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2 DESENVOLVIMENTO

2.3 Desenvolvimento Local Sustentável, o Espaço da Boa Governança

2.3.1 Gestão Municipal das Políticas de Meio Ambiente e a Governança

Como antecipado, o advento da LC 140 trouxe à baila muitas visões quanto à competência legal e à capacidade dos governos locais para bem gerir as políticas

ambientais e para constituir uma coalizão de interesses capaz de contribuir para o desenvolvimento sustentável dos municípios.

Tendo a referida legislação pacificado as discussões relativas à competência legal e aos limites mais gerais das atribuições municipais e ao reconhecer, mesmo que implicitamente, o princípio da subsidiariedade nessa delimitação, não apresentou completa solução aos desafios relacionados à capacidade técnica e políticas dos governos locais e suas relações com o desenvolvimento sustentável de seus territórios.

No caso brasileiro, a competência para a gestão da ocupação e do uso do espaço foi remetida aos governos municipaispela Constituição Federal, fato este que, pelo menos em tese, daria às prefeituras e aos órgãos municipais uma capacidade potencial de assumir a gestão do meio ambiente do ponto de vista local e, ao mesmo tempo, coordenar as dinâmicas locais de desenvolvimento em conformidade com os princípios da sustentabilidade, haja vista que a forma como as atividades produtivas, demais atividades particulares e os equipamentos públicos se distribuem no território é questão central para qualquer política de sustentabilidade.

A Confederação Nacional de Municípios (CNM), por exemplo, alerta para a necessidade de o sistema de meio ambiente local assumir a responsabilidade pelo “o planejamento, a implementação, execução e controle da política ambiental do Município; o monitoramento e a fiscalização do meio ambiente” (CNM, 2012, p. 27) e declara que devem ser seus objetivos “preservar o seu equilíbrio e os atributos essenciais à sadia qualidade de vida; a promoção do desenvolvimento sustentável, com o objetivo imediato de organizar, coordenar e integrar as ações dos diferentes órgãos e entidades da administração pública, direta e indireta, observados os princípios e normas gerais expressos nas legislações pertinentes”. (CNM, 2012, p. 28, grifo nosso).

Retomando o entendimento de que o princípio da subsidiariedade pressupõe que a competência para a gestão da política deve ser remetida àquele nível de governo capaz de desenvolver uma ação com efetividade, pode-se chegar ao seguinte pressuposto: “o nível escolhido para que a subsidiariedade possa ser aplicada deverá ser aquele que tem capacidade de governança”, pois a subsidiaridade “prescinde de sustentabilidade institucional”. (AZEVEDO, PASQUIS; BURSZTYN, 2007, p. 43).

Logo, para que os municípios possam assumir plenamente as competências estabelecidas na legislação e desempenhar seu papel de agente promotor de dinâmicas locais de desenvolvimento sustentável é necessário ter capacidade de governança em nível local, uma vez que, como propõe Loureiro (2004, p. 44) a adoção dos novos

padrões societários, indispensáveis para o desenvolvimento sustentável dos municípios, requer: (a) democratizar a gestão pela ampliação da esfera pública; (b) promover uma reconfiguração política que permita os atores sociais superarem as tensões e os conflitos existentes ao nível do território; e, (c) promover uma concertação entre os envolvidos a partir desta nova configuração política e cultural.

As capacidades para a governança do desenvolvimento sustentável implícitas nas orientações da CNM ou nas argumentações de Loureiro (2004) evidenciam a existência de, pelo menos, duas dimensões distintas e complementares: aquela relacionada com a gestão do sistema municipal de meio ambiente, de natureza mais instrumental e técnica; e, aquela relacionada com a construção de uma coalizão ou concertação entre os atores sociais que dê sustentação às diversas políticas que precisam ser coordenadas para a promoção do desenvolvimento sustentável, de natureza mais dialógica e política.

Procurando avançar em uma proposição que articule a preocupação com a boa gestão dos governos e suas relações políticas com o conjunto da sociedade, Bressers, Kuks e Ligteringen (1997) consideram que as funções da governança dos processos de construção de políticas ao nível dos governos locais poderiam ser organizadas em quatro categorias: (1) a definição da agenda política; (2) a elaboração da política; (3) a sua implementação; e, (4) as atividades geridas pelos governos locais. (BRESSERS; KUKS; LIGTERINGEN, 1997, p. 5).

