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Da crise do nacionalismo isebiano à radicalização: que nacionalismo professava? O que

CAPÍTULO 1: AS PROJEÇÕES DA REALIDADE BRASILEIRA: VÁRIOS PRO JETOS DE NAÇÃO E “UMA ESTRATÉGIA”

1.3. INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS BRASILEIROS: VOCAÇÃO E EVOCAÇÃO

1.3.2. Da crise do nacionalismo isebiano à radicalização: que nacionalismo professava? O que

“O ISEB nunca teve homogeneidade, seus membros se ligavam por algumas ideias comuns – nacionalismo, desenvolvimento econômico, novo perfil para o país, afirmativo e independente. No mais, pouco se entendiam” (IGLÉSIAS, 2000, p. 229). Essa convivência heterogênea tem como ponto de ruptura o lançamento pelo ISEB do livro Nacionalismo na Atualidade Brasileira, de Hélio Jaguaribe, em 1958.

A publicação do livro de Hélio Jaguaribe nacionalismo na atualidade

brasileira, que apresentava a defesa do desenvolvimento do país com a participação do capital estrangeiro, desencadeou o ápice dessa divisão do ISEB, que teve seu fim com a saída de Hélio Jaguaribe, Roberto Campos, Anísio Teixeira e Hélio Cabral. Esse episódio abriu uma nova fase para o 64 Roberto Campos faz parte de um segmento da intelectualidade que se aproxima do Estado para viabilizar seus projetos. No campo da economia, a partir da década de 1950, tendo como marco a fundação do BNDS em 1952, houve uma separação entre dois grupos que tomavam para si a competência técnica. “[...] forma-se uma elite de ‘técnicos’, e ocorre a cisão em dois grupos: os ‘monetaristas’ (vinculados à Fundação Getúlio Vargas e liderados por Otávio Gouvêa de Bulhões, Eugênio Gudin e Roberto Campos) e os ‘estruturalistas’ (onde se destacavam Celso Furtado e Ignácio Rangel), sob a influência da CEPAL. Com o advento do Golpe de Estado de 1964, os intelectuais próximos à FGV (que esteve ligada à fundação do IPES), sob o argumento da ‘competência técnica’, são designados para o ministério da Fazendo e para o Banco Central, enquanto Celso Furtado e seu grupo foram privados dos direitos políticos. Parece-nos que, nesse processo, o fundamental é que os critérios para a ascensão de determinados segmentos intelectuais são definidos no âmbito da política, autonomizando, num segundo momento, o elemento da competência técnica como fator de legitimação.” (Cf. VIEIRA, 1998, p. 63 [nota 23] Grifos nossos). Roberto Campos após o golpe de 1964, tornou-se ministro do Planejamento do governo Castelo Branco.

ISEB, em que a hegemonia política do grupo nacionalista se consolidava ao mesmo tempo que novos e mais fortes enfrentamentos com a direita se delineavam. (MENDONÇA, 2006, p. 335. Grifos do autor)

Para Nelson Werneck Sodré, a crise interna do ISEB “só pode ser analisada e compreendida, pois, quando devidamente inserida na crise geral que a emoldurou e presidiu” (Ibid., p. 24). O problema colocado, da cisão entre desenvolvimento associado ao capital estrangeiro e desenvolvimento nacionalista, era um problema politicamente posto fora do ISEB. Para Sodré, a crise de 1958, em tono da publicação do livro Nacionalismo na Atualidade Brasileira, que definiu a partir daí a postura militante do ISEB, já fazia parte de uma campanha reacionária somada ao “pecado do esquerdismo”.

Embora Jaguaribe tenha, a partir da publicação deste livro, se decidido pelo capital estrangeiro, para Nelson Werneck Sodré ele sempre flutuara entre as duas correntes.

Comandava a corrente antinacionalista [...] o economista Roberto Campos, membro do Conselho Curador. Entre as duas correntes – acrescentava eu – por longo tempo, pretendendo conciliar os antípodas, ficou balançando o professor Hélio Jaguaribe. (...) Vem, agora, com a publicação do seu discutido livro, de romper as amarras, operando a opção que, no íntimo e na prática, já havia operado (...) Os nacionalistas despedem-se do professor Hélio Jaguaribe com saudades do tempo em que trabalharam juntos, e desejam encontrá-lo adiante. (SODRÉ, 1986, p. 32)

Qual seria o problema de Jaguaribe defender qualquer posicionamento ideológico? Nenhum! É exatamente aí que, para Sodré, houve o pecado do esquerdismo: no surgimento do sectarismo esquerdista, que dividiu as forças do ISEB.

