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2 DESENVOLVIMENTO

2.3 Desenvolvimento Local Sustentável, o Espaço da Boa Governança

2.3.3 Da Promoção do Desenvolvimento Sustentável ao Discurso da

A RIO+20 não apenas trouxe à baila as discussões sobre a governança do desenvolvimento sustentável mas também fez recrudescer os debates ideológicos e conceituais em relação à própria compreensão de desenvolvimento sustentável ao propor um novo ingrediente para as discussões: a proposta de transição para “a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza6”.

Em estudo dedicado à análise dos discursos prevalentes no evento, tomando por base os muitos relatórios, notícias, artigos produzidos ao longo da Rio+20, Guimarães e Fontoura (2012) afirmam que

“Com maior visibilidade ao longo da Rio+20, a economia verde como ferramenta e instrumento para desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza foi o discurso que mais se propagou na conferência, tornando-se tema central de discussão entre os atores envolvidos.”. (GUIMARÃES E FONTOURA, 2012, p. 519).

Para Graziano Neto, a economia verde poderia ser definida como uma agenda de desenvolvimento que propõe uma transformação na maneira de se encarar a relação entre crescimento econômico e desenvolvimento, indo além da visão tradicional do meio ambiente como um conjunto de limites para o crescimento. Ainda na visão do autor, “seria uma forma de trazer a sustentabilidade, tão frequente e equivocadamente tratada como tema de futuro, para um patamar de objetividade e pragmatismo que evidencia as vantagens econômicas e sociais da aliança entre inovação e melhora da

qualidade ambiental”. (GRAZIANO NETO, 2010 p.12 apud RODRIGUES, 2014, p. 37).

O PNUMA, no documento Rumo a uma Economia Verde, a define como um modelo econômico que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente riscos ambientais e escassez ecológica (UNEP 2011), para este programa das Nações Unidas

“Em uma economia verde, o crescimento de renda e emprego deve ser impulsionado por investimentos públicos e privados que reduzam as emissões de carbono e a poluição, aumentem a eficiência energética e o uso de recursos e impeçam a perda da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos. Esses investimentos precisam ser catalisados e apoiados por gastos públicos direcionados, reformas políticas e mudanças nas regulamentações. (UNEP, 2011, p. 17)”.

Por fim, o documento procurava esclarecer que a ideia de uma economia verde “não substitui o desenvolvimento sustentável”, já que “é uma maneira de realizar esse desenvolvimento nos níveis nacional, regional e global, e de maneiras que ecoam e amplificam a implementação da Agenda 21” (UNEP, 2011, p. 18). Ou seja, se o desenvolvimento sustentável é o objetivo, a transição para uma economia verde seria um dos caminhos possíveis, uma vez que

“Uma economia verde reconhece que o objetivo do desenvolvimento sustentável é melhorar a qualidade da vida humana dentro dos limites do meio ambiente, o que inclui combater as mudanças climáticas globais, a insegurança energética e a escassez ecológica. No entanto, uma economia verde não pode se concentrar exclusivamente em eliminar os problemas e a escassez ambientais. Também deve lidar com as preocupações de desenvolvimento sustentável com igualdade intergeracional e a erradicação da pobreza”. (UNEP, 2011, p. 20).

Esta falta de clareza conceitual para definir economia verde, crescimento verde e outros termos que foram introduzidos ao longo dos debates que antecederam a RIO+20 foi reconhecida por outros organismos de cooperação internacional, como a OCDE (2012a), por exemplo. No relatório em que apresentava o programa LEED afirmava que

“Many terms associated with the green economy are used interchangeably – such as the greening economy, low-carbon economy, sustainable development and green growth. To date, there is not a consensus on what is meant by these different terms. This makes it difficult to identify programmes and projects, implement them and to measure outcomes. It also creates some confusion and policy incoherence”. (OCDE, 2012a, p. 13 - 14).

Em que pesem as boas intenções manifestadas no documento das Nações Unidas e dos organismos multilaterais de cooperação, a introdução do conceito de uma

transição para uma economia verde foi vista com desconfiança por vários dos atores envolvidos nos debates sobre desenvolvimento sustentável, seja pelo fato de que alguns o traduziram como uma capitulação definitiva do ideário de um novo paradigma de desenvolvimento ao modelo dominante, seja pelo fato de que muitos outros não entenderam o propósito deste novo “conceito-ônibus”7 introduzido na pauta das discussões sobre estratégias para uma governança global do desenvolvimento sustentável.

