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6 AS POLÍTICAS DE EXPANSÃO E OS CURSOS DE GRADUAÇÃO

6.7 Efeitos da expansão do ensino de graduação em Odontologia no

6.7.1 Da regulação pela oferta para a regulação pela procura

Os coordenadores entrevistados, de um modo geral, consideraram que a criação dos novos cursos de Odontologia em Belo Horizonte estava relacionada com a existência de uma demanda reprimida pelo curso, tendo em vista que existiam

apenas duas IES (UFMG e PUCMG) que ofertavam esses cursos e cujos vestibulares eram muito seletivos.

Agora campo para universidades e faculdades de Odontologia eu acho que isso existe, tá. Existe demanda, né. Até o momento a gente vê uma necessidade grande de formação de muita gente, então eu acho que existe esse demanda (C4, grifo nosso).

Tem aqueles que têm a vocação mesmo e que perderam o vestibular

porque a oportunidade era menor, né? Então, 10 candidatos por vaga, 6 candidatos por vaga, se bobear tem até 30 na PUC e na Federal mesmo. Mas, então há aqueles que vêm por isso, que perderam lá..(C5, grifo nosso)

Nós também só tínhamos duas opções de curso de Odontologia em Belo Horizonte era a Católica ou a Federal e que eram vestibulares bastante seletivos (C4, grifo nosso).

Observou-se, ainda, que um dos coordenadores considerou que o surgimento dos novos cursos de graduação estaria associado com o mercado educacional dos cursos de especialização da área de Odontologia.

Eu acredito que as outras escolas mais foram criadas para ter o curso de graduação, mas para investir mais na pós-graduação. Que acho que essa é a fatia deles. Porque um curso de graduação numa escola privada você não pode repassar para a mensalidade do aluno todos os custos [...], mas você pode ter uma liberdade maior para praticar na pós-graduação. E eu acho, acredito que é focando mais a pós-graduação, especificamente o lato sensu

(C3).

Percebe-se, então, que até o início dos anos 2000, no município de Belo Horizonte, o ensino de graduação em Odontologia era ofertado por apenas duas IES consideradas de elite no município (UFMG e PUC Minas). Predominava, assim, no ensino de Odontologia, uma “regulação pela oferta” de formação, pois havia uma grande procura pelo curso de Odontologia, em ambas as IES, associada com uma pequena oferta em termos de vagas.

A criação de três novos cursos de graduação em Odontologia por outras IES localizadas no município de Belo Horizonte expressa uma estratégia do setor privado da área de educação superior, de ampliar o escopo de seus cursos, inclusive fora de seus domínios consolidados, com o objetivo de estabelecer vantagens competitivas na disputa por novas e diversificadas clientelas de ensino superior (SAMPAIO, 2000). Pode-se afirmar que o surgimento de novos cursos de graduação em Odontologia promoveu uma significativa ampliação das oportunidades de formação na área. Neste sentido, chama atenção o surgimento do

primeiro curso de graduação em Odontologia em Belo Horizonte ofertado no horário noturno, por uma IES privada. Se de um lado, a oferta de cursos mais tradicionais como o de Odontologia, no período noturno, tem sido uma das estratégias preconizadas para democratizar o acesso e o perfil dos estudantes dessa carreira, por outro lado, é preciso considerar as afirmações de Bittar et al. (2008, p.91-92) visto que,

[...] muitas instituições de educação superior (IES), ao criarem cursos predominantemente noturnos, o fazem na perspectiva de atender suas necessidades de sobrevivência institucional, cumprindo as exigências do mercado, em detrimento do oferecimento de cursos com qualidade de ensino.

Esse aspecto é muito relevante tendo em vista as características do curso e do ensino de Odontologia, pois os cursos noturnos exigiriam uma organização específica e um modo de funcionamento diferente dos cursos diurnos. Além disso, trata-se de um curso de alto custo tanto para a IES quanto para os alunos.

A ampliação da oferta de formação em Odontologia em Belo Horizonte acompanhada de uma diminuição da procura pelo curso também foi um fenômeno observado em todas as IES, conforme relatado pelos coordenadores. Cabe ressaltar que esse declínio, em termos quantitativos, afeta, de maneira distinta, as diferentes IES.

Nós estamos caindo [...] a nossa relação candidato/vaga tem diminuído e a nossa nota de corte no vestibular tem caído também né e nós estamos com esse problema (C2).

Nós continuamos com o mesmo número de alunos. Claro que reduziu a procura, tantos alunos por vaga, reduziu muito, mas a gente vê isso em todos os cursos. Mas, para nós, continua se mantendo a cada semestre o mesmo número de alunos por vaga (C3).

Não, nas faculdades particulares o vestibular não existe, é uma inscrição, né (C4).

