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2 DESENVOLVIMENTO

2.5 Inovação Ambiental ao Nível dos Governos Municipais

2.5.4 O PSMV como Medida de Inovação Ambiental

O ponto de partida para uma discussão quanto às possibilidades de adotar o PSMV como indicador de inovação ambiental na gestão dos municípios tem por fundamento a ideia de que o acesso conhecimento (ou à informação) deve servir para melhorar as condições de vida das populações, o que remete aos primórdios do pensamento científico, quando os filósofos gregos acreditavam que “pela via do conhecimento objetivo seria possível formar os cidadãos, e portanto, seria possível transformar a cidade para que essa fosse melhor e mais justa” (ANDERY et. al., 2001, p. 59).

Neste sentido, os estudos e pesquisas sobre políticas governamentais têm sido apoiados por vários órgãos governamentais e organizações multilaterais de cooperação, com a finalidade de produzir conhecimento para aprimorar a qualidade das políticas; dar maior transparência às iniciativas governamentais; facilitar a participação e o controle pela sociedade; e, estimular a adoção de ideias e propostas de caráter inovador.

Muitos estudiosos21 que tratam do tema, reconhecem o potencial que tais iniciativas têm para ensejar a aprendizagem, induzir escolhas inovadoras e apontar direções. Ao mesmo tempo, procuram desmistificar a ilusão quanto à possibilidade de uma pesquisa avaliativa de natureza técnico-gerencial dissociada de qualquer influência político-ideológica.

Alguns dos autores alertam que, além do caráter instrumental, as pesquisas avaliativas de políticas públicas embutem funções conceituais – que podem produzir novos aprendizados e conhecimentos – e funções de persuasão, voltadas para convencer os agentes políticos a adotar determinada prática ou ideia e, em ambos os casos, essas funções se associam a escolhas de caráter político e ideológico que não podem ser desconsideradas (MELO, 1998, FARIA, 2005).

As discussões relativas ao caráter e aos usos das avaliações de políticas públicas ganharam ainda maior relevância haja vista ser cada vez mais comum que órgãos governamentais e organizações internacionais recorram a processos de pesquisa para o monitoramento e avaliação de políticas públicas com o objetivo explícito de modificar condutas e promover as ideias e as práticas que lhes pareçam mais adequadas, como acontece com o PSMV.

Como já destacado algures, desde o início do programa, o Governo do Estado do Ceará pede aos gestores municipais de meio ambiente que respondam a questionários com a finalidade de certificar a gestão municipal como “municípios verdes” e, neste processo, levar as equipes das prefeituras a refletir sobre suas práticas relacionadas à gestão ambiental, como também sobre os instrumentos e instituições públicas que eles dispõem com a “expectativa de contribuir para a (...) internalização das questões ambientais nos programas (...) dos municípios cearenses”. (CEARÁ. CONPAM, 2004)

21 Delors, Demo (1993) e Morin, para ficar em alguns do campo da educação como também autores que discutem a avaliação de políticas públicas como Weiss (1998) ou Caiden; Caiden (2001).

Para compreender esta possibilidade, cabe uma discussão sobre o papel da avaliação de políticas públicas na eventual internalização de práticas e conceitos, relacionando-a com as características do PSMV, uma vez que o estímulo à adoção de práticas ou políticas via a concessão de certificados e selos não é novidade em termos de gestão pública no Brasil, muito menos no Ceará22.

Este estratagema se baseia no reconhecimento de que o caráter investigativo e o esforço de compreender a realidade derivado do processo de pesquisa para uma avaliação são capazes de produzir um aprendizado que aprimora a gestão das políticas públicas e que, a autocrítica necessária ao processo avaliativo pode auxiliar o gestor público a questionar suas condutas e internalizar aquelas mais adequadas.

O que se articula com as discussões acadêmicas feitas quanto aos usos das avaliações de políticas públicas. Ainda no final do século passado, Weiss (1998) identificava quatro tipos de usos possíveis para a avaliação: o uso instrumental; o uso conceitual; o uso como instrumento de persuasão; e o uso para fins de “esclarecimento”. O uso instrumental da avaliação – e da pesquisa a ela associada – remete à função gerencial dos processos avaliativos, ou seja, à capacidade da avaliação produzir informação gerencialmente útil para que os tomadores de decisão possam garantir maior eficiência e efetividade nas suas decisões. Já o papel da avaliação como esclarecimento, como interpreta Faria,

“nem sempre é propositado, mas que acarreta, pela via do acúmulo de conhecimento oriundo de diversas avaliações, impacto sobre as redes de profissionais, sobre os formadores de opinião e sobre as advocacy coalitions, bem como alterações nas crenças e na forma de ação das instituições, pautando, assim, a agenda governamental. Esse é um tipo de influência que ultrapassa a esfera mais restrita das políticas e dos programas avaliados”. (FARIA, 2005, p. 104).

A função conceitual, por seu turno, relaciona-se com a condição que as avaliações têm de produzir novos conhecimento e, com isto, um aprendizado que venha a melhorar a concepção e a gestão das políticas públicas em seu conjunto. Ela se diferencia do uso da avaliação para fins de persuasão porque, neste ultimo caso, mais que produzir conhecimento, o que se espera é induzir e legitimar mudanças consideradas necessárias. Ou seja, recorrendo outra vez a Faria, pode-se afirmar que

22 Criado em 1999 pelo UNICEF, o Selo UNICEF teve como objetivo o estímulo à organização e ao trabalho comunitário nos municípios para que as gestões se tornassem mais inovadoras e participativas nas áreas de Direitos, Educação e Saúde para Crianças e Adolescentes. O nome "Selo" está ligado ao processo de certificação para os municípios que se destacam nos cuidados para a melhoria da qualidade de vida de crianças e adolescentes. (www.selounicef.org.br)

“O uso da avaliação como instrumento de persuasão (...) dá-se quando ela é utilizada para mobilizar o apoio para a posição que os tomadores de decisão já têm sobre as mudanças necessárias na política ou programa. Busca-se aqui legitimar uma posição e ganhar novos adeptos para as mudanças desejadas”. (FARIA, 2005, p. 102-3).

Esta perspectiva é corroborada pela constatação de não é possível realizar uma pesquisa da natureza do PSMV sem interferir nos seus resultados e nos objetos da própria pesquisa. A título de exemplo, Boaventura Santos (2009), na sua análise quanto à crise do paradigma dominante da ciência, recorre às demonstrações de Heisenberg e Borh que asseveram “que não é possível observar ou medir um objecto sem interferir nele, sem o alterar, e a tal ponto que o objecto que sai de um processo de medição não é o mesmo que lá entrou” (SANTOS, 2009, p.43).

No caso do PSMV, o processo de certificação estaria enviesando as escolhas dos gestores municipais na direção do mais adequado para as políticas ambientais (CEARÁ.CONPAM, 2004), ou seja, daquilo que na perspectiva do programa – ou do Governo do Estado – seria o melhor para a sociedade, em termos das políticas ambientais nos municípios, o que, se procurará evidenciar com base na evolução dos questionários aplicados que permitem defender que, na perspectiva do Programa, a gestão ambiental mais adequada seria aquela capaz de, mais rapidamente, inovar a política ambiental, adotando os instrumentos, regramentos e projetos de forma mais imediata.