Segundo Born (2011, p.2), a falta de acordo em torno do conceito e do objetivo da introdução da Economia Verde já esteve manifesta desde a primeira reunião preparatória da Rio+20, em maio de 2010. Para o ele não havia e “talvez jamais haverá, consenso sobre o que pode significar a expressão “Green Economy”, cuja mera tradução economia verde não indica que as abordagens devem incluir outras dimensões além da ambiental na gestão da economia”. (BORN, 2011, p. 2).

Ainda em 2012, praticamente enquanto se realizavam os muitos eventos da Rio+20, Misoczky e Bohn (2012) apresentaram um ensaio no qual defendem a tese de que haveria uma linha de continuidade entre as proposições da Eco-92 e a consagração da economia verde na Rio+20 e que, na sua perspectiva, se o desenvolvimento sustentável deveria ser entendido como “a investida encoberta do capital sobre a natureza” a economia verde deveria ser entendida “como a investida radical e aberta do capital sobre a natureza, tomando como marcos as Conferências Eco-92 e Rio+20”. (MISOCZKY; BOHM, 2012, p. 547).

Para os autores, o desenvolvimento sustentável teria nascido de um processo de incorporação da agenda ambiental pelos princípios do mercado, que até “meados do século XX (...) eram, frequentemente, considerados como em oposição à proteção e conservação ambiental” o que para eles caracterizaria a “neoliberalização da sócio- natureza’’. (MISOCZKY; BOHM, 2012, p. 549). Como consequência, visando manter o crescimento econômico ‘a modernização ecológica confere aos atores políticos, em diferentes coalizões, a tarefa de tornar a proteção ambiental viável. Ou seja, a abordagem advoga a possibilidade de reformar o capitalismo através de mecanismos de regulação e da inovação tecnológica, propiciando soluções que sejam, simultaneamente,

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A ideia de conceito-ônibus é tirada da discussão de Guazina (2007) sobre os muitos usos do termo mídia. Como ela explica, é uma “paródia” a Bourdieu (1997), que se referiu aos fatos-ônibus (ônibus no sentido de para todo mundo) apresentados na televisão que “formam consenso, que interessam a todo mundo, mas de um modo tal que não tocam em nada importante” (GUAZINA, 2007, p. 23).

ambientas e econômicas. (SPAARGAREN; MOL, 1992; MOL, 2002; 2003; VLACHOU 2004, apud MISOCZKY; BOHM, p. 552).

Não foram apenas os pesquisadores e estudiosos que olharam com reticências para a introdução do discurso da economia verde na agenda de debates da Rio+20. Guimarães e Fontoura (2012, p. 519) em um artigo que analisa os avanços e retrocessos alcançados pela Conferência reconhecem a falta de consenso em torno da economia verde, mas chamam a atenção para o fato de que a Cúpula dos Povos, “maior evento da sociedade civil global paralelo à Rio+20”, se posicionou contrariamente a esta proposta e transcrevem trecho do seu documento conclusivo onde afirmam:

“A economia verde foi descrita como uma agenda política que quer preparar o território para a acumulação de capital por meio do controle da natureza, que vai agravar os problemas já existentes no campo, como a grilagem, despejos da população original e concentração de terras. (CÚPULA DOS POVOS, 2012b). (GUIMARÂES; FOUNTOURA, 2012, p. 519-520)”.

Da perspectiva dos governos locais, pelo menos inicialmente, o discurso da economia verde ou de uma transição para uma economia verde, não parece agregar desafios adicionais à gestão ambiental ou mesmo aos seus esforços de promoção do desenvolvimento sustentável.

Do ponto de vista da presente discussão, entretanto, a discussão introduz a questão sobre processos de inovação ambiental e modernização tecnológica que contribuem para uma transição para uma economia verde os quais serão resgatados mais adiante nas discussões sobre as relações entre comportamento inovador e boa governança.

