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Da origem às diferentes formas do desenvolvimento capitalista

I. (RE)LEITURA DO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA

I.1. Da origem às diferentes formas do desenvolvimento capitalista

A teoria de evolução social e econômica, segundo Hobsbawm (1991: 16-17), ao introduzir o livro “Formações econômicas pré-capitalistas” se dá pelo progresso natural a partir do momento em que o homem alcança elevado grau de emancipação em relação à natureza e começava exercer seu domínio sobre a mesma. Nessa circunstância, o excedente produzido e a troca perdem a finalidade de uso, a manutenção do produtor e de sua comunidade passa a dar espaço para produção de mercadorias afastando o homem de sua relação espontânea com a natureza.

O afastamento é para Marx a separação do trabalhador de seu laboratório natural, a terra, completando o fenômeno quando o trabalhador é reduzido à simples força de trabalho. A produção, portanto, passa a ter a separação total entre uso, troca e acumulação transformando as relações originais no processo de individualização humana.

Tão logo as coisas se tornam mercadorias no exterior da comunidade, tornam-se também por repercussão mercadorias no interior da vida comunal. Sua relação quantitativa de troca é por enquanto inteiramente casual. São permutáveis pela vontade de seus possuidores de aliená-las reciprocamente. Nesse meio tempo se consolida, pouco a pouco, a necessidade por objetos de uso estrangeiros. A constante repetição de troca transforma-a em um processo social regular. Com o correr do tempo, torna-se necessário, portanto, que parte do trabalho seja intencionalmente feita para a troca. A partir desse momento, consolida-se, por um lado, a separação entre a utilidade das coisas para as necessidades imediatas

e sua utilidade para troca. Seu valor de uso dissocia-se do seu valor de troca. Por outro lado, torna-se a relação quantitativa, em que se trocam, dependente de sua própria produção. O costume fixa-as como grandeza de valor (MARX, 1983; Livro I, V.1: 82).

A propriedade perde seu sentido original. A relação do homem com suas condições de produção e as atitudes em relação às condições naturais deixam de serem pré-requisitos da própria existência. Ao desatrelar a propriedade da condição de produção, a riqueza é determinada a partir do momento em que se encontram trabalhadores livres ou meios de subsistências, matérias primas que, em outras circunstâncias, seriam propriedades das massas, mas com a transformação se tornam também livres e disponíveis para venda (MARX, 1991: 101).

Portanto “o processo histórico não é o resultado do capital, mas seu pré-requisito. Por meio do processo, o capitalista se insere como um intermediário (histórico) entre a propriedade da terra ou qualquer tipo de propriedade e o trabalho” (MARX, 1991: 102) e, assim, ao longo do tempo vai se apropriando das relações e determinando as condições necessárias para sua reprodução e expansão.

A estrutura social que se baseava na reprodução simples, dinamizada por grupos de parentesco com divisão interna do trabalho, com geração de excedentes e que estabelecia trocas mercantis, com o dinheiro como equivalente de riqueza constitui as relações de incertezas e explicitamente os jogos de interesses, complexificando as relações sociais. O sistema de uso tem sua desintegração no crescimento do comércio.

Ao compreender “A grande transformação”, Polanyi (1980) afirma que a produção e sua distribuição deixam de ser estabelecidas a partir dos princípios de reciprocidade, redistribuição e domesticidade. Isso acontece quando a produção e a distribuição passam a ter o lucro no horizonte e as relações são intermediadas pela propensão a barganhar, sendo estabelecida com a consolidação dos mercados. Uma das consequências é a transformação da sociedade em acessório10 do sistema econômico, muito embora os mercados, inicialmente, não controlassem a sociedade, a mesma vai se moldando para que o sistema funcionasse a partir das próprias leis e em função das expectativas de atingir a maximização monetária.

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Em Marx (1984, Livro I, v.2: 158) encontramos a seguinte sentença “do ponto de vista social, a classe trabalhadora é, portant o, mesmo fora do processo direto do trabalho, um acessório do capital, do mesmo modo que instrumento morto de trabalho. Mesmo seu consumo individual, dentro de certos limites, é apenas um momento do processo de reprodução do capital. O processo porém, faz com que esses instrumentos de produção autoconscientes não fujam ao remover constantemente seu produto do polo deles para o polo oposto do capital. O consumo individual cuida, por um lado, de sua própria manutenção e reprodução, por outro, mediante destruição dos meios de subsistência, de seu constante reaparecimento no mercado de trabalho.

