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6. A Pedagogia Filosófica e a Filosofia da Educação Escolar da Universidade de Coimbra

6.3. Ethos dos filósofos da educação da Universidade de Coimbra

Passando ao estudo doethos dos filósofos da educação da Universidade de Coimbra, importa destacar dois Professores: João Boavida e Joaquim Neves Vicente.

Começando pelo contributo de João Boavida na consolidação disciplinar e na divulgação do saber filosófico-educativo, importa começar por referir que este Professor tem como formação académica de base o curso de licenciatura em Filosofia, concluído na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra em 1968 e, como formação pós-graduada, o curso de doutoramento no ramo de Psicologia com especialidade em Ciências da Educação, concluído em 1989, com a apresentação da tese à Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, intitulada A Filosofia do Ser e do Ensinar. Proposta Para uma Nova Abordagem78 e o curso de Psicopedagogia realizado na Université Catholique de 77 Talvez tenha sido esta a razão que levou Neves Vicente a escolher Leonel Ribeiro dos Santos (à data, Professor

Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e responsável pela docência disciplinar de Filosofia da Educação) para assegurar a orientação da sua tese de doutoramento, após a orientação a cargo de Miguel Baptista Pereira (que, além de grande autoridade em matérias alusivas à Antropologia Filosófica, foi um Humanista, no mais elevado sentido do termo) ter sido interrompida por razões de força maior. Uma vez que a perspectiva filosófico-educativa do Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, além de se inscrever numa linha de pensamento filosófico-educativo clássico, no sentido em que defende como propósito maior da Filosofia da Educação reflectir sobre a educação do ser humano como modo de o preparar para a vida, se revela alicerçado por uma fundamentação marcadamente filosófico-antropológica.

78 No compêndio intitulado20 Anos da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação. Volume

Louvain - UCL.

Professor inaugural da disciplina de Filosofia da Educação, no âmbito do curso de licenciatura em Ciências da Educação, desde o ano académico 1991-1992, João Boavida defendeu a necessidade de clarificar filosoficamente o que é e o que deve ser a educação (2002).

A educação põe questões que não podemos evitar e que só filosoficamente podemos resolver (Boavida e Dujo, 2007: 16).

Na rota desse propósito, aquele que futuramente viria a realizar Provas de Agregação em Filosofia da Educação nesta Instituição, apostou na construção de um programa disciplinar filosófico-educativo, aspirando a que o aluno seja capaz de submeter o fenómeno educativo a uma actividade de análise e de interpretação.

Programa 12

UNIVERSIDADE DE COIMBRA

FACULDADE DE PSICOLOGIA E CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

Licenciatura em Ciências da Educação

Disciplina de Filosofia da Educação Ano lectivo 1991-1992

Docente: João José Matos Boavida

Programa curricular

1. Introdução à Filosofia da Educação

1.1. A actividade filosófica – sua natureza e função 1.2. Filosofia da Educação – natureza, função e objectivos

1.3. Sistemas filosóficos – sistemas educativos; análise da sua relação e interdependência 1.4. Filosofia como explicitação teórica do implícito ou como dedução a partir de princípios 1.5. Áreas de Intervenção da Filosofia da Educação

1.6. Objectivos para a Filosofia da Educação 2. Pressupostos e Constantes da Acção Educativa

2.1. A indefinição biológica, a variabilidade antropológica e a constante socializadora 2.2. Natureza e cultura, socialização e libertação. A conflitualidade educativa

2.3. Os pressupostos educativos: acção, sentido, finalidade, consciência, liberdade, responsabilidade, hierarquia e valor

2.4. Educação e massificação, auto e hetero-educação e condicionamento, perenidade e transitoriedade de valores

2.5. Os problemas fundamentais: possibilidade educativa, crise e superação, perfectibilidade 2.6. A educabilidade

3. Estrutura e sentido da relação educativa

3.1. A relação educativa – sua análise e caracterização 3.2. A educação concebida como in facto esse e como in fieri

3.3. Análise e caracterização das teorias idealistasversus teorias realistas e pragmáticas, ou teorias essencialistas versus teorias realistas

4. Procura teleológica de um sentido

encontra equivocamente mencionado que se trata de um“doutoramento em Ciências da Educação com especialidade em Filosofia da Educação” (AA. VV, 1998: 62).

4.1. O homem intemporal das chamadas “filosofias perenes”. Tomismo, neo-tomismo e kantismo 4.2. Marxismo: pressupostos, conceitos fundamentais, modelo de homem e de sociedade

4.3. O Existencialismo: situação existencial do homem. O eu e o outro, o conceito de angústia, a liberdade

4.4. A Psicanálise: O freudomarxismo de Frankfurt, o anarquismo pós-psicanalítico 4.5. Não directividade: pontos de partida, concepção educativa e prática. C. Rogers.

