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2. Filosofia e educação em Portugal

2.2. Fundação da Universidade em Portugal

Nas últimas duas décadas do século XIII, Portugal aspirou à elevação do nível de conhecimentos do Reino e ao aperfeiçoamento da formação intelectual dos seus clérigos. Cientes da importância dos estudos e do papel que estes poderiam desempenhar na sociedade, os prelados de Alcobaça e de Santa Cruz de Coimbra esforçaram-se, de forma exemplar, por conseguir as autorizações necessárias, nomeadamente a régia, a episcopal e a papal, à consolidação da fundação da Universidade10 em Portugal (Carvalho, 2008).

Dando início ao exercício das suas funções, no período compreendido entre os anos de 1288 e 1290, o Estudo Geral da Real Cidade de Lisboa não beneficiou do movimento cultural criador e inovador originário à fundação de algumas das mais célebres Universidades europeias. Inversamente, a fase na qual deverão ser inseridos os seus alvores é a da estabilidade da Instituição universitária. A decisão de criar este Estudo, calorosamente apoiada pelo Rei D. Dinis, coincidiu com o ocaso do período inovador, sofrido nos primeiros anos de funcionamento, de algumas das mais prestigiadas Universidades da Europa, como a de Bolonha e Paris, cuja bandeira foi o princípio da liberdade intelectual do ensino e o direito à discussão (Mattoso, 1997).

Em nome do culto da excelência do saber, paralelo a uma ordem social estabelecida com base na instrumentalização hierárquica inerente ao Estado Monárquico, a criação do Estudo Geral de Lisboa intentou contra a deslocação dos portugueses, aspirantes à aquisição de 9 O filósofo da educação Manuel Ferreira Patrício também reconhece nasSummulae Logicales de Pedro Hispano

a existência de um esforço de teorização da Educação (2000).

10 A palavra Universidade,Universitas, não tinha, na linguagem da Idade Média, o significado que hoje tem. Não

se referia a uma escola, em que todos os ramos do saber estivessem representados, mas a um conjunto de pessoas. Num sentido mais técnico, esse termo significava corporação. Dizia-seUniversitas Magistrorum, se aplicada ao grémio dos mestres;Universitas Scholarium, se atribuída à associação dos estudantes; e, em geral, Universitas Magistrorum et Scholarium, quando abrangia, indistintamente, a totalidade do corpo escolar, docente e discente que, numa unidade de cultura que partilhava um idioma cosmopolita comum, se havia vinculado numa forte e activa comunidade (Veloso, 1931).

uma educação mais completa, para Universidades fora do país e apostou no investimento cultural daqueles que pretendiam dedicar a sua vida à Igreja11 (Mattoso, 1997).

Num enclave, condicionado pela vontade régia e clerical, este Estudo Geral abriu as suas portas, constituído por três Faculdades, sob o propósito de transmitir e receber os conhecimentos já existentes sem a preocupação de os aumentar com outros novos. Neste sentido, as recém inauguradas Faculdades de Artes, Direito e Medicina, dedicavam-se ao estudo dos autores estudados nas Universidades europeias semelhantes a esta (Carvalho, 2008).

No caso da Faculdade de Artes, que na época só funcionou com as disciplinas de Gramática, Lógica e Música, o estudo eminentemente filosófico era centrado, quase exclusivamente, na obra de Aristóteles que era considerada como sendo definitiva e completa nas informações expressas (Carvalho, 2008). A repercussão do Aristotelismo na cultura medieval portuguesa foi notável e, apesar de ter sido efectuada por diversas vias, o influxo principal teve proveniência na Universidade de Paris que, ao longo do século XIII, elevou a sua meritória conotação e, consequentemente, passou a constituir um poderoso foco de atracção para os bolseiros oriundos de todo o espaço geográfico europeu12 (Caeiro, 1989).

Porém, no que se prende com a importância delegada aos estudos nas diferentes Faculdades, urge mencionar que a Universidade portuguesa, à luz do sucedido na maioria das congéneres Universidade do sul da Europa, atribuiu maior relevância ao Direito que à Teologia, delegou para um lugar modesto a Medicina e considerou o ensino da Gramática e da Dialéctica (Faculdade de Artes) como um estado preparatório para a aprendizagem nas outras Faculdades (Mattoso, 1997).

Reduzida a um estatuto epistemológico propedêutico, face aos restantes domínios do conhecimento, a Filosofia, no contexto inaugural do mundo universitário nacional, apesar de não ter gozado do prestígio mais elevado, foi considerada base fundamental na ascensão aos estudos superiores.

