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Modos de Produção Brasileiros: das especificidades, o caminho

CAPÍTULO 1: AS PROJEÇÕES DA REALIDADE BRASILEIRA: VÁRIOS PRO JETOS DE NAÇÃO E “UMA ESTRATÉGIA”

1.1. A REVOLUÇÃO BRASILEIRA E AS IMPLICAÇÕES POLÍTICAS DE SUAS VERTENTES

1.1.1. Modos de Produção Brasileiros: das especificidades, o caminho

Qual é a importância do entendimento do modo de produção brasileira para o conhecimento da realidade brasileira? O que importa conhecermos sobre as raízes formativas do capitalismo no Brasil?

Para nossa pesquisa, tais são importantes, pois balizam a ação das esquerdas no Brasil. A História Nova do Brasil, a partir de uma concepção do capitalismo brasileiro, traçou seus objetivos e ações. Não obstante, havia no contexto pré-golpe um ambiente propício às mudanças sociais. As discussões sobre os modos de produção brasileiros faziam referência às particularidades brasileiras e estas implicavam em ações determinadas para avançar, transformar ou superar problemas.

Nos livros Formação Histórica do Brasil, de 1962, e História da Burguesia Brasileira, de 1964, Nelson Werneck Sodré buscou compreender, a partir do aporte marxista, a História do Brasil. Esses dois trabalhos são considerados fundamentais na obra do autor. Em Formação Histórica do Brasil, ele expôs suas teses sobre os modos de produção existentes no Brasil. Em 1980, quase vinte anos depois, Sodré mantêm seu posicionamento no texto “modos de produção no Brasil”21, que compõe o livro Modos de produção e realidade brasileira organizado por José Roberto do Amaral Lapa. Neste texto, o autor afirma não ter a pretensão de apresentar teses definitivas, muito pelo contrário, sua intenção é deixar suas ideias abertas ao debate acadêmico,

Compareço com a minha modesta contribuição a esta coleção de ensaios sobre tema tão controverso na intenção de resumir teses que apresentei em meu livro formação Histórica do Brasil, [...] de minha parte, e depois de anos a fio de pesquisa, confesso que não encontrei nada ainda, sem nenhuma pretensão vai isto aqui dito, motivo que me fizesse rever aquelas teses, que cedo esposei. (SODRÉ, 1980, p.133)

21Esse mesmo texto aparece novamente publicado como capítulo intitulado “Modos de produção” em livro de Nelson Werneck Sodré: Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil tendo sua 2º edição em 1997.

Para Nelson Werneck Sodré (1980), três premissas são centrais para o entendimento da particularidade brasileira: desenvolvimento desigual, a contemporaneidade do não- coetâneo e a transplantação.

O desenvolvimento desigual deve sempre ser levado em consideração quando se está discutindo as questões históricas, consistindo no fato de que

O Brasil surge para a história, começa a sua existência histórica, com o chamado “descobrimento”, quando, no ocidente europeu, o feudalismo declinava, com a Revolução Comercial e as grandes navegações oceânicas e definição do mercado mundial. Há, evidentemente, distancia histórica enorme entre áreas dominadas pelo feudalismo e áreas dominadas pela comunidade primitiva, este sendo o nosso caso. (SODRÉ, 1980, p. 134)

A ressalva que o autor apresenta é o perigo, a partir do desenvolvimento desigual, da utilização de paradigmas de realidades diversas para explicar os fenômenos brasileiros de forma automática. Uma de suas manifestações é a utilização de conceitos produzidos em outros momentos históricos para caracterizar e até mesmo explicar os fenômenos brasileiros.

Então, para Nelson Werneck Sodré, o Brasil “surge” depois, tornando impossível utilizar paradigmas de outros lugares aplicados aqui de forma mecânica. “De maneira alguma, porém, é possível utilizar paradigmas retirados de realidade diversa. Nota-se: paradigmas e não métodos.” (SODRÉ, 1980, p.134).

