• Nenhum resultado encontrado

3.2 OS CURSOS SUPERIORES DE TECNOLOGIA

3.2.4 Da década de 1990 ao Governo do PT

Comentamos anteriormente que durante a década de 1980 e início da década de 1990 houve uma redução significativa nas discussões em torno dos cursos superiores de tecnologia. Um destaque desse período é a publicação do Decreto Federal 97.333/88 que autorizou a criação do primeiro curso superior de hotelaria ofertado pelo SENAC de São Paulo no Hotel- Escola SENAC de Águas de São Pedro. Esta atitude pioneira do SENAC contribui para a diversificação da oferta dos cursos superiores de tecnologia para outras instituições educacionais públicas e privadas (CARVALHO, 2008).

Em meados da década de 1990, com a promulgação da Lei Federal 9.394/96 (LDB), e posteriormente com a regulamentação da educação profissional através do Decreto 2.208/97, iniciou-se uma nova expansão significativa dos cursos superiores de tecnologia. Esse decreto se constitui no principal ordenamento jurídico da reforma educacional do Governo FHC. Ele redefine a estrutura e os objetivos da educação profissional e tecnológica que fica separada da rede de ensino regular, e redireciona a sua oferta. São estabelecidos três níveis: I – nível básico: destinado à qualificação e reprofissionalização de trabalhadores, independente de escolaridade prévia; II – nível técnico: destinado a proporcionar habilitação profissional a alunos matriculados ou egressos do ensino médio, devendo ser ministrado na forma estabelecida pelo Decreto; III – nível tecnológico: correspondente a cursos de nível superior na área tecnológica, destinados a egressos do ensino médio e técnico.

Nesses termos, o Decreto 2.208/97 definiu que o nível tecnológico correspondia ao nível superior da educação escolar com especificidade na área tecnológica. No artigo 10 desse decreto é determinado que os egressos destes cursos fazem jus ao diploma de tecnólogo. A pergunta que se fazia naquele momento era se os cursos superiores de tecnologia seriam equivalentes às duas outras graduações existentes: licenciatura e bacharelado. Polêmicas e controvérsias na interpretação do texto geraram dúvidas a respeito dos cursos tecnológicos serem ou não de “nível superior” (BRANDÃO, 2006, p. 10-11).

Apesar do esclarecimento oferecido pelo Parecer 436/01 do CNE considerando “os Cursos Superiores de Tecnologia como Cursos de Graduação, subordinados a Diretrizes Curriculares Nacionais a serem aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação” (grifo nosso), pairavam algumas dúvidas e suspeitas. Esta questão foi formalmente esclarecida somente no final do mandato de FHC. Em dezembro de 2002 foram exarados dois documentos – Parecer 29/02 e Resolução 03/02 – pelo CNE que estabeleciam definitivamente

os cursos superiores de tecnologia como sendo cursos de graduação. Apesar da decisão formal do órgão governamental, os sujeitos envolvidos no processo tem apresentado as mais variadas reações acerca desses cursos: da aceitação desses títulos à recusa cabal44 do diploma de tecnólogo. A questão que paira nos remete ao, não tão novo, caráter polarizado conferido à educação profissional.

É a partir do Parecer 29/02 – que discute as “diretrizes curriculares nacionais para a educação de nível tecnológico” – e da Resolução 03/02 – que “institui as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a organização e o funcionamento dos cursos superiores de tecnologia” – que se despontam as possibilidades de expansão da oferta desses cursos em todo o país, sendo a iniciativa privada o principal motor dessa expansão. A garantia oficial de que tais cursos conferiam ao egresso a tão sonhada graduação somada às instruções e esclarecimentos fornecidos nos documentos deliberativos, tornaram-se um atrativo comercial às IES privadas.

Há um consenso entre os investigadores da área da educação profissional de que a dicotomia entre educação profissional e educação regular se intensificou a partir da promulgação do Decreto 2.208/97. De acordo com Rocha (2009, p. 94),

É, portanto, a partir do decreto 2.208/97 que se observa a reiteração de um “sistema de educação (profissional)” paralelo ao “sistema de educação (escolar)”; porém, desta vez, irá se consolidar a expansão dos limites desta estrutura dual, em termos de níveis, até o superior – são estes os Cursos Superiores de Tecnologia do Brasil de hoje. Cursos que, durante quase duas décadas, haviam ficado no esquecimento.