Em O Capital, Marx (1983; Livro I, v.1: 65) já evidenciava que “não é a troca que regula a grandeza de valor, mas, ao contrário, é a grandeza de valor da mercadoria que regula suas relações de troca”. Fazendo da sociedade refém do mercado e a produção passa a não mais responder às necessidades de reprodução, mas sim aos anseios das relações sociais, estimulando constantemente novas possibilidades e necessidades, o que fomenta a capacidade capitalista bem como a acumulação de capital.

O modo de produção capitalista tem sua gênese deslocando a forma trabalho, de produto valor de uso para forma mercadoria, valor de troca, e se desenvolve com a possibilidade de acumular capital. Independente dos meios, o fim é sempre o mesmo, o lucro.

A gênese do capitalismo é um processo histórico único, originário, que marca a origem do modo de produção que por sua natureza, abrange mercadorias de todos os modos de produção situados fora do seu estágio de desenvolvimento (NASCIMENTO, 1983: 39).

O pensamento exposto por Nascimento (1983) tem origem no desenvolvimento do modo de produção capitalista para Marx, para quem o desenvolvimento tem sua condição inicial no capital mercantil. Independente da origem e da forma do produto-mercadoria, o importante é a mercadoria e a relação que essa estabelece na troca.

Qualquer que seja o modo de produção donde saem os produtos que entram na circulação como mercadorias, seja a comunidade primitiva, a produção escravista, a da pequena agricultura burguesa ou capitalista, não altera o caráter delas como mercadoria e, como tais, tem de passar pelo processo de troca [...] O capital mercantil supõe os extremos os quais medeia: basta que esses extremos existam como mercadorias (MARX, 1986; Livro III, v.5: 375).

A condição deixa de ser ponto de partida e se perpetua como resultado da própria produção capitalista em consequência da reprodução simples: o capital é transformado em capital acumulado no processo de produção o qual passa a ser também o processo consumidor da força de trabalho pelo capitalista. O produto do trabalho deixa de ser “apenas” mercadoria para ser capital - “valor que explora a força criadora de valor, em meios de subsistência que compram pessoas, em meios de produção que empregam o produto” 11

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Marx, usa a expressão “o consumo do trabalhador é de dupla espécie” para explicitar como ação que sustenta tanto o capitalista quanto o trabalhador12. O autor afirma que a

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Cf: Marx (1984; Livro I, v.2: 156).

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Nos dizeres de Marx, na própria produção, ele (o trabalhador) consome meios de produção, mediante seu trabalho, e os transforma em produtos de valor mais elevado que o do capital adiantado. Esse é seu consumo produtivo. Ele é simultaneamente consumo de sua força de trabalho pelo capitalista que a comprou. Por outro lado, o trabalhador utiliza o dinheiro pago pela

“evolução” do capital se dá mediante apropriação da mercadoria, inclusive da força de trabalho, sendo que a contínua reprodução simples amplia o capital para forma acumulada e essa se alastra pela sociedade, estimulando cada vez mais necessidades e possibilidades de fazer e obter o lucro. Dada devida atenção, a condição material da conversão de renda em capital, Marx, assume a expressão de Sismondi para explicar o movimento, a espiral, como escala progressiva que realiza mediante a incorporação de força de trabalho adicional que retroalimenta e faz expandir o capital inicial.

Não que se deva compreender o desenvolvimento capitalista como fez Marx, mas sim a partir dos conceitos e entendimentos usados por ele para interpretar a realidade atual, a construção da práxis, fazendo uso do método, para entender o material, tendo claro, que é a situação concreta no interior da qual os indivíduos estão inseridos é que possibilita suas histórias, logo interpretando o modo de produção capitalista com suas diferentes condições e interesses concretos, pois novas relações são criadas, mantidas ou excluídas.

