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CAPÍTULO III – ASPECTOS PROCEDIMENTAIS RELEVANTES E

5. Da decisão judicial acerca da homologação da Transação Penal

Oferecida a proposta formulada pelo órgão acusatório e prontamente aceita pelo autor de fato e seu defensor, deverá então o juiz exercer o controle jurisdicional sobre o acordo, ocasião em que observará apenas a presença (ou não) de todos os seus requisitos legais, sem avaliar o “valor” da proposta.

Se constatar qualquer deficiência, quanto aos seus ditames legais, o juiz profere decisão de indeferimento, motivado com as razões da não homologação do

acordo. Segundo o pensamento majoritário, não cabe ao magistrado interferir no que foi acertado, “corrigindo” a proposta através de modificações.

Aqui, pergunta-se: como poderá insurgir-se o interessado contra o indeferimento do juiz, se discordar das razões invocadas nessa decisão? Pois o § 5º do art. 76 prevê o recurso de apelação, nos termos do art. 82 da mesma Lei 9.099/95, apenas para a sentença que homologa o acordo.

Os autores do Anteprojeto afirmam que a decisão judicial que deixa de homologar a transação, vedando a autocomposição, possui natureza de decisão interlocutória, mas não é atacável por Recurso em Sentido Estrito, pois seria cabível apenas nas hipóteses previstas no rol taxativo do art. 581 do Código de Processo Penal. Admitem, no entanto, sua impugnação por meio de Mandado de Segurança, impetrado pelo autuado ou pelo Ministério Público, ou ainda por meio de habeas corpus, pelo autuado ou pelo promotor em seu favor 28.

Por outro lado, Mirabete29 entende que, se o juiz não homologa a proposta por entendê-la descabida, deverá remeter os autos ao Procurador Geral, aplicando analogicamente o art. 28 do CPP, ocasião em que será facultada às partes a utilização do habeas corpus, sempre em nome do interessado, ou a impetração do mandado de segurança pelo órgão ministerial, invocando o direito líquido e certo da homologação. Por outro lado, caso o magistrado aplique analogicamente o art. 28 do CPP, opina o ilustre professor pelo cabimento do recurso de apelação.

Outros sustentam que, nessa situação, o recurso oponível será a Correição Parcial (também conhecida como Reclamação), nos Estados onde houver previsão. É essa a posição de Fernando da Costa Tourinho Filho30, que julgamos ser a mais

adequada.

Não existe aqui uma jurisprudência claramente dominante sobre qual o instrumento processual mais apropriado para atacar a decisão de não homologação da transação, se a apelação, o Recurso em Sentido Estrito, a Correição Parcial, o habeas corpus, ou ainda o Mandado de Segurança. O certo é que, por tal

28 GRINOVER , Ada Pellegrini, et. al. Op. Cit., p. 161-162.

29 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit., p. 144.

controvérsia e pela omissão legislativa, há se aplicar o princípio da fungibilidade e assim não se permitirá a ocorrência de prejuízo algum ao interessado.

Agora, tratemos da sentença que homologa a Transação Penal, aplicando a pena restritiva de direitos ou de multa que fora proposta. Quanto a essa decisão não há dúvida sobre qual o recurso cabível, haja vista que, como já citamos alguns parágrafos atrás, o § 5º do art. 76 expressamente prevê o cabimento do recurso de Apelação.

O mais interessante é debate na doutrina acerca da natureza jurídica dessa sentença, apenas excluindo-se, de pronto, o reconhecimento de uma natureza absolutória, pois é inegável que a mesma impõe uma sanção penal.

Segundo ensinamento de Marino Pazzaglini Filho, Alexandre de Moraes, Gianpaolo Poggio Smanio e de Luiz Fernando Vaggione31, a sentença em questão possui natureza condenatória, pois, apesar de primeiramente declarar a situação do autor do fato e também criar uma situação nova para as partes envolvidas, ou seja, criar uma situação jurídica que não existia, ela vai mais além e impõe uma sanção penal a esse agente, que deve ser executada.

Nos dizeres de Mirabete32, referida sentença:

Declara a situação do autor do fato, tornando certo o que era incerto, mas cria uma situação jurídica ainda não existente e impõe uma sanção penal ao autor do fato. Essa imposição, que faz a diferença entre a sentença constitutiva e a condenatória, que se basta a si mesma, à medida que transforma uma situação jurídica, ensejará um processo autônomo de execução, quer pelo Juizado, quer pelo Juiz da Execução, na hipótese de pena restritiva de direitos. Tem efeitos processuais e materiais, realizando a coisa julgada formal e material e impedindo a instauração de ação penal. É certo, porém, que a sentença não reconhece a culpabilidade do agente nem produz os demais efeitos da sentença condenatória comum. Trata-se, pois, de uma sentença condenatória imprópria.