Agora, desde o início nós notamos carência de alunos. O curso de Odontologia até agora, em nenhum dos vestibulares, houve alunos suficientes para suprir as vagas. E houve oportunidade em que o número de candidatos foi tão pequeno que não se abriram matrículas (C5).

Neste sentido, observa-se também uma diversificação dos modelos de seleção nas IES como um importante mecanismo de ampliação do acesso ao ensino de graduação em Odontologia em Belo Horizonte. Todavia, isso não parece

significar o fim do processo de elitização e de seletividade social no acesso ao ensino de graduação em Odontologia. Pelo contrário, o vestibular eliminatório e classificatório continua a ser a modalidade de seleção adotada pelas IES mais tradicionais que ofertam cursos de Odontologia em Belo Horizonte.

Neste contexto, o ensino de graduação em Odontologia, em Belo Horizonte, passou a ser “regulado pela procura de formação” e não mais pela “oferta de formação”.

Observa-se, assim, um dos primeiros impactos dessa modificação no contexto dos cursos/IES: um redimensionamento da oferta em algumas IES privadas no sentido de se ajustarem a essa demanda. Foi observado um direcionamento da oferta de vagas para os turnos de maior demanda (manhã e/ou noite). Observou-se, ainda, a decisão pelo fechamento do curso de Odontologia de uma determinada IES, em outro campus próximo à Belo Horizonte.

Nós estamos agora oscilando menos e a tendência é não oscilar mais porque nós estamos acabando com o turno tarde. A demanda é 90% para o turno manhã. Então, tanto o vestibular no semestre passado quanto o vestibular nesse semestre só foi aberto para um turno, tá certo? (C4).

Mas aqui há uma tendência [...] de deixar aqui (em Belo Horizonte) só (Medicina e Odontologia) e os outros cursos (da área de saúde) vão para [...] (campus da IES em outro município). A Odontologia lá só tem uma turma à noite, vai acabar o curso (C5).

Pode-se considerar que está ocorrendo uma retração da oferta de formação em Odontologia no setor privado em Belo Horizonte como um mecanismo de ajuste à menor demanda pelo curso. Enquanto isso se observa uma pequena expansão de vagas do curso de Odontologia (20%) no setor público, decorrente da proposta da UFMG no REUNI. A ampliação da oferta de vagas pelo setor público tem sido defendida como o principal mecanismo para democratizar o acesso à educação superior no Brasil. Entretanto, parece que a expansão da oferta pública de formação em Odontologia poderá afetar, de alguma forma, a demanda dos cursos privados de Odontologia em Belo Horizonte, como apontou um dos coordenadores entrevistados.

Não sei, ainda tá cedo para gente dizer. Mas, que vai afetar de uma forma ou de outra vai porque, o nosso aluno, [...] isso a gente já fez um trabalho com egresso, o que sai daqui, ele não sai para ir outra escola particular, ele sai para ir para instituição pública, se não, ele não sairia, se ele tiver de escolher (C3).

Esses resultados convergem com a análise de Van Zanten (2005) e Barroso e Viseu (2003, 2006) que consideram que

[...] quando a distribuição de alunos pelas escolas começa a ser regulada pela procura induz o aparecimento de novos espaços de interdependência entre as escolas e entre essas e o território (BARROSO e VISEU, 2006, p.158).

Assim, parece que esses espaços de interdependência dos cursos de Odontologia em Belo Horizonte são marcados pela concorrência em torno dos alunos. Trata-se aqui de um tipo de concorrência de primeira ordem, quer dizer,

[...]é a que surge de uma diminuição da demanda de educação, devida seja a fatores demográficos ou ao desinteresse por um tipo de oferta educacional. Um fator que condiciona o grau mais ou menos elevado desse tipo de concorrência é, portanto, o número de alunos potenciais em uma zona em relação à capacidade de recepção de cada estabelecimento (VAN ZANTEN, 2005, p.569).

Além disso, também se observa entre os cursos de Odontologia em Belo Horizonte a concorrência de segunda ordem, ou seja, aquela que “surge para atrair os alunos vistos como os melhores em relação a suas características acadêmicas e sociais” (VAN ZANTEN, 2005, p.569). A referida autora considera que uma das condições que determinam o grau de concorrência de segunda ordem entre estabelecimentos de ensino é a diversidade acadêmica e social relativa entre o alunado potencial. E que a concorrência entre as escolas depende do tipo de público que desejam manter ou atrair. Desse modo, as escolas desenvolvem estratégias voltadas para conservar ou atrair novos alunos, sobretudo, aqueles que possuem características acadêmicas ou sociais mais desejadas, mediante estratégias diversas de matrícula (VAN ZANTEN, 2005). Nesse estudo, pode-se observar o desenvolvimento dessas estratégias, tais como a diversificação do processo de seleção/recrutamento dos alunos e dos turnos de oferta do curso, dentre outras entre os cursos de graduação em Belo Horizonte.