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CAPÍTULO 1: AS PROJEÇÕES DA REALIDADE BRASILEIRA: VÁRIOS PRO JETOS DE NAÇÃO E “UMA ESTRATÉGIA”

1.2. AS INTERNACIONAIS COMUNISTAS E O NACIONAL COMUNISMO: III IC E O PCB

1.2.1. Internacionais e o Nacional

Desde fins do século XIX a Europa vê surgir novas formas de organização proletária: os partidos e as organizações sindicais. Essa foi a materialização da união dos trabalhadores expressa na célebre frase “trabalhadores do mundo, uni-vos!”. A organização operária dava passos internacionais, extrapolando as questões regionalistas com a fundação da I Internacional Comunista (Londres, 1864). Entretanto, em virtude das incompatibilidades ideológicas internas, esse movimento não conseguiu avançar. (CARONE, 2000, p. 131 – 133)

Essa organização sofre, porém, grave crise, porque no seu bojo abrigam-se partidários de Proudhon, Lassale, Bakounine, Mazzini, Marx e outros. A sua estrutura é de caráter centralizadora, o que a leva, nos momentos de crise, à luta pelos interesses particulares de cada facção, em detrimento dos da entidade propriamente dita. (CARONE, 2000, p. 132)

A II IC (Paris, 1889) surge, então, como um órgão não centralizador exatamente pelos problemas de abarcar várias entidades e partidos em seu interior. Em seu início, “[...] ela será uma federação de partidos e de grupos nacionais autônomos, da qual ela coordenará a ação através de congressos, que se reunirão a cada três anos”. (CARONE, 2000, p. 132)

A Primeira Guerra Mundial (1914 – 1919) provoca um grande conflito ideológico interno à II IC. Embora a palavra de ordem, desde sua fundação até aquele momento, fosse contra a guerra burguesa imperialista e em favor da paz, houve uma primeira cisão ideológica quando vários líderes socialistas do proletariado dos diversos países julgaram pertinente apoiar a guerra de suas respectivas burguesias. Surge no interior da II Internacional Comunista vertentes de centro. As que se mantinham a esquerda, cada vez mais radicalizadas tendo como grande expoente Lenin, continuaram defendendo suas teses de transformar a guerra imperialista em guerra civil e de combate radical às políticas de centro.

Somente em 1919 a III IC é inaugurada. A ela caberia, segundo Lazitch35 (1951, p. 190 – 191 apud CARONE, 2000, p. 138), “[...] organizar as forças do proletariado para o

35LAZITCH, B. Lénine et la troisième internationale. Neuchâtel: Éditions de la Baconnière, 1951.

assalto revolucionário dos governos capitalistas, para a guerra civil contra a burguesia de todos os países, para a vitória do socialismo.”

O Partido Comunista Brasileiro, PCB36, fundado em 25 de março de 1922, nasce sob a tutela da III IC, liderada por Lenin.

Durante a década de 1920, a II Internacional sofre uma grande transformação. Com Lenin morto e Trotsky sendo perseguido, ocorre a stalinização da IC que afeta o movimento comunista mundialmente.

Leandro Konder (2009), em A Derrota da Dialética, defendeu que a conjuntura mundial do período até os anos 1930 provocaram o processo de perda das características teóricas do marxismo, sobretudo do sentido dialético. Em sua versão leninista, a teoria foi nulificando o conteúdo filosófico. Entretanto, para Konder (2009, p. 70), não se pode negar a versão política da proposta leninista “comprometida com as condições empíricas de ação”. No tocante à derrota da dialética, os maiores prejuízos teriam sido desenvolvidos pela ascensão de Stalin.

De maneira geral, convinha ao stalinismo desviar as discussões da teoria de Marx para as realizações práticas de Lenin e Stalin. Marx foi ficando, assim, subsumido a Lenin; e este, discretamente, ficou subsumido a Stalin. Generalizou-se a convicção de que não devia ser muito importante o estudo do pensamento de Marx, de seus escritos, já que o essencial do marxismo estaria devidamente ‘traduzido’ no Estado fundado por Lenin e agora dirigido por Stalin, bem como na política desenvolvida pelo movimento comunista mundial. (KONDER, 2009, p. 219)

Segundo Ricardo Antunes (1995), Stalin perpetra a “bolchevização” do partido comunista na medida em que transforma a teoria marxista da impossibilidade do socialismo ocorrer isoladamente em algo possível. “A teoria do "socialismo em um só país" significava a subordinação das possibilidades da Revolução Mundial às exigências erigidas pela URSS visando à constituição do seu socialismo” (ANTUNES, 1995, p. 15 grifos do autor).37

Se para os partidos comunistas espalhados pelo mundo as mudanças de orientação, a guinada stalinista foi um problema posto, para a América latina a questão ainda era se fazer presente nos encontros da internacional.

