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A desistência voluntária e o arrependimento eficaz encontram fundamento no art. 15 do Código Penal Brasileiro, que dispõe que “o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados”.

Importante considerar que na desistência voluntária, também denominada tentativa abandonada, o agente desiste ou abandona por vontade própria a execução do delito, quando poderia concluí-la.

Já no arrependimento eficaz, conhecido também por tentativa qualificada, ocorre o esgotamento do processo de execução. No entanto, o autor age para evitar a produção do resultado.

Conforme ensinam Zaffaroni e Pierangelli:

Chama-se tentativa qualificada a que se dá quando o delito que se pretende cometer abrange, simultaneamente, a consumação de outro delito. Verificando-se ausência de culpabilidade superveniente no curso da mesma ou desistindo o agente posteriormente à consumação do Delito-meio, ficará impune tão-somente a tentativa como tal, mas não os delitos que se tenham consumado no seu curso. (ZAFFARONI; PIERANGELLI, 1998, p. 112).

Celso Delmanto, por sua vez, entende que:

Na desistência voluntária, o agente interrompe o processo de execução que iniciara; ele cessa a execução, porque a quis interromper (mesmo que haja sido por medo remorso ou decepção) e não porque tenha sido impedido por fator externo à sua vontade. No arrependimento eficaz, embora já houvesse realizado todo o processo de execução, o agente impede que o resultado ocorra. Em ambos os casos, sempre voluntariamente. (DELMANTO, 2010, p. 141-142).

Sob essa perspectiva, tem-se que na desistência voluntária, o iter criminis foi interrompido pelo agente, enquanto que no arrependimento eficaz, o agente busca reverter a ação praticada.

Regis Prado ensina quais são os requisitos da desistência voluntária e do arrependimento eficaz:

Requisitos da desistência voluntária: a) objetivo – interrupção definitiva do processo executivo pelo agente; b) subjetivo – voluntariedade da desistência (não é necessário que seja espontânea)

Requisitos do arrependimento eficaz: a) objetivo – impedimento eficaz do resultado; b) subjetivo: voluntariedade. (REGIS PRADO, 2010, p. 424).

A voluntariedade, nos dois casos, compreende a opção de escolher entre duas condutas, sendo uma de interromper a prática do ato delitivo e outra de consumar o crime. De acordo com Regis Prado (2010, p. 424), “não se reconhece a voluntariedade da desistência em razão do medo do agente de ser preso em flagrante ou da clara insuficiência dos meios por ele utilizados”. Tal afirmação pode ser evidenciada nos dois julgados transcritos abaixo, o primeiro do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na apelação nº 70043363050, publicado em 21/11/2011, em que foi afastada a ocorrência da desistência voluntária, justamente pela falta da voluntariedade e o segundo do Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação nº 990092420666, publicado em 09/09/2010, em que foi configurada a desistência voluntária.

APELAÇÃO. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO TENTADO. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA. A prova produzida sob contraditório judicial não deixa dúvidas quanto à existência do fato e sua autoria, essa confessada pelos réus. Ambos, com revólver, tentaram tomar o veículo da vítima, sem sucesso, pois não conseguiram colocá-lo em movimento, após tê-lo ligado, em face das peculiaridades do sistema de mudanças. Diante dos gritos da vítima e da chegada de populares, os acusados abandonaram a empreitada criminosa e foram presos. Afastada a desistência voluntária. Reduzida a pena e concedido o sursis. TJRS – Publicado em 21/11/2011. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA - Réu que, após ter arrombado a porta do veículo, tendo acesso aos bens de seu interior, deixa de subtraí-los por ato voluntário, responde apenas pelos eventuais danos causados - Desistência voluntária configurada, afastada a condenação. TENTATIVA DE FURTO - Réu preso durante a execução do furto do segundo veículo - Ausência de laudo que comprove o arrombamento - Condenação mantida, bem operada a desclassificação para tentativa de furto simples. REGIME PRISIONAL - Inicial fechado que decorre de expressa previsão legal, considerada a recidiva, a teor do art. 33, do Código Penal. Recurso parcialmente provido. TJSP – Publicado m 09/09/2010.