11 Importa esclarecer que o acesso ao Estudo Geral de Lisboa não era exclusivo à condição de eclesiástico. Não

obstante, a marca predominante dos seus Professores e escolares terá sido a de pertença à Igreja (Carvalho, 2008).

12 Na História da Filosofia Portuguesa, o bolseiro da Universidade de Paris que, na época, maior protagonismo

alcançou foi Pedro Julião ou Pedro Hispano, natural de Lisboa, filósofo, médico e Papa, sob o nome de João XXI. O seu famosoTractatus, antes conhecido como Summulae Logicales, foi um compêndio adoptado nas escolas durante vários séculos (Caeiro, 1989).

A situação manteve-se inalterada durante o período inaugural da Universidade, durante o qual a Instituição se debateu por ultrapassar a sua debilidade congénita, comparativamente às mais conhecidas Universidades europeias. Com a transferência da Universidade para a cidade de Coimbra, em 1308, foi conseguida uma significativa melhoria organizacional. Os novos Estatutos Universitários, concedidos por D. Dinis, imediatamente posteriores à transferência da Instituição universitária para a cidade de Coimbra, contribuíram bastante para a sua reorganização. Contudo, apesar da quantidade de privilégios com que D. Dinis a dotou, foi preciso esperar cerca de dois séculos para que, a itinerante Universidade portuguesa, se sedentarizasse13 e para que as suas estruturas adquirissem uma certa solidez (Mattoso, 1997).

Precariamente organizada e itinerantemente sedentarizada a Universidade medieval nacional, foi cumprindo as suas funções de acordo com a medida das suas possibilidades. Por sua vez, a Filosofia, na condição de depositária privilegiada do saber, numa época marcada pela influência da fé cristã, procurou dar fundamento científico à Teologia. O resultado da fusão da Filosofia com a Teologia recebeu o nome de Escolástica ou Philosophia Scholastica14 e, holisticamente, converteu-se no método didáctico de referência do ensino medieval.

A Filosofia Escolástica, tratando-se, por excelência, da Filosofia Aristotélica aplicada à Teologia de S. Tomás de Aquino, foi ideologicamente totalizante e marcante na História cultural nacional e europeia ao longo dos séculos XII e XIII.

Durante os séculos XIV e XV, a presença do pensamento aristotélico na cultura portuguesa verificou-se acentuada. Desde a primeira metade do século XV (de modo documentado a partir de 1431), o ensino universitário da Filosofia teve como principal filiação intelectual o pensamento presente nas obras aristotélicas, nomeadamente, a Ética a Nicómaco para a Filosofia Moral e a Metafísica para a Filosofia Natural (Caeiro, 1989).

Pela via da difusão das correntes do aristotelismo medieval, o ensino filosófico universitário nacional revelou-se susceptível de poder ser seccionado em três correntes 13 Nos primeiros séculos de existência, a Universidade portuguesa instou, itinerantemente, ora em Lisboa, ora em

Coimbra. Foi fundada em Lisboa em 1290 e transferida para Coimbra em 1308, onde permaneceu até 1338. Nesse mesmo ano retornou novamente a Lisboa até 1354, ano em que regressou novamente a Coimbra, mas apenas até 1377. Encaminhou-se, uma vez mais, para Lisboa e aí permaneceu até 1537 e, desde então, fixou-se definitivamente na cidade de Coimbra (Dias, 1997).

14 A expressãoPhilosophia Scholastica, desconhecida na Idade Média, foi a designação dada pelos renascentistas

fundamentais: a) a feição lógica e didáctica, que incentivou o método escolástico, do qual Pedro Hispano foi a figura paradigmática; b) a Filosofia Natural que, emblematizada por Pedro Hispano e Fr. Gomes de Lisboa15, exprimiu e desenvolveu, em diferentes sentidos, um empenho que se conjugou, paralelamente, com as áreas da Medicina, da Biologia, da Antropologia, da Psicologia e da Metafísica; c) as vertentes ética e ético-políticas, ilustradas por pensadores como Santo António de Lisboa, Fr. Álvaro de Pais e os Infantes D. Duarte e D. Pedro (Caeiro, 1989).

Importa, no entanto, sublinhar que o interesse universitário pela Filosofia Moral e Política, acontecido no século XV, deverá ser entendido na sua estreita relação com o status quo

nacional, com a forma como D. João I ascendeu ao trono e com “os anseios de promoção de certas classes sociais que ajudaram o Mestre e que, depois disso, começaram a enriquecer com o início da nossa expansão para o norte de África” (Coxito, 1992: 305).

2.3. A Reforma da educação veiculada pela difusão do Humanismo na