Frigotto, Ciavatta e Ramos relatam ainda as disputas, conflitos e incongruências na aprovação tanto da Lei 9.394/96 quanto do Decreto 2.208/97. Vale a pena transcrever o relato destes autores (2005a, p. 03):

Sucessivamente, perdemos o apoio parlamentar para a aprovação da lei em termos propostos e chegamos à LDB n. 9.394/96 e, no ano seguinte, ao Decreto n. 2.208/97 e à Portaria 646/97. Enquanto o primeiro projeto de LDB sinalizava a formação profissional integrada à formação geral nos seus múltiplos aspectos humanísticos e científico-tecnológicos, o Decreto n. 2.208/97 e outros instrumentos legais (como a Portaria n. 646/97) vêm não somente proibir a pretendida formação integrada, mas regulamentar formas fragmentadas e aligeiras de educação profissional em função das alegadas necessidades do mercado. O que ocorreu também por iniciativa do Ministério do Trabalho e Emprego, através de sua política de formação profissional.

Neste sentido, o Decreto 2.208/97 representava uma antítese dos interesses democráticos da educação em formar um cidadão completo e crítico. Esse instrumento legal sofreu severas críticas de intelectuais, políticos e educadores brasileiros.

Muitas lutas e debates foram travados entre 1996 a 2003 na tentativa de revogar este decreto “apontando-se para a necessidade da construção de novas regulamentações, mais

44

coerentes com a utopia de transformação da realidade da classe trabalhadora brasileira” (FRIGOTTO, CIAVATTA E RAMOS, 2005b, p. 1089).

O Governo Lula havia se comprometido com ações afirmativas no sentido de priorizar a educação profissional, reconstruí-la como política pública e

corrigir distorções de conceitos e de práticas decorrentes de medidas adotadas pelo governo anterior, que de maneira explícita dissociaram a educação profissional da educação básica, aligeiraram a formação técnica em módulos dissociados e estanques, dando um cunho de treinamento superficial à formação profissional e tecnológica de jovens e adultos trabalhadores (SETEC/MEC)45.

Em 2004 o Decreto 2.208/97 foi finalmente revogado pelo Decreto 5.154/0446 o qual possibilitou novamente a integração do ensino médio com a educação profissional (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005b, p. 1089).

Documento forjado em meio a um conjunto de disputas; um texto híbrido, com contradições que expressam os embates e interesses dos setores políticos, econômicos e sociais envolvidos. Totalmente conscientes dessas condições, Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005a, p. 04) alertam:

Sabemos que a lei não é a realidade, mas a expressão de uma correlação de forças no plano estrutural e conjuntural da sociedade. Ou interpretamos o Decreto [5.154/04] como um ganho político e, também, como sinalização de mudanças pelos que não querem se identificar com o status quo, ou será apropriado pelo conservadorismo, pelos interesses definidos pelo mercado.

Este instrumento jurídico, apesar da controvérsias que o cercam, impôs o desafio de integração dos currículos do ensino médio e técnico, em uma tentativa, talvez ainda um pouco tímida, de diminuir as lacunas entre eles.

No que tange aos cursos superiores de tecnologia, o Decreto 5.154/04 alterou a denominação cursos superiores de tecnologia para educação profissional tecnológica de graduação. O instrumento legal indica no Artigo 5º que os cursos superiores de tecnologia “organizar-se-ão, no que concerne aos objetivos, características e duração, de acordo com as diretrizes curriculares nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação”. Apesar do texto não explicitar adequadamente, parece indicar a manutenção de toda a regulamentação expedida pelo CNE anteriormente. Mesmo após a mudança da nomenclatura proposta pelo decreto 5.154/04 e reiterada pela Resolução 01/0547, o próprio MEC ainda continua utilizando a denominação cursos superiores de tecnologia. Isso demonstra que no interior do próprio

45

SETEC/MEC. Subsídios para o processo de discussão da proposta de anteprojeto de lei da educação profissional e tecnológica. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/subs_02fev05.pdf>. Acesso em: 18 dez. 2010.

46

O Decreto 5.154 de 23 de julho de 2004 regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da LBD que tratam da educação profissional.

47

Ministério da Educação não há uma univocidade no que se refere aos cursos de formação de tecnólogos.