4.6. Personalismo. O homem como pessoa, a dimensão objectiva e subjectiva. Emanuel Mounier e Paulo Freire.

Objectivos Principais

1. Proporcionar a compreensão do fenómeno educativo – natureza e características – e a sua interpretação à luz e uma compreensão filosófica da vida e do homem

2. Adquirir informação rigorosa e fundamentada das implicações educativas – implícitas ou explicitas – das mais importantes teorias filosóficas

3. Adquirir competências de análise das situações educativas e do fenómeno educativo em geral, e produzir sínteses a partir dessas análises e em coerência com determinadas concepções teóricas. O aluno deverá ser pois, capaz de submeter o fenómeno educativo a uma actividade de análise e interpretação.

Métodos de ensino

Expositivo, tendo em consideração os importantes contributos que (este método tradicional) tem dado à investigação pedagógica, e enriquecido com frequente solicitação da análise crítica dos alunos.

Bibliografia fundamental

- ADAMS, J. (1960). Evolucion de la teoría educativa. México: Editorial Hispano Americana.

- ARCHAMBAULT, R. (1972). Philosophical analysis and education. London: Routledge & Kegan Paul. - BINKLEY, L. (1969).Conflict of ideas, changing values in western society. New York: Van Nostrand Reinhold Company.

- BRAUNER, C. J. y BURNS, H. W. (1969).Problemas de educación y filosofía. Buenos Aires: Editorial Paidos.

- BRUBACHER, J. S. (1964). Filosofías modernas de la educación. México: Editorial Letras, S.A. - CABANAS (1988). Teoría de la educación. - concepción antinómica de educación. Madrid: Dykinson. - CAÑELLAS, A. C. (1982).Teoría y metateoria de la educación. Un enfoque a la luz de la teoría general de sistemas. México: Editorial Trillas.

- CLAUSSE, A. (1976). A relatividade educativa. Coimbra: Almedina. - ESTÉBANEZ, P. (1981). Teoría de la educación. México: Editorial Trillas.

- FERMOSO, P. (1982). Teoría de la educación – una interpretación antropológica. Barcelona: CEAC. - FERRERO, J. J. (1985).Teoría de la educación, fenomenología del hecho educativo. Bilbao: Universidad de Deusto.

- FULLAT, O. (1983). Filosofías de la educación. Barcelona: CEAC. - MASOTA (1989). Filosofía de la educación hoy. Madrid: Dykinson.

- MOORE, T. W. (1980). Introducción a la teoría de la educación. Madrid: Alianza Editorial.

- NASH, P. (1968).Models of a man, explorations in the western Educational Tradition. New York: John Wiley & Sons, Inc.

- O'CONNOR, D. J. (1977). Introdução à Filosofia da Educação. São Paulo: Editora Atlas. - PETERS, R. S. (1977). Filosofia de la educación. México: Fondo de Cultura Económica. - SARRAMONA, J. (1989). Fundamentos de educación. Barcelona: CEAC.

- SUCHODOLSKI, B. (1978). A pedagogia e as grandes correntes filosóficas. Lisboa: Livros Horizonte. - WOODS, R. B. y BARROW, R. C. (1975). Introducción a la Filosofía de la educación. Salamanca: Ediciones Anaya.

Fonte:Guia do Estudante. Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação. Universidade de Coimbra. Ano lectivo 1991-1992. pp.166-168.

A concepção de Filosofia da Educação defendida por João Boavida começa por diferenciar a perspectiva metafísica, entendida como processo essencialmente dedutivo que parte dos sistemas filosóficos procurando deles retirar conclusões e aplicações práticas para a educação, da perspectiva da analítica, compreendida como análise crítica sobre as situações educativas concretas para daí apurar o seu enquadramento e fundamento filosófico.

De acordo com a perspectiva metafísica, o filósofo da educação, na condição a priori de filósofo, tenderá a justapor os conceitos filosóficos à educação, transformando a educação numa aplicação da Filosofia.

Segundo a perspectiva analítica, o filósofo da educação deverá analisar filosoficamente a educação, entendendo-a como ponto de partida do desenvolvimento quotidiano da realidade social e cultural.

Problematizando a viabilidade de reflectir sobre as grandes questões filosóficas sem partir da reflexão sobre as experiências e as vivências educativas, Boavida defendeu a análise crítica da realidade educativa como propósito maior da Filosofia da Educação.

