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Da Itália para Portugal – Domenico Vandelli

1.4 Histórico evolutivo da ilustração científica

1.4.4 Da Itália para Portugal – Domenico Vandelli

A ciência e a arte se desenvolviam juntas na história de Pádua. Várias eram as escolas eclesiásticas e laicas no município, que era livre e orgulhoso de suas instituições. Em 1222, a fundação da Universidade de Pádua – ou Studio Patavino, como era conhecida na época –, só foi possível por vontade de alguns estudantes e professores provenientes da Universidade de Bolonha39 e pelo apoio de autoridades como o bispo Giordano e o podestà40Rusca. Criou-se primeiramente a Università dei Giuristi e, mais tarde, com a presença de Petrarca, a Università degli Artisti (ROSSETI, 1985).

Só em 1493 foi criada uma sede para as “escolas públicas”, que antes estavam espalhadas por toda Pádua. Trata-se do Palazzo del Bo, local antes usado por uma hospedaria perto do bairro Delle Beccherie (açougue). Por isso a insígnia da Universidade de Pádua é uma cabeça de boi. Por ali passaram as maiores personalidades das ciências e das artes, entre elas Galileu e Petrarca, o que tornou a cidade famosa em toda a Europa (ROSSETTI, 1988).

Em meio a essa efervescência cultural e científica, nasceu em Pádua, a 8 de julho de 1735, Domenico Agostino Vandelli, filho de Girolando Vandelli, doutor em Medicina na Universidade de Pádua, e de Francesca Stringa. Estudante de Filosofia Natural e Medicina na universidade local, formado no ano de 1761, publicou, em 1762, o Tractatus de thermis agri patavini. Em 1772, doutorou-se em Medicina pela Univerdidade de Coimbra, com a tese: Dissertationes tres: de Aponi thermis, de nonnullis insectis terrestribus et zoophytis marinis, et de vermium terrae reproductione atque taenia canis (GUIMARÃES, 2011).

Assim, o Orto Botanico dell Università di Pádua já contava dois séculos de existência, quando Vandelli nasceu. Nessa época,

a tradição do estudo das plantas e a sua disposição nos canteiros era matéria de pesquisa dos estudiosos, que podemos imaginar a partir das gravuras antigas, com os mantos compridos, curvados sobre as plantas, no recinto circular do horto paduano tirando apontamentos sobre o desenvolvimento de cada planta, recolhendo novos elementos para a colecção, tanto das regiões vizinhas como dos

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É nesta época áurea que a universidade adota o slogan “Universa Universis Patavina Libertas” ("Inteira, para todos, a liberdade na Universidade de Pádua"), tornando-se o principal centro científico da Europa (ROSSETI, Lucia. Die Universität Padua. Trieste: Eine geschichtlicher Querschnitt, 1985).

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Podestà é o nome dado a determinados altos funcionários em muitas cidades italianas, desde a Idade Média

mais atrasada, principalmente ao chefe dos magistrados da cidade-estado (também denominado, em outras cidades, por exemplo, como ‘rettori’ – “reitor”), mas igualmente como administrador local, o representante do Imperador Romano (WIKIPEDIA. Podestà. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Podestà>. Acesso em: 10 fev. 2011.

mundos longínquos e desconhecidos. [...] Os desenhos das plantas feitos em gravuras ou em aquarelas vão entretanto ganhando qualidade, quer artística quer de precisão e informação científica, que ainda hoje se pode admirar na biblioteca do arquivo do “Orto Botanico dí Padova” (CASTEL-BRANCO; SOARES; CHAMBEL, 1999, p. 58-59).

Vandelli integrou a Sociedade Sueca de Ciências Naturais, em Uppsala, onde existia, desde 1655, o primeiro jardim botânico fundado na Suécia por Olof Rudbeck (1630-1702) – “o velho”. O acervo reuniu aproximadamente 1.300 espécies, e foi onde Linneo estudou, sistematizou e aprimorou seus conhecimentos botânicos, no século XVIII. “Entre 1761 e 1764, [Vandelli] trocou correspondência com Linné (Carl von Linné, 1707- 1778). A comunicação entre os dois iniciou-se com uma epístola sobre as Holotúrias – ‘Holoturio et testudine marina’ – que Vandelli dirigiu a Linné” (GUIMARÃES, 2011).

FIGURA 24 – Karl Von Lineé (1707-1778) Fonte: SLÄKTOFORSKNING, 2011.41

O desenvolvimento científico somente é intensificado, quando se transforma numa obra coletiva, o que pressupõe intercâmbio de informações entre os cientistas que trabalham com o mesmo tema. Exemplos disso são as cartas trocadas por Vandelli e Linneo, este da academia de Uppsala, como também a criação de academias de ciências no Brasil, em 1770, e em Portugal, 1779, que contribuíram para a disseminação do conhecimento entre os estudiosos do século XVIII.

