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Da possibilidade de existência de “Filosofias Nacionais” e de uma “Filosofia da Educação

O espírito sopra por toda a parte onde as criações do homem tenham lugar, mas ele não tolera que se lhe demarquem fronteiras. Pretender o contrário, é petrificá-lo (Coxito, 1992: 307).

As bodas com a pátria são como o matrimónio religioso, um sacramento que não admite divórcio. Renunciar à pátria é uma das formas ínfimas de degeneração moral do homem... (Figueiredo, 1929: 132).

A problematização da possibilidade de existência de Filosofias nacionais não é, de todo, uma temática original e em Portugal, à semelhança do sucedido noutros países, este problema tem potenciado tomadas de posição, por vezes extremadas, por parte dos filósofos do nosso país.

Considerada, por vezes, como sendo uma vexata quaestio, a questão da existência de uma Filosofia portuguesa, com características sui generis, tem sido tema recorrente na produção filosófica realizada no nosso país, presente em obras, publicações periódicas, entrevistas, debates, seminários, conteúdos programáticos de leccionação e disciplinas leccionadas.

Não podendo ser, de algum modo, rotulada como questão ociosa, a reflexão sobre a existência de uma História nacional de cultura filosófica capaz de proporcionar uma visão e compreensão da singularidade do espírito do povo português, encarando-o como unidade cultural diferenciada supõe, inevitavelmente, a existência de uma consciência colectiva na comunhão de um ideal comum.

Porém, sabendo que “a convicção da existência dum longo espírito latente às diferentes manifestações culturais de um povo, ao longo da sua história, supõe uma índole acentuadamente metafísica”, a defesa da permanência de um certo modo de ser português “é um ponto de vista apriorístico” (Coxito, 1992: 302), cuja comprovação histórica se revela discutível.

Importa, então, considerar o paradoxo da questão: por um lado surgem os argumentos apresentados pelos filósofos que, tal como Joaquim de Carvalho, defendem o postulado que “o Génio Nacional, como unidade viva e livre, se deveria reflectir na Filosofia” (1916: 3), contra a argumentação sustentada na perspectiva que acredita que “o único elemento que, dalgum modo, nos permite falar da influição da nacionalidade sobre a Filosofia é o facto da reflexão do filósofo nascer com a marca do tempo e do lugar não tendo, porém, que invocar- se o determinismo dum factor espiritual que, como vínculo, unisse os diversos pensadores duma mesma nação e imprimisse carácter distintivo ao pensamento de todos” (Coxito, 1992: 303).

Perante tal paradoxo, o busílis da questão prende-se com o propósito de demonstrar, historicamente, a existência de predilecções por certos problemas filosóficos e alusivas repercussões educacionais, no nosso país, em determinadas épocas, consequentes de factores concretos e, por vezes, extrínsecos à nossa geografia, raça e língua, atendendo a que a História do pensamento filosófico português se revela impregnada pelas tantas influências oriundas de outros países.

Assim sendo, o importante será interrogar o relevo e a densidade ontofenomenológicos do discurso filosófico-educativo e analisar a compreensão filosófica decorrente da sua teorização educacional, tentando fazer com que a própria possibilidade de interrogar filosoficamente o tema da Filosofia da Educação portuguesa seja, em si mesma, condição de optimização da compreensão filosófico-educacional nacional.

Nessa consonância, os próprios primórdios da teorização da educação nacional, levados a cabo por um português inserido no mundo académico fora de Portugal revela, desde logo, a importância da influência do contacto estabelecido com o pensamento estrangeiro na formulação de uma obra pedagógica que, durante alguns séculos, obteve reconhecimento no mundo académico nacional e internacional.

Contudo, a História da Filosofia em Portugal contém um período incandescente respeitante à defesa de um filosofar tipicamente português, ou seja, o século XX e os filósofos da Renascença Portuguesa.

Apostados em afirmar a ideia de existência de uma relação íntima entre a raça e a cultura, os pensadores agregados ao movimento da Renascença Portuguesa, nomeadamente, Leonardo Coimbra, Teixeira de Pascoaes, Álvaro Ribeiro, entre outros, em

certa parte influenciados pelo pensamento de Sampaio Bruno, defenderam, acerrimamente, a tese que postula “que a nossa Filosofia reflecte uma tradição peculiar ou um espírito que se terá mantido substancialmente idêntico para além das suas vicissitudes históricas” (Coxito, 1992: 305).

Defendendo a existência de uma tradição filosófica nacional como produto de uma simultânea concepção espiritual específica do povo português, os filósofos da Renascença Portuguesa,pela defesa deste ideal, inauguraram a possibilidade de conceber problemas, relacionados com a ipseidade da idiossincrasia dos portugueses, entre os quais o da saudade será “o que mais promete e o que mais aguarda quem lhe desvende o potencial de filosofemas com coerência lógica e consistência doutrinal” (Carvalho, 1986: 227).

Na obraO Problema da Filosofia Portuguesa, de 1943, Álvaro Ribeiro insurgiu-se contra a “persistente passagem de atestados de incapacidade especulativa passada aos portugueses” propondo a refundação de uma Filosofia genuinamente portuguesa, ou seja, “a Filosofia própria da fisionomia nacional” (Barata-Moura, 1998: 265).

O modo português de filosofar, isto é, o modo português de atingir o conhecimento supranormal de uma realidade sobrenatural, é perfeitamente aristotélico porque está relacionado com as artes da palavra. O modo português de filosofar consiste em erguer a palavra libertada à altura do pensamento, e procurar depois atingir a mais pura região do espírito (Ribeiro, 1957: 26). Neste seguimento, será admissível que, com base na análise à instância de um sentimento tipicamente português na produção filosófica nacional, poderá ser encontrada forma de legitimar um certo tipo de Filosofia portuguesa diferenciada, “embora a sua autonomia e irredutibilidade apareçam atenuadas pela fuga a um nacionalismo estreito” (Coxito, 1992: 308).

Tratando-se o projecto empreendido pelos intelectuais da Renascença Portuguesa

marcado por um cunho educacional, apostado na defesa da liberdade pelo ensino, as concepções filosóficas nacionalistas, promovidas por esta geração de pensadores, inaugurou um modo de reflectir, filosoficamente, sobre os problemas da educação nacional, cuja influência se repercutiu ao longo da História da Filosofia da Educação em Portugal.

Equacionada na perspectiva da sua genealogia e desenvolvimento histórico, a problematização da Filosofia portuguesa e o estreitamento da sua relação com as temáticas educativas, melhorou a definição dos seus contornos na esteira da difusão do idearium da

Renascença Portuguesa pela via da consciencialização de uma “tradição e de pedagogicamente a promover, apelando à actualização da possibilidade – prospectiva, futurista e até mesmo messianicamente entrevista – da sua legítima explicitação filosófica” (Borges, 1990: 619).

A exaltação da nacionalidade, como especificidade ideativa, sentimental e expressiva, detentora de uma metafísica, de uma estética e de uma sociologia implícitas, foi factor comum à reflexão filosófica e à problematização pedagógica avançada pelos elementos dos movimentos da Renascença Portuguesa e do Orpheu.

Uma vez que o grupo que, entusiasticamente, promoveu a possibilidade de existência de uma Filosofia Portuguesa foi o mesmo que potenciou a teorização pedagógica de base filosófico-educacional, analisar as repercussões do cunho metafísico, antropológico, poético, saudosista, personalista e existencialista ao longo da História da Filosofia da Educação em Portugal, será um desafio a enfrentar ao longo das páginas que se seguem.