Nelson Werneck Sodré (1986, p. 27 – 39) apresenta um quadro de disputas internas, “uma competição entre professores”, onde as disputas entre Guerreiro Ramos e Hélio Jaguaribe foram um complexificador sobre as explicações para a crise de 1958 no ISEB. Havia uma disputa particular entre Guerreio Ramos e Jaguaribe, fruto do individualismo intelectual e da vaidade, que fez com que Guerreiro Ramos fizesse uma denúncia sobre a publicação do “livro tido como herético”. Essa denúncia teria sido feita à UNE que cobrou um posicionamento do ISEB. Sodré, ideologicamente, estava colocado a favor de Guerreira Ramos, entretanto, do ponto de vista ético, defendia Jaguaribe por entender que uma divisão ideológica em termos de censura era inconcebível. Essa defesa, no entanto, não o impedia de fazer críticas ao posicionamento ideológico de Jaguaribe.

A discordância do ponto de vista ideológico era válida, entretanto, não era o que estava se configurando. Essa crise “confirmava a acusação do inimigo” ao apontar o ISEB

como ferramenta política e não científica. O Inimigo, para Sodré, são as forças que agiram no golpe de 1964, o que ele chama também de “forças da reação”. Estes seriam os beneficiados reais da crise, pois, “purificado” politicamente, o ISEB se debilitou e foi isolado, situando-se numa posição militantemente política e errônea por isso – não pela escolha do lado preferido” (SODRÉ, 1986, p. 31).

O desfecho, após reunião do Conselho Curador em conjunto com a Congregação em 19 de dezembro de 1958, foi uma espécie de censura sem cabimento. As posições do professor Hélio Jaguaribe não poderiam ter sido motivo de investigação e, muito menos, punição “em nome de um padrão ideal de “pureza””. (Ibid., p. 32)

Apesar da resolução aprovada após a reunião ter reiterado que o ISEB “é uma instituição cultural e não político-partidária ou sectária, que encontra no nacionalismo, como ideologia racional e crítica, voltada para a promoção do desenvolvimento brasileiro, uma de suas linhas fundamentais de estudo e de referência” (SODRÉ, 1986, p. 37), o pecado do esquerdismo havia agido e, a partir de 1960, o ISEB deixa seu caráter heterogêneo e passa a uma homogeneização. “Com Hélio Jaguaribe, deixavam o ISEB os que o haviam o acompanhado na crise, Roberto Campos, Anísio Teixeira65e Hélio Cabral” (Ibid. p. 39).

A partir desse momento, acompanhando o próprio desenvolvimento político do país, principalmente com João Goulart e as reformas de base, o nacional desenvolvimentismo do ISEB se radicaliza. Entretanto, devemos pontuar que a radicalização do ISEB se deveu também à ausência do contraditório, embora haja processos individuais de radicalização, como por exemplo Roland Corbisier, que esteve ao longo do tempo em contato com os mais variados intelectuais do ISEB, deixando de apresentar uma visão integralista e apresentando- se como socialista. Houve, com a querela sobre o tipo de nacionalismo, própria do livro de Jaguaribe, um processo de “homogeneização” ideológica, somado ao fato do próprio cenário político estar em ebulição.

Hélio Jaguaribe (1979) baliza que, mesmo durante a primeira fase do ISEB, Sodré já professava opiniões ideológicas bem marcadas pelo marxismo.

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Sobre Anísio Teixeira, é importante salientar que ele foi figura de destaque no campo educacional da década de 1950, esteve à frente de várias instituições estratégicas para o estudo, pesquisa, formação, dispersão e desenvolvimento educacional. Dirigiu o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), ao Centros Regionais de Pesquisas Educacionais (CRPEs), foi um dos principais responsáveis pelo Plano Nacional de Educação no Governo João Goulart, esteve à frente do Conselho Federal de Educação (CFE), e no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) era membro do Conselho Curador, órgão de direção com mais sete pessoas.