36Sobre os primórdios do Partido Comunista Brasileiro ver: KONDER, L. “O impacto da revolução russa e a criação do PCB.” In: _____. A derrota da Dialética – a recepção das ideias de Marx no Brasil até o começo dos

anos 30. 2 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2009. Ver também: DEL ROIO, M. “A gênese do Partido Comunista (1919 – 1929). In: FEREEIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão (org). A formação das tradições (1889 1945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, (coleção as esquerdas no Brasil; v.1).

37 Quem faz um estudo bem detalhado deste assunto é LUKÁCS, Georg. “As crises gêmeas”. In: SADER, E. (Org.)

Somente no VI Congresso, ocorrido em setembro de 1928 em Moscou, é que a IC se dedicou a América latina.38 Neste congresso foram discutidos os tipos de colonização, bem como as formas como afetavam o trabalhador. Dois grandes modelos coloniais foram caracterizados. O primeiro foi o modelo de colônia de imigração, que absorvia a população excedente das metrópoles. O segundo foi o modelo de exploração, que se constituía como fornecedor de matérias primas.39

Entretanto, no momento em que se discutiam os modelos de desenvolvimento dos países periféricos com passado colonial, propondo para eles uma ação dos comunistas, muitos destes países não estavam mais dentro do que os modelos propostos anunciavam. Eram explicações simplistas e esquemáticas dos países em desenvolvimento, sem considerar as especificidades de cada país.

No caso latino-americano, os delegados enviados ao VI congresso apontavam as falhas dos modelos propostos pela Internacional em analisar os países.

Houve várias manifestações, por parte de representantes latino-americanos, no sentido de avançar um pouco mais na busca da particularidade destes países, através de formulações que, muitas vezes, opunham-se ao esquematismo vigente no seio da IC. No Informe da delegação latino- americana sobre o Programa da IC, disse o delegado pelo Equador: "Parece- me que o programa não dá uma fisionomia própria ao desenvolvimento do capitalismo nos países coloniais e naqueles chamados semicoloniais". Em alguns países, como o Brasil e a Argentina, a denominação semicolonial era insatisfatória: "É muito importante estabelecer uma distinção entre países semicoloniais e aqueles que, à falta de um termo melhor, podem ser chamados de 'dependentes'[...] Deve-se então aceitar uma nova categoria adjunta aos três grupos de países classificados no programa de acordo com seu desenvolvimento econômico e grau de dependência política. Este novo grupo estaria constituído pelos países 'dependentes', que estão penetrados economicamente pelo imperialismo, mas conservam uma independência política bastante grande, seja devido a uma penetração econômica débil, seja devido à sua força política". No contra-fluxo das posições da IC, os representantes latino-americanos questionavam a validade da proposta de revolução democrático-burguesa nos países 'dependentes', recusou-se a identificação direta dos latifúndios a relações de feudalidade. Estes, ao contrário, foram concebidos como expressão de frações da burguesia e postulou-se acerca da necessidade de alianças com os camponeses e a pequena burguesia, formulações que encontravam fortes resistências no interior da IC. (ANTUNES, 1995, p. 26).

38 Ver PRADO JUNIOR, Caio. A Revolução Brasileira. Especificamente ver o Cap. II. Sobre a América latina e Internacional Comunista.

39Esses dois modelos explicativos ratificados no encontro da Internacional Comunista, hoje (2017) ainda são os modelos explicativos para os mundos coloniais. O modelo de colônia de povoamento (que tem como grande exemplo os EUA) e o modelo colônia de exploração (Brasil).

A China e a Índia foram os países utilizados pela Internacional Comunista como modelos de países com passado colonial. Desta forma, as aproximações possíveis com a realidade latino-americana foram o foco. Nessas aproximações, no bojo das similaridades como a existência da dominação estrangeira, relações pré-capitalistas, etc., surge também a análise dos resquícios feudais. China e Índia apresentavam resquícios do feudalismo em sua estruturação, assim, tomada pelo modelo de comparação, foi considerado que toda a América padecia deste “mal”. A validade dos resquícios de feudalismo nos vários países latino- americanos sempre foi questionada. Lembremo-nos da grande polarização em torno deste ponto na historiografia brasileira desenvolvido por Nelson Werneck Sodré e Caio Prado Júnior. Com vitória das posições de Caio Prado.