O segundo ponto que precisaria de cuidado, e se configura também como particularidade brasileira, é a “existência e vigência, no Brasil, de etapas diferentes da História, no mesmo tempo. Melhor dito: a existência de áreas territoriais brasileiras que vivem etapas diferentes.” (SODRÉ, 1980, p. 135). A existência de etapas históricas em diferentes regiões, a distinção entre o interior do Brasil e o centro econômico se estabelece como particularidade brasileira e parte do desenvolvimento desigual.

O terceiro aspecto é a transplantação. A sociedade brasileira é uma sociedade transplantada, e a condição de origem exerce aqui muita influência. No Brasil, não houve a passagem de um modo de produção primitivo para o escravista, por exemplo. A sociedade primitiva continuou e continua enquanto o modelo escravista foi implantado. Deste modo, “os alicerces da sociedade brasileira, pois, foram importados, transplantados.” (SODRÉ, 1980, p.136). Aqui coexistiram modos de produção primitivo e escravista, sendo outra particularidade brasileira.

Estas particularidades podem ser anuladas quando as análises são feitas somente levando em consideração os fenômenos em sua universalidade. Quando a análise sobre o Brasil é feita focando somente o universal, a leitura histórica passa a ser de um país conquistado pelo processo de acumulação primitiva. Nesse sentido, o Brasil se explicaria pela corrida mercantilista dos países europeus. Ocupando a posição periférica enquanto colabora com o desenvolvimento do capitalismo mundial, a sociedade que aqui se forma seria o efeito colateral da realidade universal.

Entretanto, essa análise não permite compreender as especificidades da sociedade brasileira. Pode até oferecer uma marca, um ponto de vista, e auxiliar a estabelecer, inclusive, esta marca como outra particularidade, mas essa análise, levando em consideração somente o universal, por si só, não explica a sociedade brasileira. A relação do Brasil com universal é óbvia e, na explicação da realidade brasileira, este aspecto é mais uma particularidade.

Buscando as especificidades brasileiras, o autor aponta que no Brasil existiram vários modos de produção, sendo a marca do período colonial o modo de produção escravista. No Brasil, desenvolveu-se um sistema de produção colonial que se expressava através do escravismo com sua economia voltada para o mercado externo. Para Sodré (1980, p.139), tal foi a atenção voltada ao mercado externo, que “a colonização, em seu início, assentou na particularidade de inexistência de mercado interno”.

No livro Formação Histórica do Brasil22, primeira edição de 1962, questiona como pode ter havido escravismo (segundo o modelo esquemático stalinista, um modo de produção evolutivamente inferior ao feudalismo) em uma etapa de desenvolvimento em que ocorria a transição do feudalismo para o modo de produção capitalista. A explicação dessa questão reside no caráter da produção. A escravidão só foi possível graças à sua integração ao sistema colonial.

O que faz com que os modos de produção sejam transformados, o que faz desaparecerem para que surjam outros em seus lugares, é, geralmente, sua baixa produtividade. Quando um modo de produção deixa de produzir o necessário para sua existência e reprodução, ele entra em crise dando lugar a um novo modelo. Entretanto, essa relação não foi tão determinante no Brasil. O caráter da produção brasileira integrada ao sistema colonial explicaria o escravismo. A colônia acontecia em área complementar, a terra não onerava, o produto tinha preço e não havia concorrência pelo exclusivismo colonial. Esses são os fatores que para Nelson Werneck Sodré tornaram possível o ressurgimento do

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escravismo como relação de produção. Esse reaparecimento seria fruto de um ajuste diante da necessidade histórica. (SODRÉ, 1968 p. 75 – 77). Escravismo e capitalismo não seriam excludentes por si só.

O modo de produção escravista é característica marcante do nosso passado colonial. Nelson Werneck Sodré assume essa característica e aponta outras. A mais polêmica delas: o feudalismo.