31 PAZZAGLINI FILHO, Marino, MORAES, Alexandre de, SMANIO, Gianpaolo Poggio, e VAGGIONE,

Luiz Fernando. Juizado Especial Criminal. Aspectos Práticos da Lei n. 9.099/1995.3ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 1999, p.53.

Já para Ada Pellegrini Grinover33, o fato de não haver acusação e de que a

aceitação da pena não produz conseqüências na esfera criminal, exceto para evitar a concessão de novo benefício no prazo de cinco anos, leva à conclusão que a decisão que homologa a Transação Penal não pode ser considerada condenatória, ainda que imprópria, tratando-se, simplesmente, de uma sentença homologatória da transação que compõe a controvérsia de acordo com a vontade dos partícipes, constituindo título executivo judicial.

Encerrando o tema, tornamos transcrevemos o pensamento do professor Cezar Roberto Bitencourt34, inicialmente aqui esboçado no tópico acerca do conceito de Transação Penal, que conclui pela natureza de sentença declaratória constitutiva da decisão homologatória do acordo:

A essência do ato em que o Ministério Público propõe a aplicação imediata de pena não privativa de liberdade, quando é aceita pelo autor e seu defensor, caracteriza uma conciliação, um acordo, uma “transação penal”, como o próprio Texto Constitucional (art. 98) sugere. E, na tradição do direito brasileiro, sempre que as partes

transigem, pondo fim à relação processual, a decisão judicial que

legitima jurisdicionalmente essa convergência de vontades tem caráter homologatório, jamais condenatório. Por isso, a nosso juízo, essa decisão é uma sentença declaratória constitutiva. Aliás, o próprio texto legal encarrega-se de excluir qualquer caráter condenatório, afastando a reincidência, a constituição de título executivo civil, de antecedentes criminais etc.

6. Do descumprimento do acordo

Como último ponto da presente monografia jurídica, selecionamos falar a respeito de quais serão as conseqüências possíveis do descumprimento do acordo por parte do autor do fato, ou seja, do seu voluntário não cumprimento da pena alternativa que lhe fora aceita e imposta quando da sentença homologatória da Transação Penal.

33 GRINOVER , Ada Pellegrini, et. al. Op. Cit., p. 156-157. 34 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. Cit., p. 127-128.

Tal situação fora alvo de relevantes discussões em nosso meio jurídico nacional, haja vista, mais uma vez, a omissão do legislador em orientar sua solução.

O professor João Francisco de Assis35 resume muito bem as correntes firmadas na tentativa de responder a essa questão, in verbis:

a) não cumprida a transação penal, a pena restritiva de direitos imposta converte-se em privativa de liberdade (LEP, art, 181, § 1º, “c”);

b) o descumprimento do acordo conduz à sua execução tão- somente. É a posição do Superior Tribunal de Justiça;

c) descumprindo o acordo, pela ausência de previsão legal no sentido, não pode ser iniciada a ação penal, nem tampouco convertida a pena alternativa em pena privativa de liberdade. É o entendimento de Damásio Evangelista de Jesus, e;

d) não sendo cumprida a pena restritiva de direitos, deve ser proposta a ação penal. É a posição do Supremo Tribunal Federal.

Relativamente à primeira corrente, conforme já visto anteriormente, repetimos: a conversão da pena restritiva de direitos em pena restritiva de liberdade, apesar de possível pela Lei de Execução Penal, não se aplica à pena imposta pela Transação Penal por ausência de previsão específica na Lei 9.099/95, porque aqui a pena restritiva de direitos possui natureza autônoma, não se existindo quantidade de pena privativa de liberdade para que se possa realizar a conversão, como ocorre nos casos da LEP.

Já a segunda corrente, adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, padece de eficácia, pois não vemos como executar coercitivamente uma pena restritiva de direitos, afinal, como obrigar o autor do fato a, por exemplo, prestar serviços à comunidade? Trata-se de pena sem qualquer força coativa possível em nosso ordenamento.

A terceira posição é no sentido de que não é cabível a conversão da pena alternativa imposta no acordo em pena privativa de liberdade, bem como não se pode instaurar ação (ou retomar) ação penal, pois a prestação jurisdicional, para o

caso, já teria se efetivado com a homologação do acordo. A nosso ver, adotando-se tal entendimento, tornar-se-ia inócuo o instituto da Transação Penal.