Nesses termos, é preciso ter clareza que por mais correta a explicação acerca do desenvolvimento do capital sempre estará tratando de uma forma reificada, transformando em coisa o conjunto de indivíduos que se relacionam por interesses diversos. Mais do que isso, significa ter o entendimento que o modo de produção capitalista não só se apropria e altera a realidade em função da acumulação, como ele próprio se altera para continuar reproduzindo sua lógica sem seguir uma cronologia. É como se tivesse aprendido que, para continuar se perpetuando, faz necessário tomar distintas formas, estabelecer relações diversas, gastando menos para obter mais.

Por esse prisma, é possível afirmar que o desenvolvimento do modo de produção capitalista não tende exclusivamente às relações entre capitalistas e trabalhadores assalariados, mas sim às inúmeras formas que os capitalistas adotam para deter os meios de produção, garantir a mercadoria, gerar mais-valia e acumular capital13. Caso contrário, onde não tivesse proletariado não teria a lógica do capitalismo interferindo nas relações. Mas em que lugar o capitalismo não

compra da força de trabalho em meios de subsistência: esse é seu consumo individual. O consumo produtivo e o individual do trabalhador são, portanto, inteiramente diferentes. No primeiro, atua como força motriz do capital e pertence ao capitalista; no segundo, pertence a si mesmo e executa funções vitais fora do processo de produção. O resultado do primeiro é a vida do capitalista, o do outro é a vida do próprio trabalhador (MARX, 1984; Livro I, v.2: 156-157).

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A finalidade é a valorização do capital, a produção de mercadorias que contenham mais trabalho do que ele paga, portanto, que contenha uma parcela de valor que nada lhe custa e que, ainda assim, é realizada pela venda de mercadorias. Produção de mais- valia ou geração de excedente é a lei absoluta desse modo de produção trabalhador (MARX 1984; Livro I, v.2: 190).

está? E, ainda, se as relações são condicionadas pela dinâmica do capital, a questão é em que medida o capital interfere nas relações?

Notadamente que o desenvolvimento do capitalismo, principalmente no que diz respeito a sua expansão no Brasil e na Amazônia, não pode ser tomado pela interpretação à época de Marx, ou seja, que acumulação do capital seja a multiplicação do proletariado14, mas sim que a acumulação do capital se dá pela multiplicação de seus recompensados, no sentido de que o capital passou adotar formas além dos salários para se apropriar da força de trabalho e da mercadoria, nunca deixando de ostentar o lucro. Portanto, o movimento do capital deve ser considerado em cada leitura como momento dialético, ainda que os princípios sejam mantidos.

Nesses termos a seleção natural (Darwin, 2008) continua, não sendo mais ao acaso e nem sempre para eliminação. A seleção passa a ocorrer muito mais no sentido de apropriar, condicionar, determinar os menos aptos a obterem resultados (lucros) facilitados para os mais hábeis. Não ocorrendo a eliminação, mas sim a determinação por parte dos mais fortes, fazendo possível reler a afirmação feita por Oliveira (2003) que a agricultura atrasada (logo a menos apta) financiava a agricultura moderna e a industrialização15.

Oliveira (2003: 130) afirma ainda que “esse conjunto de imbricações entre agricultura de subsistência, sistema bancário, financiamento da acumulação industrial e barateamento da reprodução da força de trabalho nas cidades constituía o fulcro do processo de expansão capitalista”, o referido autor destaca que o caráter produtivo do atraso se faz como condomínio da expansão capitalista.

Há outra concordância com o texto do referido autor no que diz respeito à argumentação da mais-valia absoluta e relativa. Para não correr o risco de fazer o mau uso do texto e considerando essencial a leitura, destaca-se o trecho que trata da argumentação:

Marx chamou os salários de “capital variável”, exatamente porque se trata de um adiantamento do capitalista aos trabalhadores; é “variável” porque sua resultante na formação da mais-valia depende das proporções de emprego da mão-de-obra e dos tempos de trabalho pago e não-pago. Além disso, no lucro como recuperação da mais-valia, ela depende da realização ou não do valor. Ora, a tendência moderna do capital é a de suprimir o adiantamento de capital, mas dependerá dos resultados das vendas dos produtos-mercadorias. [...] No fundo, só a plena validade da mais-valia relativa, isto é, de uma altíssima produtividade

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Reflexão feita por Marx (1984, Livro I, v.2: 188) quando discorria sobre a lei geral da acumulação capitalista.