... nós reafirmamos que a análise crítica das experiências e das vivências, dos sucessos e dos insucessos, a revalorização dos pequenos e dos grandes gestos presentes nas práticas educativas que tornam o real e o potencial de cada um e abrem o horizonte das possibilidades (o possível está quase sempre no potencial de cada pessoa), pode vir a ser a tarefa de uma Filosofia da Educação apta a recuperar as ideias que geram as grandes razões educativas que actualmente nos faltam (Boavida e Amado, 2008: 277).

Cepticamente posicionado face à eventualidade da Filosofia da Educação poder tecer sínteses totalizadoras e universalizantes sobre a educação, Boavida afirmou que esta não se poderá colocar nem acima nem fora da educação, sendo o quadro das Ciências da Educação, por inerência, o seu lugar de pertença.

O entendimento do sentido da Filosofia da Educação, proposto por Boavida, encontra-se reflectido no programa curricular da disciplina e revela-se conforme ao corpo discente ao qual é dirigido. Ciente da possibilidade de perspectivar a Filosofia da Educação de dois modos diferentes, a opção pela perspectiva analítica foi acreditada por Boavida como sendo a mais apropriada para leccionar a disciplina de Filosofia da Educação aos alunos do curso de licenciatura em Ciências da Educação.

Avançando para a abordagem à dedicação de Joaquim Neves Vicente na instituição disciplinar da Filosofia da Educação e na divulgação do saber filosófico-educativo na

Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, importa começar por destacar a consistente formação filosófica do docente, toda ela realizada nessa mesma Faculdade. Bacharel, Licenciado, Mestre e Doutor em Filosofia, o percurso de pesquisa de Neves Vicente revela uma conformidade constante com a sua prática docente.

A sua tese de mestrado em Filosofia, na especialidade de Didáctica da Filosofia, intitulada

Educação, Diálogo e Filosofia na Acção e no Pensamento Pedagógico de Paulo Freire foi apresentada, em 1991, à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, tendo sido redigida sob a orientação de Miguel Baptista Pereira.

Ao ter decidido avançar com o projecto de doutoramento, na mesma área de especialidade, Neves Vicente decidiu continuar a trabalhar com o mesmo orientador. No entanto, a sua tese, intituladaEducação, Retórica e Filosofia a Partir de Olivier Reboul: Subsídios Para uma Filosofia da Educação Escolar, foi orientada, a partir de 2006, pelos Professores Leonel Ribeiro dos Santos e António Manuel Martins79.

Docente pioneiro da disciplina de Filosofia da Educação na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, o filósofo elaborou, a partir do ano académico 1998-1999, um programa curricular para a disciplina, eminentemente imbuído de espírito filosófico.

Programa 13

UNIVERSIDADE DE COIMBRA

FACULDADE DE LETRAS

Filosofia da Educação (Disciplina de Opção)

Ano lectivo 1998-1999 Docente: Joaquim Neves Vicente

Programa disciplinar

1. Educação e Filosofia

1.1. Da Filosofia na Educação e da Educação na Filosofia 1.2. Do sentido de uma Filosofia da/na Educação

1.3. Tarefas de uma Filosofia da Educação 2. Os discursos e os saberes da Educação

2.1. As duas lógicas dos discursos em educação: explicação versus compreensão 2.2. A rede conceptual da educação

2.3. Os saberes disciplinares

2.4. O pensamento pedagógico contemporâneo 3. Educação e antropogénese

3.1. O enigma humano

3.2. A estrutura educanda do ser humano

79 As intempéries da vida forçaram Neves Vicente a procurar nova orientação, tendo sido nessa circunstância que,

a partir de 2006, Leonel Ribeiro dos Santos, Professor Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e António Manuel Martins, Professor Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, passaram a orientar a sua tese de doutoramento.

3.3. A educação como conteúdo: concepções antropológicas/correntes pedagógicas 4. Educação e valores

4.1. Da experiência axiológica aos critérios educativos 4.2. Os valores do/no mundo contemporâneo

4.3. Fundamentos axiológicos da educação 5. Educação, crítica e cidadania

5.1. Da educação como socialização à educação como emancipação 5.2. Da educação como reprodução à educação como transformação social 6. A interacção educativa

6.1. Reciprocidade educativa e relação pedagógica 6.2. Educação, linguagem e comunicação

6.3. Educação e Currículo. O que é necessário ensinar?

Metodologia

Aulas práticas: Análise e comentário de textos clássicos em Filosofia da Educação.