Independentemente da perspectiva que se olha para a questão da economia verde, seja em função das questões político-ideológicas, seja pelas potenciais dificuldades gerenciais decorrentes da falta de clareza conceitual (OCDE, 2012a, p.14), seja face ao papel dos governos locais, sua entrada em cena acabou por provocar toda uma reflexão sobre a própria conceituação de desenvolvimento sustentável, às suas relações com as dinâmicas políticas, econômicas, sociais, ambientais e tecnológicas, de sorte que a partir de 2012 muitos artigos e ensaios revisitaram esses conceitos e possibilitaram uma oxigenação nos debates sobre o tema.

2.3.4 Desenvolvimento Sustentável: um conceito em permanente discussão.

É possível iniciar uma digressão sobre o processo histórico, ademais de técnico e político, que levou à introdução da preocupação com a sustentabilidade do desenvolvimento na agenda mundial sem necessitar um recuo excessivo no tempo. Em geral, toma-se como ponto de partida o desenho de um paradigma de desenvolvimento que respeitasse os limites da natureza, como defenderam os pesquisadores do Clube de Roma ou os representantes das nações do globo que estiveram reunidos em 1972, em Estocolmo.

Ao longo desses anos, a própria concepção sobre o significado de desenvolvimento sofreu transformações, superando a ideia de desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico e agregando outras dimensões à esta concepção. No período, foram introduzidas novas variáveis aos indicadores de desenvolvimento de povos e nações, como por exemplo, na proposta de Desenvolvimento Humano disseminada pelo PNUD desde o inicio dos anos 90, ou a ideia de desenvolvimento como liberdade, proposta por Amartya Sen, também na mesma época, que pode ser traduzida na definição de Todaro e Smith (2003) para quem

“Desenvolvimento deve, portanto ser concebido como um processo multidimensional envolvendo mudanças importantes nas estruturas sociais, atitudes da população, e instituições nacionais, bem como a aceleração do crescimento econômico, a redução da desigualdade, e a erradicação da pobreza. Desenvolvimento, em sua essência, deve representar uma gama completa de mudanças pela qual um sistema social inteiro, antenado às necessidades básicas diversas e desejos dos indivíduos e grupos sociais dentro daquele sistema, saem da condição de vida amplamente percebida como insatisfatória na direção de uma situação ou condição de vida considerada como materialmente e espiritualmente melhor”. (TODARO; SMITH, 2003, pag. 7).

Quanto ao conceito de sustentabilidade, não perdendo de vista sua origem nas ciências biológicas a sua tradução como característica fundamental do novo paradigma de desenvolvimento que os países deveriam adotar, como forma de superar as crises ambientais e os riscos de esgotamento dos recursos naturais, remete imediatamente ao Relatório Brundtland8, em que pese suas origens sejam anteriores a este documento. (DE OLIVEIRA; PORTO JÚNIOR, 2004, p. 4).

Denardin (2003, p. 143), em artigo que procura discutir como o capital natural é tratado pela economia tradicional (neoclássica) e pela economia ecológica e

como essas escolas compreendem a questão da sustentabilidade, recorre a Hauwernmeiren para afirmar que o conceito surge em 1980 no relatório “Estratégia Mundial para a Conservação” e que sustentabilidade seria “uma questão de graus e de perspectiva temporal”. (DENARDIN, 2003, p. 143).

Sem necessariamente concordar com a concepção defendida por Denardin (2003), Rodrigues (2014) ao fazer uma discussão introdutória sobre o conceito de desenvolvimento sustentável, se apoia em Lélé para datar o ingresso do termo nas arenas de discussão no mesmo ano e no mesmo documento referido por Hauwernmeiren. (RODRIGUES, 2014).

O Relatório Brundtland, entretanto, por sua natureza “oficial” e pelo amplo envolvimento de representantes de todo o globo, acabou se convertendo no principal referencial das discussões que se sucederam à proposição de um novo paradigma de desenvolvimento que seria qualificado como sustentável, uma vez que seria capaz de satisfazer as necessidades do presente, sem comprometer a habilidade das futuras gerações de satisfazerem as suas necessidades. O documento alertava para o fato de que o enfrentamento da pobreza seria questão fundamental para a promoção do desenvolvimento sustentável já que este tem como requisito garantir a todos a oportunidade de satisfazer suas aspirações de uma vida melhor. (WCED, 1987).