Nelson Werneck Sodré, então coronel, que representava, na fase inicial do ISEB o elo entre os intelectuais e os militares nacionalistas, era um historiador de assentadas convicções marxistas, cuja coincidência com o grupo anterior [da primeira fase] se dava, predominantemente, no plano das aplicações de ordem concreta ou prática. A posição de Nelson Werneck

Sodré seria futuramente ampliada, com a incorporação de gerações mais jovens e com a radicalização da linha política de Roland Corbisier e de Álvaro Vieira Pinto. (JAGUARIBE, 1979, p. 98 – 99 grifos nossos)

A posição de destaque de Sodré no ISEB e a “incorporação de gerações mais jovens” trata-se exatamente do momento em que o grupo será incorporado ao Departamento de História do ISEB dando origem à História Nova do Brasil.

É no bojo dessa radicalização, que em convênio com o MEC, foi organizado o empreendimento da História Nova do Brasil. O ISEB teve presença marcante no campo ideológico brasileiro com sua tese do nacional-desenvolvimentismo, que foi captada a partir da realidade histórica do momento vivido pelo Brasil. Acompanhando as questões políticas do governo João Goulart, a tese do nacional desenvolvimentismo apostava na defesa e na luta pelas “reformas de base”. Renovado com gerações mais jovens e renovado com a necessidade educacional no campo histórico, tema que será tratado adiante, o departamento de História do ISEB buscou, concretamente, ir além do apoio às reformas.

1.4. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB): o bom combate e

algoz da História

Neste ponto da tese, apresentaremos a historiografia do IHGB, que, para o grupo da História Nova do Brasil, representava a historiografia a ser superada e que estava presente nos compêndios para uso escolar do período. De imediato, devemos anunciar que a História Nova do Brasil não se propôs ao embate direto com o IHGB, não se tratava de uma disputa direta entre ISEB e IHGB. As inter-relações entre IHGB e a História Nova do Brasil, antes do golpe de 1964, só existiram a partir de um debate intelectual onde cada uma das instituições defendia suas teses a partir de suas revistas, mas sem citarem diretamente se estava sendo realizado um diálogo ou debate entre elas. Eram disputas no campo teórico metodológico e de defesa de princípios epistemológicos.

A historiografia do IHGB era hegemônica. As outras correntes historiográficas em disputa com ela, especificamente a marxista, procuravam demonstrar suas falhas e

inconsistências. Nesse sentido, podemos dizer, inclusive, que o ataque ao positivismo era sempre mais contundente que a crítica do positivismo ao marxismo. O positivismo, por estar em uma posição hegemônica até então, não estava preocupado em demonstrar a validade da sua proposta historiográfica. Essa situação de hegemonia do positivismo, pelo menos no que diz respeito ao ensino de história em instituições oficiais de ensino, durou até a publicação oficial da História Nova do Brasil.

A publicação oficial dos compêndios de história aconteceu em janeiro de 1964. Em maio de 1965, através dos interrogatórios para os inquéritos policiais militares, os autores da História Nova do Brasil tomaram conhecimento de um parecer emitido pelo IHGB66. Em tese, tendo sido escrito antes do golpe, esse parecer era utilizado como embasamento para a acusação das atividades subversivas dos autores na escrita de suas monografias. A partir de então, o IHGB se inscreve na história da História Nova do Brasil não como um adversário, mas como um algoz.

Trataremos da análise deste momento da História Nova do Brasil no capítulo 6, quando analisaremos a História Nova não mais como projeto, mas como resistência. Por agora, cumpre especificarmos que havia no projeto da História Nova do Brasil a crítica ao positivismo no campo historiográfico. Dessa forma, lutas se fundiram. De um lado, estava a teoria marxista e a análise do passado brasileiro, que eram presentes tanto no PCB quanto no ISEB e implicava em ações políticas específicas como a radicalização do processo da reforma de base proposta por João Goulart. De outro lado, estava uma postura historiográfica, que também se utilizava do aporte marxista para transformar culturalmente, através da educação, o corpo social capaz de sustentar as transformações.

O inimigo no campo político seria o imperialismo e os setores atrasados da sociedade brasileira. No campo científico, o combate seria aos ideólogos do atraso e sua ciência positivista. A ferramenta para colocar em prática novas formações foi a educação de base.