Bibliografia Geral

- BERNARD, M. (1988). Critique des fondements de l'éducation. Paris: Éditions Chiron. - BOHM, W. (1995). Teoría y Práctica. El problema básico de la Pedagogia. Madrid: Dykinson.

- CAMBI, F. (1995). I Saperi dell'Educazione. Aree de ricerca e insegnamento universitário. Firenze: La Nuova Italia.

- CARR, W. (1996).Una teoría pata la educación. Hacia una investigación educativa crítica. Madrid: Morata.

- CARR, W. y KEMMIS, S. (1988). Teoría crítica de la enseñanza. Barcelona: Martínez Roca. - CARVALHO, A. D. (1988). Epistemologia das Ciências da Educação. Porto: Afrontamento. - CHARBONNEL, N. (1988). Pour une critique de la raison éducative. Berne: Peter Lang. - DEWEY, J. (1971). Démocratie et Éducation. Paris: Armand Colin.

- ESCOLANO, A. (1978). Epistemología y educación. Salamanca: Sígueme. - FREIRE, P. (1975). Pedagogia do oprimido. Porto: Afrontamento.

- FULLAT, O. (1984). Verdades y trampas de la pedagogía. Barcelona: CEAC. - FULLAT, O. (1992). Filosofías de la educación. Paideia. Barcelona: CEAC.

- GENNARI, M. (1992).Interpretare l'educazione. Pedagogia, semiotica, ermeneutica. Brescia: Editrice La Scuola.

- GERVILLA CASTILLO, E. (1993).Postmodernidad y educación. Valores y cultura de los jóvenes. Madrid: Dykinson.

- HANNOUN, H. (1995). Anthologie des penseurs de l'éducation. Paris: PUF.

- HIRST, P. H. (1983).Educational theory and its foundation disciplines. London: Routledge and Keagan Paul.

- HOCQUARD, A. (1996). Éduquer à quoi bon? Paris: PUF. - HOUSSAYE, J. (1992). Les valeurs a l'école. Paris: PUF.

- IZZO, D. (1988). L'Educazione tra Filosofia e Scienza. Roma: Armando Editore. - JAEGER, W. (1969). Paideia. São Paulo: Herder.

- JOLIBERT, B. (1987). Raison et éducation. Paris: Ed. Klincksieck. - KAHN, P. (1990). L'Éducation. Approches philosophiques. Paris: PUF. - KECHIKIAN, A. (1993). Os filósofos e a educação. Lisboa: Edições Colibri. - LABELLE, J-M. (1996). La réciprocité éducative. Paris: PUF.

- MAURY, L. (1996). Les origines de l'école laique en France. Paris: PUF.

- MARROU, H-I. (1950). Histoire de l'éducation dans l'antiquité. Paris: Éditions Seuil. - REBOUL, O. (1989). La philosophie de l'éducation. Paris: PUF.

- REBOUL, O. (1982). O que é aprender? Coimbra: Almedina.

- ULMANN, J. (1982). La pensée éducative contemporaine. Paris: J. Vrin. - VV. AA. (1992). La filosofía de la educación en Europa. Madrid: Dykinson.

- VV. AA. (1994). Filosofía de la educación hoy: 2. Autores: selección de textos. Madrid: Dykinson. - VV. AA. (1994). Filosofía de la educación hoy: Diccionario. Madrid: Dykinson.

- VV. AA. (1994).Pour une philosophie de l'éducation (Actes du Colloque Philosophie de l'éducation). Dijon: CRDP.

- WULF, C. (1995). Introduction aux Sciences de l'Éducation. Paris: Armand Colin.

Fonte:Guia do Estudante de Filosofia. Faculdade de Letras. Universidade de Coimbra. Ano lectivo: 1998-1999. pp.19-21.

Seguindo a praxis da tradição académica coimbrã, Neves Vicente elaborou umasebenta,

que compreendia um conjunto de textos e apontamentos, intitulada Filosofia da Educação – Apontamentos e textos de apoio às aulas, que visava auxiliar o estudo dos discentes da disciplina de Filosofia da Educação.

O projecto filosófico-educativo de Neves Vicente, visando trazer aos problemas da educação um esclarecimento à altura da sua responsabilidade de professor/filósofo, foi o resultado de um longo e amadurecido trabalho de pesquisa e de reflexão em torno das mais díspares orientações pedagógicas e didácticas que, em momentos diferentes, influenciaram os seus discursos80 e as suas práticas.

