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Portugal no tempo do Marquês de Pombal

1.4 Histórico evolutivo da ilustração científica

1.4.5 Portugal no tempo do Marquês de Pombal

Representante do despotismo esclarecido em Portugal no século XVIII, o Marquês de Pombal viveu num período da história marcado pelo Iluminismo, tendo desempenhado um papel fulcral na aproximação de Portugal à realidade econômica e social dos países do Norte da Europa, mais dinâmica do que a portuguesa. Com esse intuito, deu início a várias reformas administrativas, econômicas e sociais. Em 1751, pôs fim à escravatura em

Portugal Continental e, na prática, aos autos da fé em Portugal e à discriminação dos cristãos-novos, apesar de não ter extinguido oficialmente a Inquisição portuguesa, em vigor de jure até 1821.

Nesse contexto, segundo Munteal Filho e Melo (2004, p. 26): “As estruturas de poder exibidas pelo antigo regime português articulavam-se, de certa maneira, às demandas econômicas inspiradas pelo ímpeto reformista que invadia os meios intelectuais lisboetas e coimbrãos”. Fieis vassalos da rainha e do absolutismo, os acadêmicos lisboetas tinham como prioridade o fortalecimento das bases do sistema colonial e o estabelecimento de uma nova política ultramarina voltada para as potencialidades do mundo natural das colônias, redescobertas metodicamente pelo reformismo da Academia Real de Ciências.

Porém, a precariedade do desenvolvimento dos campos disciplinares atuava como obstáculo ao fomentismo então praticado de forma ampla pelos burocratas e naturalistas, no que se referia aos raios de atuação e à abrangência do fomento (MUNTEAL FILHO; MELO, 2004, p. 26).

Segundo os historiadores Magnus Roberto de Mello Pereira e Ana Lúcia Rocha Barbalho da Cruz, como nessa época Portugal não dispunha de pessoal com formação científica,

o Marquês de Pombal aproveitou a expulsão dos jesuítas – que até então tinham o controle sobre as instituições de ensino – para conduzir uma reforma na Universidade de Coimbra, em 1777, para formar quadros visando à exploração científica. [...] O curioso é que a maioria dos alunos matriculados nos novos cursos era de origem brasileira (PEREIRA; CRUZ, 2010, p. 33).

Fato é que à coroa portuguesa interessava a cooptação de membros da elite das colônias para o seu projeto imperial: “Os filhos dessa elite foram estimulados a estudar em Coimbra e, depois de formados, eram recompensados com cargos públicos nas colônias. Um dos resultados desse processo foi a criação de uma elite intelectual bastante unitária e homogênea” (PEREIRA; CRUZ, 2010, p. 33).

Proveniente de Pádua e desembarcando em Portugal no ano de 1764, atendendo a convite do D. José I para cumprir uma função de ensino e de promoção das ciências naturais, conforme sugerido por Miguel Franzini – professor dos príncipes D. José (que morreu prematuramente) e de D. João, futuro rei D. João VI – o botânico Domenico Vandelli, inicialmente convidado para lecionar no Colégio dos Nobres, finda por tornar-se um nome de destaque na reforma acadêmica planejada e implementada pelo Marquês de Pombal, tanto por impulsionar a formação da Academia das Ciências de Lisboa como pela

iniciativa da criação e construção do Jardim Botânico da Ajuda. Segundo Castel-Banco, Soares e Chambel (1999, p. 62): “partindo do nada, constrói e planta um jardim botânico que se veio a revelar ponto de partida para outros jardins botânicos, e que ganhou fama internacional até os dias de hoje”.

Assim, dentre os feitos da reforma educacional implantada pelo Marquês de Pombal em Portugal no século XVIII, destaca-se a criação de instituições em Lisboa, começando pelo Real Museu de História Natural e o Real Jardim Botânico (posteriormente Jardim Botânico da Ajuda), em 1768, planejado e construído por Vandelli. Segundo Castel-Branco, Soares e Chambel (1999, p. 62): “É interessante assinalar que, simultaneamente, por ordem real, Vandelli foi também encarregue de construir o Laboratório Químico e a Casa do Risco, em Lisboa e, posteriormente, o Jardim Botânico de Coimbra”.