A pesquisa histórica no Brasil nasceu com a fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Antes existe apenas a pesquisa individual, o trabalho de um ou outro estudioso, que tenta encontrar, em arquivos nacionais ou estrangeiros, peças novas que fundamentem os temas a desenvolver. (RODRIGUES, 1969, p. 33)

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ANEXO X – Parecer sobre a História Nova elaborado pela Comissão de História do IHGB. Esse parecer será analisado no Capítulo 6 “6.1. O Parecer do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro”

O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), fundado em 1838 e sediado no Rio de Janeiro, teve participação ímpar na história da disciplina História no Brasil67. Pioneiro na coleta e organização dos documentos, assim como em levantamentos etnográficos do campo da geografia e da linguística, o IHGB produziu conhecimento sobre o Brasil almejando o projeto da construção da nação. A nação pretendida tinha a monarquia como modelo de governo. A grande maioria dos fundadores que ao todo eram 25 sócios efetivos, de acordo com a notícia de criação do Instituto publicada no primeiro número de sua revista de 1839, desempenhava funções dentro do aparelho do Estado compondo altos cargos. Acrescido a este fato, é importante mencionar que toda a primeira geração de membros havia nascido em Portugal e estava, por razões napoleônicas, forçosamente residindo no Brasil. Nesse sentido, pode-se dizer que o IHGB estava comprometido com o setor conservador e tradicional da sociedade brasileira, representando os valores do colonizador (CALLARI, 2001, p. 59 – 61).

Sobre a primeira geração do IHGB pesava a construção histórica do Brasil, mas sem perder os laços estreitos com Portugal. A nomeação de D. Pedro II como protetor da instituição é um símbolo expressivo que deixa clara a estreita relação deste instituto com o poder instituído no século XIX. Vale ressaltar que o cargo ocupado pelo monarca não era apenas cerimonial, uma vez que o próprio D. Pedro II participava ativamente das reuniões.

O IHGB exercia sua influência em todos os aspectos da sociedade brasileira. No campo historiográfico, esteve presente de maneira incisiva através da publicação de sua revista e participação na confecção de livros didáticos. Era notória sua atuação dentro do Estado, com cargos políticos. A participação e influencia na sociedade civil também era notória, os membros do instituto ocupavam cargos respeitáveis para a época como, por exemplo, médicos, eclesiásticos, jornalistas e professores. Nesse sentido, os membros do IHGB tiveram papel ativo na formação ideológica e na propagação dos valores monarquistas. Em início da década de 1960 esta influência nos vários aspectos da sociedade brasileira ainda era um dos principais pontos da ira do parecer contra a História Nova do Brasil, segundo Sodré (1965a, p. 82).

Findada a Monarquia, o IHGB e seus membros serviram como cristalizadores dos grandes feitos dos grandes nomes da história brasileira, principalmente enaltecendo a figura de D. Pedro II como grande pavimentador dos sucessos brasileiros, muito embora esta tenha

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Podemos citar que na missão francesa da década de 1930, responsável pela estruturação da USP, por exemplo, não se permitiu a utilização de nenhum estrangeiro para a disciplina da história do Brasil. “[...] os fundadores da Universidade não ousaram convidar um estrangeiro para ensinar História do Brasil quando se estruturou a área de História.” (NOVAIS, 1994, p. 165)

sido uma “criação” mais literária do que histórica, uma mistificação de uma realidade bem distinta.

A política de D. Pedro não foi, não poderia ter sido outra coisa que o reflexo de forças que atuavam no seio da sociedade; e podemos até dizer, se tivéssemos de determinar o grau de contribuição individual do Imperador para a evolução do país, ela interveio em proporções insignificantes, praticamente nulas. (PRADO JÚNIOR, 1977, p. 89)

Em relação à função de reescrever a história do período Imperial com louros, a título de exemplo podemos relembrar que, durante o segundo reinado (1840 – 1889), houve um empenho em expor a Inconfidência Mineira68 (1789) como movimento destinado à derrota. Dessa forma, tentariam proteger o regime monárquico do conteúdo republicano. Entretanto, obviamente, a república prosperou. Deste golpe, restou aos membros do IGHB reverenciar o período anterior como necessário ao progresso civilizatório (CALLARI, 2001), a partir do qual foi criado um marco, uma data comemorativa que serviu de base para a unificação nacional.