Nos trabalhos de Renato Rodrigues Gomes, sobre desistência voluntária, é possível destacar as seguintes afirmações:

[...] Pode-se entender que a desistência será voluntária nas hipóteses em que o agente constituiu a sua nova vontade, livremente, no transcurso do procedimento de execução, sem estar coagido por alguma ação especial do sistema penal, circunstâncias estas que suprimir-lhe-ia a opção de poder agir de outro modo. Ademais, mesmo se presente a possibilidade real de agir diversamente, a voluntariedade estará ausente se todos os demais caminhos disponíveis a serem seguidos representarem um risco ou uma desvantagem desproporcional, que qualquer ser humano de padrões normais não suportaria. A nova vontade, impulsionadora da conduta de

desistência, não seria livre em tais hipóteses, mas, sim, imposta coativamente pelas circunstâncias a seu redor. (2003).

O mesmo se diz quando o agente suspende, por tempo determinado, a execução, voltando a praticá-la e se aproveitando dos atos anteriormente praticados. Cumpre destacar que, inexistem motivos para a valoração ética acerca das razões que levaram o agente a interromper a execução do delito.

No caso do arrependimento eficaz, é necessário que o agente tenha êxito em evitar a lesão do bem jurídico de terceiro, afim de que se justifique a aplicação do art. 15 do Código Penal. De acordo com Regis Prado (2010, p. 424), “se, por outro lado, ocorreu a consumação do delito, o arrependimento não possui relevância penal em virtude da ausência de eficácia da atitude do agente”.

Já Gomes (2003) entende que, tanto no caso da desistência voluntária como no caso do arrependimento eficaz, “mister se faz que a conduta contrária e neutralizante da causalidade, movimentada pela exteriorização da vontade inicial e criminosa do agente seja eficaz, evitando (ou impedindo), que a lesão típica se consume”.

Quanto à desistência voluntária, Regis Prado entende que:

Em relação à desistência voluntária, indaga-se se o adiamento do propósito delitivo, quando acompanhado da efetiva interrupção da conduta, impede a aplicação da causa pessoal de isenção da pena. Cumpre observar, por oportuno, que a nova ação não passa de mero projeto do autor, que pode ou não se concretizar. Portanto, não deve representar obstáculo algum ao reconhecimento da desistência o simples adiamento da execução, desde que este último não signifique uma pausa na execução: se o agente tão somente suspende o iter criminis com vistas a ultimá-lo em melhor momento, valendo-se das etapas já percorridas, não há desistência. (REGIS PRADO, 2010, p. 424).

Regis Prado (2010, p. 424) também entende que “a natureza jurídica da desistência voluntária e do arrependimento eficaz é de causa pessoal de exclusão da punibilidade ou isenção de pena, decorrente de razões de política criminal”.

De acordo com Gomes, não se pode admitir a natureza jurídica da desistência voluntária e arrependimento eficaz como excludente da adequação típica, visto que:

O fato de o tipo de desistência voluntária tornar impune os atos de execução abrangidos pelo tipo de delito tentado, não significa que inexistiu a incidência da norma de extensão da tentativa, mas, sim, que o agente, apesar de inicialmente ter cometido uma conduta injusta e culpável, agiu

posteriormente e com eficácia suficiente para neutralizar a causalidade em curso, sendo, por isso, merecedor da impunidade, por força de lei (tipo de desistência voluntária). A benesse legal não é causa excludente de adequação típica da tentativa. É, indubitavelmente, uma norma jurídica criada a servir de estímulo ao agente, para que redirecione a causalidade lesiva, por ele instaurada, à esfera da licitude. Por esse motivo e por respeito aos princípios da culpabilidade e da justiça penal, a impunidade não se estende aos coautores e partícipes que também não tenham contribuído para a neutralização dos efeitos dos atos de execução já realizados. Ademais, considerar-se a desistência voluntária (ou o arrependimento eficaz) como causa excludente de adequação típica significa dar-se o mesmo valor e tratamento a condutas axiologicamente diversas, desconsiderando-se o conteúdo da formulação do tipo e sua função de garantia da liberdade individual. (2003).

Assim, o melhor entendimento é o que concebe a natureza jurídica da desistência voluntária e arrependimento eficaz como sendo causa pessoal de exclusão da punibilidade.

Por outro lado, cumpre ressaltar que, tal qual na tentativa, os atos já praticados na desistência voluntária e arrependimento eficaz são passíveis de punição.

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