Assim, no início do empreendimento, o Real Jardim Botânico gozou de cuidados especiais e houve a intenção de o tornar tão rico quanto possível. É com este propósito que, nos finais do século XVIII, e principalmente nas primeiras décadas do século XIX, a Casa Real envia missões botânicas às possessões portuguesas ultramarinas com o objetivo de estudar as floras locais e trazer herbários e plantas vivas para o referido jardim, especialmente aquelas que fossem julgadas de maior utilidade para o estudo e uso na medicina, artes etc. Foi em consequência dessas diversas missões que, responsável pelo jardim, Vandelli conseguiu instalar e aclimatar mais de cinco mil espécies (CASTEL- BRANCO; SOARES; CHAMBEL, 1999, p. 58-59). Quanto à sua localização,

O Real Jardim e o Gabinete de História Natural eram contíguos ao Palácio da Ajuda. Após o terremoto de Lisboa de 1755 o rei Dom José I retirou-se com a Corte para a Quinta de Cima, na encosta da Ajuda. A ala principal do Palácio dava para o Real Jardim Botânico que o rei decidira criar em 1768, juntamente com o Museu e o Laboratório e Real Gabinete de História Natural (MUNTEAL FILHO; MELO, 2004, p. 32-33).

Quanto ao Jardim Botânico de Coimbra, como o projeto inicial de Castro Sarmento, datado de 1722, foi considerado muito modesto, decidiu-se ampliá-lo para cumprir os requisitos exigidos pelo Marquês de Pombal, com os trabalhos sendo iniciados em 1774. A princípio, as responsabilidades recaíram sobre Domenico Vandelli, e a partir de 1791, sobre Félix de Avelar Brotero, professor de Botânica e Agricultura, que ampliou o jardim pela aquisição de um terreno da Quinta dos Padres Marianos, em 1809. Neste sentido, constata-se que:

As conquistas científicas de recolha e sistematização de plantas foram repartidas entre Coimbra e Lisboa, entre Brotero e Vandelli. Enquanto cabe a Vandelli o mérito de criar o primeiro jardim botânico português em Lisboa e o de impulsionar a formação da Academia das Ciências de Lisboa, a primeira compilação da flora portuguesa é de responsabilidade de Félix Avelar Brotero, e a cadeira de Botânica e Agricultura é por ele iniciada em Coimbra (CASTEL- BRANCO; CASTRO REGO, 1999, p. 101).

FIGURA 27 – Laboratório OR1896

Fonte: ARQUIVO NACIONAL- MJ, 2011.44

Tem-se, pois, que o projeto do Marquês de Pombal da criação simultânea dos estabelecimentos da Ajuda como o Laboratório Químico – “por cauza das analyzes, e experiencias que me forão incumbidas sobre algumas produções naturaes das Colonias” (VANDELLI, séc. XVIII) – o Museu de História Natural, que com o tempo reuniria notável acervo, e a Casa do Risco, cuja fundação Vandelli também expõe em notícia pormenorizada, “correspondia, assim, a um crescente interesse pelos fenómenos e produções da Natureza, corrente internacional que, progressivamente, chegaria a Portugal” (FARIA, 2001, p. 145-147). Desta forma:

Os objetivos pombalinos e vandellianos em torno da utilidade dos Jardins Botânicos, e no âmbito da História Natural em geral, ultrapassaram a mera satisfação da curiosidade e da formação privada de uma elite social, para convergirem num complexo plano aplicado em prol do desenvolvimento do país, num teorema interventivo que já foi definido, com oportunidade, por “naturalismo económico”. Trata-se de uma outra faceta do pragmatismo pombalino, bem evidente na já anteriormente citada crítica aos excessos científicos do projectado Jardim Botânico da Universidade de Coimbra (FARIA, 2001, p. 147).

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ENCYCLOPEDIE – Dictionnaire raisonne des sciences,des arts et metiers, par une Societe de Gens de

lettres. Paris: Briasson, 1751-1780, v. 2. Disponível em: <http://linux.an.gov.br/mapa/?p=2754>. Acesso em:

Por seu turno, Vandelli “entendia os jardins botânicos como um laboratório de cultivo, estudo e desenvolvimento de espécies oriundas de outros ecossistemas e dotadas do reconhecido interesse para o progresso agrícola e manufatureiro nacional.” Por isso idealizava proceder, nesse espaço experimental de estudo científico, “a um rigoroso escrutínio das espécies que melhor revelassem adaptar-se às condições naturais do Portugal europeu, e que constituíssem potenciais soluções para combater a improdutividade dos terrenos incultos genericamente designados de charnecas” (FARIA, 2001, p. 147). O naturalista sabia que:

Para construir jardins a partir de um projecto novo, o arquitecto paisagista tem de conhecer os materiais da natureza e o trabalho que o tempo e os elementos sobre eles efectuaram. Tem que os conhecer antes da sua intervenção e tem que os antecipar, imaginando o que eles continuarão a fazer depois da execução do seu desenho (MONTEIRO; CASTEL-BRANCO; FONSECA, 1999, p. 143).

Papel importante nesta estratégia de desenvolvimento científico-econômico tiveram as chamadas “viagens filosóficas”, às quais o botânico paduense dedicou grande atenção, e das quais foram protagonistas os naturalistas por ele formados na Universidade de Coimbra e os correspondentes acadêmicos devidamente instruídos (FARIA, 2001, p. 148).