Quanto ao último posicionamento, parece-nos ter sido de bom grado a sua adoção pelo Supremo Tribunal Federal, a despeito das críticas que ressaltam a ausência de previsão legal para tanto, pois aparenta ser o mais adequado aos objetivos da Lei 9.099/95 já que o efeito direto buscado pelo agente com o instituto é evitar a instauração da ação penal. Logo, descumprindo, de livre e espontânea vontade, o autor do fato o acordo que voluntariamente firmou com o órgão acusatório, nada mais justo do que deva responder à ação penal anteriormente obstada.

Por fim, lembramos apenas a prática que tem sido reiterada por alguns juízos de levar a cabo a homologação da transação apenas após o cumprimento, por parte do autor do fato, das sanções que lhe foram impostas. Embora pareça cômoda, tal atitude representa uma burla à legislação, indo claramente de encontro ao que estabelece o art. 76 da Lei 9.099/95.

CONCLUSÃO

Como pudemos observar, a lei federal que instituiu e regulamentou os Juizados Especiais Criminais em nosso País, inspirada nos mecanismos processuais formulados ou aperfeiçoados pela onda reformadora do Processo Penal na Europa, que trouxe uma aproximação com a common law do Direito Anglo- Saxão, introduziu um novo modelo de Justiça Criminal, fundamentada no consenso, reservada à menor criminalidade.

Uma das importantes inovações oriundas de tal diploma legal, a Transação Penal pode ser conceituada como um acordo realizado pelo autor da infração penal de menor potencial ofensivo e pelo órgão acusatório, desde que presentes os requisitos impostos pela lei, que, homologado judicialmente, impõe àquele pena restritiva de direitos ou multa em detrimento da instauração ou, em alguns casos, prosseguimento da ação penal cabível, obstando uma possível condenação em pena privativa de liberdade.

A natureza jurídica da Transação Penal pode ser encarada como a de uma medida despenalizadora, cunhada em norma jurídica de direito material penal ou mista.

No que tange à constitucionalidade da transação, conclui-se que a própria Constituição Federal de 1988, por meio de seus constituintes originários, ao prever a regra contida no inciso I de seu art. 98, criou, ou, ao menos, comandou a criação de um novo modelo de Justiça Criminal em que a Transação Penal seria, talvez, o seu principal instrumento, constituindo a mais forte representação da chamada Justiça Criminal Consensual.

Não há de se falar em violação ao princípio do devido processo legal, aplicação de pena sem processo, pois aqui aplica-se o “devido processo consensual” por expressa previsão constitucional.

Tampouco se pode afirmar violência ao princípio da presunção de inocência, haja vista que na transação não há reconhecimento de culpabilidade.

O instituto deve ser visto como um verdadeiro benefício legal que é concedido ao autor do fato quando satisfeitas as condições previstas na lei. Trata-se,

verdadeiramente, de uma técnica de defesa que poderá ser abraçada pelo interessado se for do seu interesse.

Nota-se ainda o grande valor social da transação, de grande valia ao princípio constitucional do respeito à dignidade da pessoa humana, evitando o encarceramento desnecessários de pessoas plenamente aptas a viverem em sociedade, e ao princípio da razoável duração do processo, ao conferir o máximo de efetividade jurisdicional através da utilização racional dos meios processuais disponíveis.

Quanto ao aspecto procedimental, vimos ser a transação cabível nas infrações penais consideradas de menor potencial ofensivo, ou seja, contravenções e crimes puníveis com pena máxima de dois anos de reclusão e desde que não se configure qualquer dos três impedimentos previstos no § 2º do art. 76 da Lei 9.099/95.

Vimos também que o pensamento majoritário entende o instituto como um direito subjetivo público do réu, este, porém, não pode exigi-lo diretamente ao juízo, pois a transação possui o caráter essencialmente consensual, logo não poderá operar sem a anuência expressa e direta de qualquer dos partícipes.

No trato da sentença que homologa a transação, observamos a ampla divergência doutrinária sobre o assunto, dificultando sua classificação em declaratória, constitutiva ou condenatória.

Enfim, quanto ao descumprimento do acordo pelo autor da infração penal, vimos que não é possível a aplicação coercitiva da pena alternativa objeto da proposta, restritiva de direitos ou multa, nem a sua conversão em pena privativa de liberdade, e que a nossa Suprema Corte filia-se a corrente que entende que, em tal situação, deve-se instaurar ou dar prosseguimento à ação penal cabível.

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