Observe que a análise funcional por eles proposta articula aspectos de natureza claramente política, como é o caso da definição da agenda política, ou seja, das prioridades para o governo e a sociedade; com funções de natureza claramente técnica, como é o caso do bom gerenciamento das atividades e serviços públicos municipais. Em suma, para bem desempenhar essas funções o governo municipal precisa dispor de capacidade técnica e de capacidade política instaladas.

Os mesmos autores chamam a atenção para o fato de que, por mais importante que seja a participação dos governos locais neste processo, não faz sentido analisar suas capacidades de modo isolado, mas sim, em conjunto com outros níveis de governança, sendo igualmente importante considerar as interações entre os diferentes níveis de governo no enfrentamento das questões ambientais. (BRESSERS; KUKS; LIGTERINGEN, 1997, pgs. 5 e 8).

Assim, às capacidades técnica e política necessárias para a boa governança, que se organizam em dimensões, princípios e funções, se somaria a capacidade de

interagir com os demais níveis de governo de ordem a garantir um melhor gerenciamento das questões relacionadas ao meio ambiente e à promoção do desenvolvimento sustentável dos territórios.

Nesta linha, poder-se-ia propor um quadro que organizasse as capacidades que um governo municipal precisa deter – ou desenvolver – para bem governar as dinâmicas locais de desenvolvimento sustentável, que somado às dimensões da boa governança discutidas em tópicos anteriores possibilita a construção de um mapa articulado entre dimensões, princípios, funções e capacidades que serviriam para orientar mecanismos de avaliação dos governos municipais para a boa governança do desenvolvimento sustentável (Quadro 4).

Quadro 4 - Matriz Integradora das Dimensões, Funções e Capacidades para a Boa Governança do Desenvolvimento Sustentável.

Dimensão Técnico- Gerencial Dimensão Político Relacional Dimensão Político Institucional Definidas pelas Instituições e Autores Como: Efetividade na formulação e execução das políticas; Estratégia; e, Habilidade do governo em fazer políticas, gerir assuntos administrativos e fiscais do Estado

Respeito aos cidadãos e às relações entre Estado e Sociedade; Controle; e, Relações de responsabilização entre cidadãos e agências do Estado. Processo político, legitimidade da representação; Liderança; e, Distribuição de poder, regras, normas e como são tomadas as decisões

Funções Capacidade Técnica Capacidade Política Horizontal Capacidade Política Vertical

Definir a Agenda Política Normas, Instituições e regramentos que respeitem e garantam os direitos dos cidadãos nas definições das prioridades das políticas públicas.

A estabilidade e transparência nos processos de seleção de governantes e demais representantes e nas instâncias de participação da sociedade nas discussões das políticas.

Existência de relação política estável e respeitosa entre as instâncias de governo com foco na interação das políticas locais, estaduais e nacionais. Elaborar a Política Capacidade para elaboração de estudos e diagnósticos. Capacidade para a elaboração de normas, planos e orçamentos. Capacidade de promover o diálogo, existência de instâncias colegiadas para o dialogo e gestão de políticas.

Processos participativos de planejamento e orçamento com atores sociais relevantes. Participação em colegiados intergovernamentais. Capacidade de articular políticas e planos municipais com as diretrizes das políticas e planos estadual e nacional.

Implementar as Políticas Municipais

Capacidade para a elaboração e execução das

políticas com transparência e efetividade. Estimulo à participação da sociedade, compartilhamento de projetos, recursos e ações com os setores da sociedade.

Capacidade para captar recursos externos (financeiros, técnicos, humanos) para apoiar a implementação dos projetos municipais. Gerir as Atividades em Nível Local Oferta de serviços públicos de qualidade, boa gestão de serviços e

Mecanismos de ausculta (ouvidoria) e de controle social dos serviços

Capacidade para

coordenar os projetos e iniciativas locais com

Dimensão Técnico- Gerencial Dimensão Político Relacional Dimensão Político Institucional

atividades no território. públicos e de sua qualidade.

ações desenvolvidas pelos governos estadual e federal no município.

Fonte: Elaboração Própria, 2017.

A partir desta matriz de análise será possível avançar na identificação dos instrumentos legais, ferramentas gerenciais, práticas administrativas, recursos materiais e humanos, metodologias e arranjos políticos que precisam ser adotados para promover a almejada capacidade institucional para a gestão ambiental e, consequentemente, para uma boa governança do desenvolvimento sustentável em nível local.