No campo da história enquanto disciplina, o IHGB foi responsável pela difusão da ideia da existência de um tipo de nação, que aparece em função da necessidade da manutenção da ordem. Neste momento histórico (século XIX), o Brasil republicano não tem identidade e a realização da nação é o princípio relativo à formação dos Estados Modernos. Há a necessidade de criar no Brasil uma história comum, um passado que dê orgulho e honre seus habitantes, uma nação que possa minimamente manter suas propostas políticas e econômicas. Assim, a mesma Inconfidência Mineira, antes rechaçada, agora aparece como um grande movimento nacional que representa os anseios da unidade nacional. Dessa forma, os intelectuais do IHGB, amalgamavam a formação de um passado comum à noção de nação com pretensões de unidade territorial preservada pela identidade.

O IHGB pretendia fazer uma história, segundo Iglésias (2000), pedagogicamente orientadora dos “novos para o patriotismo”. Seguiam uma forma corriqueira na Europa retratada pela obra Monumenta Germaniae Histórica69, fundamentada em aspectos do romantismo. O Romantismo à brasileira encarregava-se de criar um passado brasileiro

68 Sobre o assunto ver: FONSECA, Thais Nivia de Lima. A inconfidência mineira e Tiradentes vistos pela

imprensa: a vitalização dos mitos (1930 – 1960). In: Revista Brasileira de História. Vol. 22. No.44 São Paulo

2002. Disponível em: WWW.scielo.br.php?pid=s0102-0188200200009&script=sci_arttext.

69 Uma série de fontes recolhidas e editadas para o estudo da história da Alemanha medieval. Surge na Alemanha na primeira metade do século XIX.

Eis-nos hoje congregados para encetarmos os trabalhos do proposto Instituto Histórico e Geographico do Brazil, e desta arte mostrarmos às nações cultas que também prezamos a gloria da pátria, propondo-nos a concentrar, em uma litteraria associação, os diversos factos da nossa história e os esclarecimentos geographicos do nosso paiz, para que possam ser offerecidos ao conhecimento do mundo, purificados dos erros e inxactidões que os mancham em muitos impressos, tanto nacionaes como estrangeiros. (MATTOS; BARBOZA, 1838, p. 9)

A nossa História, dividindo-se em antiga e moderna, deve ser ainda subdividida em vários ramos e épocas, cujo o conhecimento se torne de maior interesse aos sábios investigadores da marcha de nossa civilização. Ou Ella se considere pela conquista de intrépidos missionários, que tantos povos attrahiram á adoração da cruz erguida por Cabral neste continente, que lhe parecia surgir do sepulchro do sol; ou pelo lado das acções guerreiras na penetração de seus emmaranhados bosques, e na defesa de tão feliz quanto prodigiosa descoberta, contra inimigos externos invejosos de nossa fortuna; ou finalmente pela riquesa de suas minas e mattas, pelos productos de seus campos e serras, pela grandeza de seus rios e bahias, variedade e pompas de seus vegetaes, abundancia e preciosidades de seus fructos, pasmosa novidade de seus animaes, e finalmente pela constante benignidade de um clima, que faz tão fecundos os engenhos de nossos patrieios como o solo abençoado que habitam; acharemos sempre um thesouro inesgottavel de honrosa recordação e de interessantes idéias, que se deve manifestar ao mundo em sua verdadeira luz. (MATTOS; BARBOZA, 1838, p. 10 – 11)

É notória a valorização e engrandecimento de todos os aspectos brasileiros. Mas, dentro da “marcha da civilização” da história geral, o Brasil deve ser partícipe. Não é sem propósito que Januário da Cunha Barboza, ainda em seu discurso, versa sobre os ilustres brasileiros que participaram de nossa história nos livros do exterior. Barboza (1838) diz ainda que é tempo de inscrever na História Geral a verdadeira participação destes ilustres, que até então ficavam absorvidos pelos créditos à metrópole — mesmo dando os créditos a quem se deva dar, no caso aos portugueses.

O tipo de História pretendida, que despertaria os sentimentos nacionais, deveria passar pela biografia dos grandes homens que não são “instrumentos cegos do destino [...] a história os deve pintar taes quaes foram na sua vida, obrando em liberdade, e fazendo-se responsáveis por suas acções”. (MATTOS; BARBOZA, 1838, p. 13). De acordo com Iglésias (2000, p. 61), o conceito de história baseava-se na alusão aos exemplos biográficos de “vultos tidos como exemplares”.

Na vida dos grandes homens aprende-se a conhecer as applicações da honra, apreciar a gloria e a afrontar os perigos que muitas vezes são causas de maior gloria. O livro de Plutarco (diz o Barão de morogues) é uma