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Trata-se de uma adaptação do autor por considerar que as idéias explicitadas coadunam, pois Francisco de Oliveira defende que a agricultura atrasada não seria um empecilho para o desenvolvimento (discordando dos cepalinos) pelo contrário é uma forma de baixar os custos de reprodução da força de trabalho nas cidades, desse modo o menos apto não foi eliminado e sim usado pelo mais apto para se reproduzir.

do trabalho, é que permite ao capital eliminar a jornada de trabalho como mensuração do valor da força de trabalho, e com isso utilizar o trabalho abstrato dos trabalhadores “informais” como fonte da acumulação de capital na periferia. (OLIVEIRA, 2003: 136-137).

O capitalismo vai ocupando os espaços com a intenção de cada vez mais estabelecer relações menos formais com o prestador de serviço. Os menos aptos a desenvolverem a lógica capitalista tornam-se os dependentes na visão do capital. Há situações, que para o capital, o melhor é recorrer às formalidades contratuais e, nesse caso, o faz para garantir sua expansão.

O exposto é que o capital não pode ser compreendido a partir de uma única forma, um único tipo de relação. As contradições são manifestadas em diferentes circunstâncias. É preciso entender que o modo de produção capitalista precisou e fez constituir outras classes além dos trabalhadores assalariados como mecanismo de reprodução e expansão da lógica do lucro por meio da mercadoria.

A explicação metafórica para tal compreensão é ter o capital como um „bicho‟ que conseguiu evoluir se evoluindo a ponto de estabelecer tanto relações interespecíficas quanto intraespecíficas (PINTO-COELHO, 2000: 38). Assim, quando necessário garante uma relação coevolutiva (interespecífica), de dois ou mais seres de espécies diferentes se relacionando estreitamente com dependência parcial um do outro para continuar existindo, a competição e a protocooperação são tipos dessa relação. Quando não, o „bicho‟ estabelece relações intraespecíficas, configurando uma divisão do trabalho entre indivíduos da mesma espécie, chegando até à relação de canibalismo, relação pelo qual o indivíduo mata o outro para se alimentar e assim continuar sobrevivendo.

Dessa forma, o ornitorrinco capitalista, acumulação truncada de uma sociedade desigual sem remissão que combina o status rebaixado da força de trabalho com dependência externa (OLIVEIRA, 2003), torna-se maior, mais forte e mais versátil. A diferença em relação à teoria do referido autor é que o „bicho‟ se torna „superdesenvolvido‟, capaz de demonstrar sua máxima força (apropriação, espoliação, degradação, desumanização, etc.) para implantar suas relações em uma sociedade (nação) subdesenvolvida que padece de problemas de desigualdade entre as regiões.

Utiliza-se da expressão „bicho superdesenvolvido‟ para frisar que o modo de produção consegue se manifestar com formas diversas e com mais intensidade por aproveitar dos espaços e das relações de uma sociedade subdesenvolvida, ou seja, conjunto de condições e

relações que uma dada sociedade (nação) tem e estabelece. Muitos leem a teoria do subdesenvolvimento como etapa para o desenvolvimento, tal leitura é errada e danosa para países como o Brasil. É preciso ter clareza de que os problemas são estruturais e não podem ser mascarados com medidas paliativas, pois não resolvem os reais problemas da sociedade, e ainda, acabam nutrindo o „bicho‟ para continuar criando novas formas e, assim, superdesenvolver.

O modo de produção capitalista adota sua condição mais moderna de determinação das relações, passando pela subordinação de uma forma de capital por outra, articulando diferentes nações, regiões em uma estrutura dividida entre exploradores e explorados como condição do processo de acumulação, de modo que a:

[...] intrusão do capital pode não causar grande modificação aparente nas condições sob as quais o trabalho é executado, mas causa alteração enorme nas relações pessoais entre o trabalhador e seus companheiros, quando reduzido a uma posição de dependência (DOBB, 1977: 22).

O Brasil, em geral, mas especialmente a Amazônia, é exemplo de território onde o „bicho‟ toma seu status de „superdesenvolvido‟ devido às condições anacrônicas em que se encontra, permitindo engendrar distintas relações sociais que facilitam a perpetuação do capital. Nesse sentido, em determinadas circunstâncias ao invés de alterar a forma de apropriação, usurpando do trabalhador o seu direito, provoca a dependência como única forma de reprodução e sobrevivência.