2.3.2 Capacidade Local para a Promoção do Desenvolvimento Sustentável.

Independentemente das múltiplas facetas ou perspectivas adotadas para analisar governança enquanto conceito e suas aplicações, a construção de uma hegemonia global em torno do conceito adotado para definir governança e o reconhecimento de sua importância para promover o desenvolvimento global em bases sustentáveis levaram os organismos de cooperação multilateral, assim como as agências de fomento e os próprios governos nacionais e regionais a investir cada vez mais recursos na capacitação para uma boa governança.

Entretanto, ao se debruçarem sobre o esforço de disseminação dos princípios e práticas para a boa governança em escala global, essas mesmas organizações internacionais se depararam com uma série de dificuldades e obstáculos que levaram os estudiosos sobre o tema, a reconhecer que

“Governance itself is not randomly distributed across countries. Good governance requires time and resources to develop. Governance also depends on a country’s political and social history, especially those countries that inherited a set of institutions from former colonial powers.”. (KAUFMANN, KRAAY; ZOIDO-LOBATÓN, 1999, pag. 13).

A consequência natural de tal constatação foi o desenho de uma série de programas, estratégias e metodologias que se baseavam na crença nas possibilidades da “boa governança” ou dos investimentos na capacitação de Nações para promover o desenvolvimento sustentável em escala global. Assim, dez anos depois da RIO92, governantes, líderes mundiais, organizações da sociedade civil e especialistas nas muitas áreas do conhecimento se reuniram em Johanesburgo, na África do Sul, com a finalidade de avaliar os avanços e as dificuldades observadas durante a primeira década

de disseminação dos conceitos do desenvolvimento sustentável e das convenções firmadas no Rio de Janeiro.

Naquele ano, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUMA) produziu um relatório por meio do qual fez um balanço das iniciativas globais que se destinavam ao desenvolvimento de capacidades para o desenvolvimento sustentável. Em tal documento, o PNUMA reconhecia a importância dessas iniciativas na busca pelo desenvolvimento sustentável ao afirmar que

“Over the past several years it has become clear that capacity building is central to the quest for sustainable development. If society is going to realise the goals of Agenda 21, which were strongly reaffirmed at the World Summit on Sustainable Development (WSSD), the ability of regional organisations, national governments and civil society to address the principal challenges of sustainable development must be reinforced”. (UNEP, 2002, p. 10).

Desde então, o fortalecimento da capacidade institucional de governos e sociedades para bem governar as dinâmicas de desenvolvimento nos seus territórios com base nos princípios da sustentabilidade tem sido tema de muitos programas, políticas e debates sobre os mais variados aspectos.

Ademais, com o entendimento da importância da boa governança das dinâmicas locais neste processo, as discussões sobre como capacitar governos locais para bem desincumbirem-se dessas tarefas ganhou força, tanto nas discussões acadêmicas, como entre as organizações não governamentais e organismos de cooperação multilateral comprometidos com a causa do desenvolvimento sustentável.

O aprofundamento do debate sobre a capacitação, importa enfrentar uma primeira questão, que diz respeito ao entendimento que se vai adotar sobre desenvolvimento sustentável. Isto se faz necessário, por um lado, devido ao fato de que são muitas as definições, concepções e perspectivas que se adotam para este conceito; por outro lado, como o objetivo de tais iniciativas é construir capacidades para a boa governança do desenvolvimento sustentável, não há como avançar sem formar um entendimento sobre este conceito e suas consequências para os demais elementos do processo de capacitação.

Chegando à definição de desenvolvimento sustentável que se pretende adotar para o objetivo do trabalho e considerando as discussões já realizadas sobre governança, a segunda questão que se coloca diz respeito ao entendimento que se adotará para capacitação institucional, pois também neste caso são muitas as definições

existentes e igualmente são variados os atores que precisam ser capacitados para a boa governança do desenvolvimento sustentável.

Por fim, há uma terceira questão relevante para fundamentar o trabalho em desenvolvimento que se relaciona com a suficiência da capacidade para a boa governança para a promoção do desenvolvimento sustentável. Isto é: ter capacidade para a boa governança é suficiente para promover o desenvolvimento sustentável?

O presente capítulo vai enfrentar essas questões com o fito de apresentar a base teórica e conceitual sobre a qual se pretende assentar a discussão sobre a capacitação de governos municipais para a boa governança do desenvolvimento local, tendo com base as discussões mais recentes sobre os temas elencados.