Em resumo, foi no VI Congresso da Internacional Comunista que se desenvolveu uma questão tática de ação dos Partidos Comunistas, uma luta que se daria principalmente contra a o imperialismo.

Países de desenvolvimento capitalista médio (Espanha, Portugal, Polónia, Hungria, Balcãs, etc.) que conservam vestígios bastante importantes do regime semifeudal na agricultura, possuem, no entanto, um certo mínimo de condições materiais indispensáveis à edificação socialista, mas não têm ainda concluída a sua transformação democrática burguesa. Em alguns destes países, uma transformação mais ou menos rápida da revolução democrático-burguesa em revolução socialista é possível; noutros, são possíveis diversos tipos de revoluções proletárias, tendo, no entanto, que levar a cabo tarefas de carácter burguês-democrático de grande amplitude. Aqui, a ditadura do proletariado pode portanto não se estabelecer de imediato; institui-se no decurso da transformação da ditadura democrática do proletariado e dos camponeses em ditadura socialista do proletariado; quando a revolução reveste imediatamente um carácter proletário, pressupõe a direção pelo proletariado de um amplo movimento camponês-agrário; a revolução agrária tem aí, em geral, um grande papel, por vezes decisivo; no decurso da expropriação da grande propriedade fundiária, uma grande parte das terras confiscadas são colocadas à disposição dos camponeses; as relações económicas do mercado conservam uma grande importância a seguir à vitória do proletariado; trazer os camponeses à cooperação, depois agrupá-los em associações de produção é uma das tarefas mais importantes da edificação socialista. O ritmo desta edificação é relativamente lento. Países coloniais e semicoloniais (China, Índia, etc.) e países dependentes (Argentina, Brasil e outros) possuindo um embrião de indústria, por vezes mesmo uma indústria desenvolvida, insuficiente embora, na maioria dos casos, para a edificação independente do socialismo; países em que predominam as relações sociais da Idade Média feudal ou o «modo asiático de produção», tanto na vida económica como na sua superestrutura política; países, enfim, em que as principais empresas industriais, comerciais, bancárias, os principais meios de transporte, os maiores latifúndios, as maiores plantações, etc., se encontram nas mãos de grupos imperialistas estrangeiros. Aqui têm uma importância primordial, por um lado, a luta contra o feudalismo, contra as formas pré-capitalistas de exploração e a

consequente revolução agrária e, por outro lado, a luta contra o imperialismo estrangeiro, pela independência nacional. A passagem à ditadura do proletariado só é possível nestes países, regra geral, depois de uma série de etapas preparatórias, esgotado todo um período de transformação da revolução burguesa-democrática em revolução socialista, sendo que o sucesso da edificação socialista é, na maior parte dos casos, condicionado pelo apoio direto dos países de ditadura proletária. (Programa da Internacional Comunista, VI Congresso Mundial, Moscou, 1928)40

Segundo o Programa da Internacional Comunista, nos países coloniais, semicoloniais ou dependentes não havia condições para que uma revolução socialista acontecesse. Seria necessário que nesses países fosse desenvolvida primeiramente uma luta ou uma revolução democrático-burguesa. O objetivo da revolução democrático-burguesa seria buscar combater ferrenhamente o imperialismo no campo externo e combater os grandes latifúndios que nesses países manteriam relações de resquícios feudais.

É notória a visão etapista que fará parte de toda a III Internacional Comunista já presente no VI congresso de 1928, quando é defendida a ideia de que a ditadura do operariado só poderia acontecer nesses países regra geral, depois de uma série de etapas preparatórias.

Depois de fazer um balanço sobre como as ideias marxistas haviam sido recepcionadas no Brasil, Konder (2009, p. 75) aponta como determinantes da perda da dialética os “fatores ligados à história do socialismo como movimento mundial em conjunção com fatores característicos da vida social e cultural do nosso país”. Nesse período, o PCB teria simplificado as discussões, começando a “generalizar a convicção de que não tinha sentido procurar em Marx algo que não tivesse sido genialmente traduzido na ação pelo leninismo” (Ibid. p. 152).