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FIGURA 25 – Stadplan Uppsala 1770 Linné-Garten – Localização do Jardim de Linné

Numa planta da Universidade de Uppsala datada de 1770. Fonte: WIKIPEDIA, 2011.42

Seguidor do Iluminismo e interessado em introduzir o método experimental no ensino universitário português, o Marquês de Pombal convidou Vandelli, que lhe foi recomendado por Linneo, para realizar tal reforma educacional. Naquela época, a flora portuguesa e a de suas colônias ainda não tinham sido exploradas. A possibilidade de realizar uma Viagem Philosophica ao Brasil foi o motivo determinante para que Vandelli aceitasse o convite. “Em Portugal, a partir do último quartel do século XVIII, as viagens tornaram-se relativamente frequentes e cada vez mais especializadas e preparadas por riscadores ou desenhistas, jardineiros-botânicos, naturalistas e filósofos da Natureza” (MUNTEAL FILHO; MELO, 2004, p. 25).

Em 1764, ele se transferiu para o Colégio dos Nobres, em Lisboa, com uma comitiva de professores italianos (GUIMARÃES, 2011) e seu jardineiro pessoal Júlio Mattiazzi, que foi homenageado por ele com uma de suas novas descobertas biológicas – a Anthericum mattiazzi Vand, uma Anthericaceae.

Os jardineiros e naturalistas italianos logo travaram contato com a realidade portuguesa e de suas colônias. O reino encontrava-se depauperado do ponto de vista do conhecimento das suas entranhas, do âmago, tanto do território português continental propriamente dito, do Minho ao Algarve, quanto no que se referia às áreas coloniais lusitanas que formavam o Império Ultramarino, de Macau a Salvador (MUNTEAL FILHO; MELO, 2004, p. 23).

Em outubro de 1765, Vandelli já se encontrava em Coimbra para colaborar na reforma da universidade local, que visava principalmente a laicização do ensino e a

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inclusão das ciências e da experimentação científica nos planos curriculares. Ele colaborou com José Monteiro da Rocha e Miguel Franzini na organização da Faculdade de Filosofia. Com Franzini e Dalla Bella, foi encarregado de delinear os planos do Jardim Botânico de Coimbra, e também recebeu a incumbência de planejar e dirigir as obras do Real Jardim Botânico, em Ajuda, que incluíam uma biblioteca, um museu de História Natural, a Casa do Risco e um gabinete de Química.

FIGURA 26 – Ilustração da obra de Domenico Vandelli – “Diccionario dos termos

technicos de historia natural extrahidos das obras de Linnéo ... : Memoria sobre a utilidade dos jardins botânicos” (1788).

Fonte: WIKIPEDIA, 2011.43

Vandelli tornou-se professor da Faculdade de Filosofia, uma nova instituição da Universidade de Coimbra. Em 11 de setembro de 1772, foi incorporado como lente de História Natural e de Química (1772-1791). Em 1779, participou da criação da Academia Real das Ciências de Lisboa, voltada ao incentivo da investigação científica e divulgação da cultura portuguesa, tendo sido um de seus principais mentores e seu grande impulsionador econômico. Os textos que publicou em nome desta instituição, nomeados na coleção Memórias Económicas, revelam sua forte contribuição para o desenvolvimento das doutrinas e políticas econômicas e financeiras de Portugal (GUIMARÃES, 2011).

Como era usual entre os cientistas da época, Vandelli também foi colecionador de História Natural e reuniu objetos minerais, paleontológicos, espécimes vegetais e animais.

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Sua coleção formava um acervo privado em Pádua, totalizando, em 1763, 28 armários no Conspectus Musei Dominici Vandelli. Segundo Guimarães (2011), “Vandelli estudava metodicamente cada peça, ilustrando-a com arte. Essas coleções irão, mais tarde, constituir o núcleo inicial do Museu de História Natural da Universidade de Coimbra”.

O cientista italiano foi um dos precursores no desenvolvimento da política econômica, da História Natural e da Química em Portugal. Sua vasta cultura nos diferentes ramos de História Natural, aliada à sua predileção pela Economia, “levou-o a elaborar um inventário rigoroso e sistemático dos recursos e matérias-primas minerais, vegetais e animais de Portugal, salientando as suas potencialidades económicas para a indústria nacional, nomeadamente a agrícola” (GUIMARÃES, 2011).

Por ocasião das Guerras Napoleônicas, após a França ter dominado a Itália, Vandelli manifestou-se contra a aliança entre Portugal e Inglaterra, defendendo as pretensões hegemônicas francesas. Tal posição ideológica é atestada durante o período de ocupação francesa em Lisboa, quando colaborou com as tropas de Junot no desmantelamento e transferência para França das coleções museológicas de História

Natural mais importantes. Consequentemente, foram levados para a França quase metade

dos espécimes botânicos colhidos no Brasil pela expedição filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira. Esse acervo permanece até hoje no Museu de História Natural de Paris. A outra metade dessa coleta permaneceu em Lisboa, estando devidamente preservada no Herbário LISU (GUIMARÃES, 2011).

A despeito de sua responsabilidade por esse imensurável prejuízo cultural à nação portuguesa, é indiscutível a contribuição de Vandelli para a Botânica, como comprova sua obra científica autoral. Além da publicação de inúmeras obras em português e latim, redigiu importantes trabalhos de botânica descritiva sobre várias famílias, quando de sua passagem por Portugal.