Foi a partir destes desafios que fizemos e refizemos, ao longo de três décadas, itinerários de leitura, construímos e descobrimos projectos de investigação, nos entusiasmamos e nos desiludimos com teorias psicológicas e sociológicas da educação, fizemos e desfizemos materiais didácticos, construímos e deitámos fora dispositivos supostamente bons para o B. Skinner behaviorista de A Revolução Científica da Educação, mas contestados pelo J. Bruner cognitivista d oProcesso de Educação, seguimos mais Jean Piaget até descobrirmos Lev Vygotsky, preferimos Paulo Freire a Ivan Illich, sem nos entusiasmarmos alguma vez por Alexandre S. Neil ou Carl Rogers, mas também sem deixarmos de ter em conta as suas críticas à educação tradicional. Sociologia da educação por sociologia da educação, cedo trocámos a sociologia pessimista e derrotista de Pierre Bourdieu, despertados pelasociologia crítica e emancipatória da Escola de Frankfurt e pelateoria crítica da educação de H. A. Giroux ou W. Carr. Psicologia da educação por psicologia da educação, em boa hora descobrimos apsicologia cultural do último Bruner para relativizarmos a psicologia da criança de Edouard Claparède ou a psicopedagogia de Jean Piaget (Vicente, 2008: 539).

O resultado de uma tão aturada deambulação pelos campos científicos da pedagogia, da didáctica, da Psicologia da Educação e da Sociologia da Educação, conduziu Neves Vicente a 80 No que se prende com os discursos teóricos publicados por Neves Vicente no campo da Filosofia da Educação

interessa mencionar: VICENTE, J. N. (1988). Educação, Escola e Filosofia – Um Mesmo Combate. In AA. VV.A Filosofia face à cultura tecnológica. Coimbra: APF. pp. 36-43; VICENTE, J. N. (1988). Relação Pedagógica e Filosofia. InRevista Portuguesa de Pedagogia. Ano XXII. pp. 293-311; VICENTE, J. N. (1991). Educação e Projecto(s) Educativo(s): contributos da(s) filosofia(s) e da(s) ciência(s). In A Metodologia da Investigação em Educação. 2º vol. (Actas du Colloque International de l'AIPELF – Lisboa, 1988). Lisboa: Faculdade de Psicologia e e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa.

buscar, no campo de produção cultural da Filosofia da Educação em geral e no pensamento filosófico-educacional de Olivier Reboul em particular, uma ideia reguladora de educação, de escola, de cultura e de cultura escolar capaz de repensar a educação escolar em sede de razão filosófica.

Reconhecendo em Olivier Reboul o mérito de, num tempo de euforia pelas Ciências da Educação, ter chamado a Filosofia para a reflexão sobre a educação, Neves Vicente encontrou no filósofo da educação de Estrasburgo o verdadeiro sentido da Filosofia da Educação. Concebida como dimensão “problemática, aporética e paradoxal” em oposição a uma dimensão “estritamente analítica” que acreditava que o conhecimento sobre a educação era susceptível de ser reduzido a um “conhecimento ex datis “(2008: 395).

Advogando como tarefa primordial da Filosofia da Educação a problematização, Neves Vicente, na linha de pensamento de Reboul, defendeu que a educação deve ser pensada sob o modo do cuidado e da preocupação e não sob o modo da especulação e do interesse meramente teórico ou técnico característico das ditas Ciências da Educação.

Assim sendo, o filósofo da educação da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, pretendendo criar condições capazes de elevar os alunos dos cursos de licenciatura em Ensino, mormente os do curso de licenciatura em Filosofia, ao nível crítico da razão educativa, elaborou um programa disciplinar filosófico-educacional apostado em colocar questões de difícil resolução, cuja solução se sabe a priori incerta, e que, por isso, deve conduzir à disputatio filosófica, ou seja, ao filosofar.

Avalizando o benefício de complementar a lectio magistral com a análise e comentário de textos clássicos de Filosofia da Educação, a bibliografia seleccionada por Neves Vicente, revela uma coerência e adequação notória face ao programa disciplinar, sendo quase sempre possível estabelecer a correspondência entre os eixos/conteúdos programáticos e as obras recomendadas.

Assegurando o contacto directo dos alunos com o pensamento educacional de filósofos de alta estirpe81 e promovendo a problematização como teleologia disciplinar, a realidade disciplinar da Filosofia da Educação, sob o ministério docente de Joaquim Neves Vicente, aspirou alcançar a busca de sentido da razão educacional.

81Como por exemplo Carr, Kemmis, Adalberto Dias de Carvalho, Charbonnel, Dewey, Escolano, Freire, Kechikian,

7. Filosofia da Educação Teológica, Estética e Pessoalista da