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3. DA FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS EM PORTUGAL

3.3 Da Reforma de 2009 aos Dias Atuais

Em 2009, o Código do Trabalho de 2003 passou por profundas modificações, atendendo aos ditames do art. 20º da Lei nº 99/2003, que determinava a revisão do diploma depois de transcorrido lapso temporal de quatro anos após a sua entrada em vigor.

De acordo com Rebelo198, fora apresentado em 22 de abril de 2008 um documento negocial de proposta de revisão do CT/2003, com o título de Reforma das Relações Laborais. O referido documento propunha quatro grandes propósitos a orientarem a reforma na lei. São eles:

“[...] valorizar o diálogo social; tornar mais compreensível, eficaz e estável a lei; promover uma maior auto-regulação do mercado de trabalho, via contratação colectiva; e, por fim, alargar o objecto social da reforma, visando não apenas as leis laborais mas englobando também as políticas de segurança social, emprego e formação profissional e promovendo a sua articulação199.”

198 REBELO, Glória - A Revisão do Código do Trabalho [Em linha]. [Consult. 24 Fev. 2019]. Disponível em

http://hdl.handle.net/10071/3215.

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O documento expunha ainda cinco eixos fundamentais a estruturarem as reformas propostas, sendo eles os seguintes:

“[...] aumentar a adaptabilidade das empresas; promover a regulação contratual colectiva; alterar o regime dos despedimentos; reforçar a efectividade da legislação laboral; combater a precariedade e segmentação e promover a qualidade do emprego, adaptando de forma articulada a legislação laboral, protecção social e políticas de emprego200.”

Curiosamente, um dos objetivos da reforma do Código era precisamente o combate à precariedade no emprego, ou seja, relações laborais caracterizadas pela má remuneração e pela instabilidade, justamente aquilo de que os seus detratores a acusam de favorecer, com a flexibilização das normas trabalhistas.

Em todo caso, a conjuntura da época percebia a necessidade de adaptação de empregados e empresas aos novos ditames da globalização, com suas novas exigências em termos de competitividade201. Destarte, fato é que, independentemente de seus objetivos terem sido atingidos ou não, a reforma ocorrera. No ano de 2009 entra em vigor a nova redação do Código do Trabalho, com vistas a superar algumas de suas alegadas insuficiências anteriores.

Martinez202 observa que as inovações trazidas com a reforma de 2009, embora fossem substancialmente pouco profundas, na prática corresponderam à feitura de um novo Código do Trabalho. Com efeito, nas palavras do autor, “há alterações de escrita em praticamente todos os artigos”203. O autor aponta ainda que tais mudanças se afiguravam necessárias, pois certos

ajustes no texto legal eram reclamados pelos tribunais, merecendo revisão uma série de disposições contidas no diploma anterior.

Não obstante as mudanças tenham descaracterizado sobremaneira o diploma anterior, a ponto de a doutrina reconhecer o resultado da reforma como sendo um novo código, Martinez204 leciona que estas transformações não modificaram substancialmente a relação jurídica de trabalho. As principais inovações trazidas com a reforma de 2009 serão expostas a seguir.

200 Idem – Ibidem.

201 Idem – Ibidem. 202 Idem – Ibidem. 203 Idem – Op. Cit. p. 114. 204 Idem – Ibidem.

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No que tange à obediência ao princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, o “Código” de 2009 não trouxe melhoras significativas se comparado com a redação do Código de 2003. A nova redação de dispositivos, a exemplo do art. 3º, parece sugerir, de acordo com Martinez205, que em certas situações o referido princípio subsiste. No entanto, a prevalência do princípio pelo qual a convenção coletiva pode estabelecer de modo diverso à lei (incluso em sentido menos favorável ao obreiro), torna as modificações referidas algo quase inócuo. A diferença fica por conta do art. 476º, que elimina a irrevogabilidade de norma coletiva por contrato de trabalho em sentido mais favorável ao trabalhador.

Destaca-se ainda a modificação das normas respeitantes à licença de maternidade e de paternidade. Além do novo texto legal introduzir mudanças na nomenclatura, que a partir de então recebera a denominação de licença parental, introduzira também maior proteção aos progenitores, proteção esta extensível também aos avós em alguns casos. O novo regime, constante do art. 33º e ss., passara a vigorar após edição de lei complementar206.

No que tange aos chamados “contratos atípicos” de trabalho, a reforma de 2009 adotou o paradigma segundo o qual toda alteração no contrato de regime comum, com a inclusão de cláusulas que estabeleçam normas diversas daquelas dos contratos típicos, terá o condão de transformá-lo em contrato atípico207.

“Tendo em conta este novo enquadramento, como modalidades de contrato de trabalho encontramos: o contrato a termo (arts. 139º e ss. do CT); o tempo parcial (arts. 150º e ss. do CT); o trabalho intermitente (art. 157º do CT); a comissão de serviço (arts. 161º e ss. do CT); o teletrabalho (arts. 165º e ss. do CT) e o trabalho temporário (arts. 172º e ss. do CT)208.”

No que respeita ao contrato a termo, as novas regras impuseram limites à relação, não podendo a mesma perdurar para além de três anos (ou seis anos, sendo incerto o termo). Houve limitação ainda quanto à sucessão de contratos desse tipo, e a previsão de uma modalidade de curtíssima duração, não superior a uma semana209.

205 Idem – Ibidem.

206 Idem – Ibidem. 207 Idem – Ibidem. 208 Idem – Op. Cit. p.106. 209 Idem – Ibidem.

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Como novidades, tem-se as figuras do trabalho intermitente e do trabalho temporário. Quanto ao primeiro, permitiu-se que o tempo de trabalho fosse modulado com dias de atividade e inativos. Já quanto ao trabalho temporário, o regime anterior fora preservado em essência, com a diferença de que fora incluído no Código de Trabalho (anteriormente, constava de legislação especial). Os regimes do teletrabalho e da comissão de serviço não sofreram alterações210.

Seguindo a tendência à flexibilização, a reforma trouxe novidades no que toca ao tempo de trabalho, com o fito de promover a adaptabilidade. Criaram-se as figuras da adaptabilidade grupal (arts. 204º e 205º), do banco de horas (art. 208º) e do horário concentrado (art. 209º). Em todos esses casos, o aumento do período de trabalho de um dia em até quatro horas tornou- se possível, podendo ser compensado com acréscimo/redução de tempo em dias ulteriores, ou pagamento em dinheiro211.

Martinez critica a revisão de 2009 por sua prolixidade, vez que o número de artigos constantes do diploma não fora reduzido de forma significativa, além do fato de que o texto de muitos dispositivos se tornara por demais extenso, dificultando a sua leitura e compreensão. Tais modificações, sugere o autor, também aumentam a insegurança jurídica, pois muitas das alterações introduzidas passam despercebidas aos olhos dos exegetas e aplicadores da lei, além de introduzirem ambiguidades no texto legal por força das mudanças linguísticas trazidas212. Ademais, como diz o autor em comento, “nestas alterações formais foram introduzidas sub- repticiamente várias modificações substanciais não esperadas nem discutidas”213.

Além da grande reforma de 2009, cumpre analisar as alterações no ordenamento jurídico-laboral português ocorridas ainda mais recentemente, como as reformas de 2012 e 2014.