prazo indeterminado sejam demitidos e recontratados como trabalhadores intermitentes.

“De acordo com o documento, o contrato de trabalho intermitente transforma o empregado em uma máquina, que pode ser ligada ou desligada de acordo com a vontade do empregador. Além disso, a nota técnica afirma em seu texto que com a Reforma Trabalhista, trabalhadores como garçons, cozinheiros, vendedores serão demitidos da modalidade de contrato de trabalho a prazo indeterminado para serem recontratados como trabalhadores intermitentes158.”

Em verdade, observa, a lei sequer estabelece um mínimo de horas a ser cumprido a cada mês, tampouco qualquer remuneração mínima a ser paga em dada periodicidade.

157 SOUZA, Francisco Igor Silva Ferreira de - A Reforma Trabalhista: impactos da Lei n. 13.467/2017 sobre

o princípio da proteção [Em linha]. [Consult. 24 Fev. 2019]. Disponível em http://bdm.unb.br/handle/10483/18863.

79

“A jornada de trabalho intermitente é caracterizada pela situação em que o trabalhador é recompensado pelas horas efetivamente trabalhadas. Contudo, permanece ausente o ajuste prévio da quantidade mínima de horas a serem cumpridas em cada mês e do valor remuneratório mensal mínimo a ser percebido159.”

Bitencourt160, analisando as implicações da reforma trabalhista no que tange às disposições sobre o trabalho intermitente, bem como sobre o trabalho terceirizado e a junção das duas modalidades, procura demonstrar na prática em que resultaria a precarização do trabalho mediante a adoção generalizada de tais modalidades. A contratação de um trabalhador na modalidade intermitente, por uma quantidade ínfima de horas mensais, redundará em uma remuneração igualmente ínfima.

“O trabalho intermitente é tido como tábua de salvação para situações em que há crise de desemprego. Um exemplo de trabalho intermitente é o realizado pelos trabalhadores da loja de fast food BOB’s. Para se ter uma ideia das

82 condições precárias dos intermitentes, imagine-se o salário mínimo de 2018 no valor de R$ 954,00. Calculando a hora deste trabalhador com base no salário mínimo, o que deve se fazer dividindo o valor do salário mínimo por 220 (44 horas semanais dividido por seis dias vezes 30 dias), resultará num valor de salário hora de R$ 4.34. Supondo que o trabalhador aqui considerado trabalhe três dias na semana, em trabalho intermite, ele trabalhará doze dias no mês, o que resultará em uma remuneração mensal de R$ 130,00161.”

Se o contrato for, ademais, na modalidade terceirizada, mais gravosa ainda será a situação do trabalhador. De acordo com o autor162, os trabalhadores terceirizados soem laborar em condições de trabalho ainda piores, e em jornadas de trabalho mais longas e exaustivas.

159 Idem – Ibidem.

160 BITENCOURT, Ivan de Almeida - Possíveis Impactos das Reformas Normativas sobre Terceirização no

Brasil: a Lei 13.429/2017 e a Lei 13.467/17. [Em linha]. [Consult. 24 Fev. 2019]. Disponível em

http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/25789.

161 Idem – Op. Cit. p. 81-2 162 Idem – Ibidem.

80

Com as disposições introduzidas pelos novos diplomas legais de 2017, que generalizam a possibilidade da terceirização e do trabalho intermitente, nada impede que operários sejam contratados num regime caracterizado pela combinação das duas modalidades (o "trabalhador terceirizado intermitente"), sujeitos portanto a condições de trabalho ainda mais precárias e mal remuneradas.

“Imagine-se agora um trabalhador subordinado a uma empresa prestadora de serviços. Não há nenhum óbice legal que impeça um trabalhador terceirizado de ser contratado por meio de um contrato de trabalho intermitente. O trabalhador do exemplo ganharia R$ 130,00 associada péssimas condições de saúde e segurança no trabalho. Aqui se criaria uma nova categoria: o do trabalhador terceirizado intermitente. Já se sabe das mazelas referentes à remuneração dos terceirizados, bem como das péssimas condições de trabalho desses colaboradores. Supondo que ele seja após a reforma trabalhista, com aval da lei, será contratado por contrato de trabalho intermitente e chegar-se-á a uma nova categoria de extrema precarização, por que não dizer um retorno ao regime escravagista do qual os países civilizados buscam se afastar (e mesmo combater os criminosos que utilizam este expediente às escondidas). Tem-se aqui a precarização da precarização. O que era ruim ficará pior e de modo extremado e inimaginável. No que se refere aos direitos dos trabalhadores, chegou-se finalmente ao fundo do poço163.”

Os prognósticos feitos por alguns dos especialistas em direito laboral, referentes aos impactos presentes e futuros da reforma trabalhista no Brasil, portanto, não parecem ser animadores na maioria das vezes. Supõe-se que a regra será a precarização progressiva das relações de trabalho, o achatamento das remunerações, a perda do poder de barganha das diversas categorias profissionais e a pauperização das classes trabalhadoras em geral.

163Idem – Op. Cit. p. 82.

81

3. DA FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS EM PORTUGAL