O posicionamento adotado pelo relatório foi denunciado por muitos atores sociais e pesquisadores preocupados com as conseqüências socioambientais do modelo de desenvolvimento até então praticado pelos países desenvolvidos uma vez que sua resposta para superar a crise ambiental provocada pelo crescimento econômico seria promover mais crescimento econômico, como afirmam Misoczky e Bohm (2012)

“No Relatório Brundtland (WCED, 1987) se encontra o argumento central de que a melhor maneira de responder aos desafios colocados pela destruição ambiental e pela pobreza era com mais crescimento. Diante das críticas crescentes contra a ideia do crescimento ilimitado em um planeta limitado, foi produzido, de acordo com Lander (2011, p. 1), um ato de “extraordinário malabarismo conceitual” na concepção da expressão “desenvolvimento sustentável”. (MISOCZKY; BOHM, 2012, p, 548).

Com preocupação assemelhada, Oliveira (2012), em estudo que analisa a geopolítica do desenvolvimento sustentável, alerta para o caráter ideológico do conceito, uma vez que o “desenvolvimento sustentável é o que podemos denominar como ideologia” (OLIVEIRA, 2012, p. 11) sustentando tal opinião no fato de que não seriam “poucos os autores que entendem esta concepção segundo a mesma perspectiva

analítica. (CARNEIRO, 2005; MARQUES, 2000; MOREIRA, 1991; REBÊLO Jr., 2002; RIBEIRO, 1992; entre outros)”. (OLIVEIRA, 2012).

A escolha ideológica por trás do conceito, sua ambiguidade ou mesmo a falta de clareza quanto ao que se “esconde” por trás da definição de desenvolvimento sustentável também é destacada por Rodrigues (2014) em sua análise sobre a evolução do conceito, se baseando em autores como Redclift e Lélé para afirmar que

“... desenvolvimento sustentável é um termo que está sujeito a diferentes interpretações, dependendo do contexto da discussão e do público para o seu debate. Porém, mais importante do que a natureza abrangente do conceito que lhe dá força política, sua formulação atual contém lacunas significativas, pois, incluem uma percepção incompleta dos problemas da pobreza e da degradação ambiental além de gerar confusão sobre o papel do crescimento econômico e sobre os conceitos de sustentabilidade e de participação popular”. (RODRIGUES, 2014, p. 20 e 21).

Nesta mesma discussão, Rodrigues (2014) recupera as críticas feitas por Sen à definição de desenvolvimento sustentável proposta no Relatório Brundtland por considerar que “o ser humano não pode ser reduzido ao preenchimento de suas necessidades” uma vez que para este autor “desenvolvimento é um processo de aquisição de capacidades, de poderes, cujos objetivos vão muito além das necessidades, sejam elas básicas ou não”. (RODRIGUES, 2014, p. 24)

Ademais da definição extraída do Relatório Brundtland, por meio da Agenda 21, a ECO92 também disseminou outra definição para o conceito de desenvolvimento sustentável, como sendo aquele que seria capaz de harmonizar a necessidade de que o desenvolvimento fosse economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente responsável. As três dimensões do desenvolvimento sustentável ou os três “Ps” da tripla linha de base9 foram amplamente difundidas durante os últimos anos do Século XX, tanto entre governos como entre as empresas privadas quando do desenho de suas estratégias de sustentabilidade.

Com o passar dos tempos e com o próprio esforço de implementação dos compromissos assinados durante o evento do Rio de Janeiro e, com mais força ainda, depois do balanço feito 10 anos depois na África do Sul, ficou evidente que às três dimensões do desenvolvimento sustentável deveria ser incorporada a preocupação com

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“John Elkington strove to measure sustainability during the mid-1990s by encompassing a new framework to measure performance in corporate America. This accounting framework, called the triple bottom line (TBL), went beyond the traditional measures of profits, return on investment, and shareholder value to include environmental and social dimensions. (…) The TBL dimensions are also commonly called the three Ps: people, planet and profits”. (SLAPER; HALL, 2011, p. 4).

a capacidade das instituições nos diferentes níveis estarem aptas para conduzir as políticas com este fim.

2.3.5 Capacidade Institucional para a Governança: A Quarta Dimensão do