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CAPÍTULO I A II GUERRA MUNDIAL E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

1.3. A oposição e o mundo bipolar

1.3.1. Da união à divisão

Foi o Porto que sugeriu o nome de Norton de Matos como candidato à Presidência da República, em 1949, através de António Macedo, presidente da Comissão Distrital do MUD. A ideia era que as estruturas do MUD se transformassem em movimento de apoio a essa candidatura, mas nem todos estavam de acordo. A primeira dificuldade vinha do Partido Republicano Português (PRP), não por oposição à escolha do candidato, mas pelo facto de se concorrer a umas eleições organizadas por um regime que já havia dado provas que não respeitava as regras eleitorais. Cunha Leal38 e o seu grupo de amigos eram contrários à candidatura de Norton de Matos, devido à inimizade existente desde a questão suscitada pelo opúsculo Calígula em

Angola, ataque de Cunha Leal à ação de Norton de Matos em Angola. Também António

Sérgio era adverso à candidatura de Norton de Matos por considerar que a oposição não devia apresentar uma figura do passado. Mas a campanha para as eleições à Presidência da República de 1949, conseguiu, congregar à volta de Norton de Matos, um amplo conjunto de apoios: PRP, Maçonaria, US, SPIO, PCP, CGT, MUNAF, MUD, MUD Juvenil, intelectuais da Seara Nova, organizações femininas e oposicionistas independentes.

Apresentada a candidatura ao Supremo Tribunal de Justiça, a 9 de julho de 1948, após um período de grandes discussões de modo a conciliar todas as correntes políticas oposicionistas, Norton de Matos apresentou o seu Manifesto à Nação, redigido, no essencial, por Mário de Azevedo Gomes. Neste Manifesto, o candidato defende a conquista das liberdades fundamentais, o fomento cooperativo, a aceitação do princípio

38

Cunha Leal (1888-1970) militar, publicista e político português. Membro do Partido Republicano Nacionalista fundou a União Liberal Republicana em 1923. Apoiante do golpe de Estado do 28 de Maio de 1926, cedo passou a opor-se à nova situação política. Enquanto governador do Banco de Angola, critica na conferência na Associação Comercial de Lisboa os efeitos que a política financeira de Salazar, enquanto ministro das Finanças, têm em Angola, assim como a sua interferência no orçamento e nas finanças da província. Acusado de conspirar contra o governo, será preso. Enviado para os Açores evade- se, só regressando a Lisboa em finais de 1932 devido a uma amnistia. Na oposição ao Estado Novo participa, enquanto independente, nas listas do MUD às eleições de 18 de novembro de 1945, por Angola. Será candidato da oposição nas eleições para a Assembleia Nacional de 1949. Em 1950 participa no Diretório Democrato-Social, criado por António Sérgio, Jaime Cortesão e Mário Azevedo Gomes, e, em 1951, é um dos principais apoiantes, com Henrique Galvão, da candidatura de Quintão de Meireles à Presidência da República, in AMARAL, Manuel (s.d). “Francisco Pinto Cunha Leal” in Portal da História- Biografias. Disponível em: http://www.arqnet.pt/portal/biografias/cunha_leal.html (consulta realizada a 10 de janeiro de 2013). Como obra de referência para um estudo biográfico de Cunha Leal, ver FARINHA, 2003.

das nacionalizações, a reforma do ensino público, o alargamento da assistência e segurança social e a resolução dos problemas de alimentação e habitação do povo português. Da campanha há a destacar dois momentos de grande entusiasmo e apoio, ambos no Porto: a 9 de janeiro, no Campo do Salgueiros, e a 23, no antigo Centro Hípico, à Fonte da Moura.

O governo inquieta-se com a rápida ação da oposição e, no decurso da campanha, ataca o candidato, acusando-o de fazer parte da Maçonaria e alertando para o perigo comunista que a candidatura da oposição representava. Por isso, Salazar no discurso no Palácio da Bolsa, em 7 de janeiro de 1949, alerta os católicos que “a Igreja não tomará, não pode tomar posição num debate político: mas os católicos não podem manter-se indiferentes às suas consequências” (1951: 372). Na Europa sentia-se o sopro da Guerra Fria e nas eleições seguintes não se tratava só de escolher um de entre dois candidatos, mas um de entre dois regimes: comunista e não-comunista. Norton de Matos, perante tal estratégia, viu-se impossibilitado de fazer uma declaração claramente anticomunista, pois tal representaria a divisão pública do Movimento.

Após as dificuldades postas e impostas à candidatura de Norton de Matos (como censura à imprensa, recusa da consulta dos cadernos eleitorais, represálias e pressão policial sobre os oposicionistas) começou a surgir a ideia da desistência do candidato da oposição e o apelo à abstenção. A poucos dias das eleições, a 7 de fevereiro, na sessão da Comissão Central e dos quadros nacionais do Movimento, presidida por Mário de Azevedo Gomes, no Centro Republicano António José de Almeida, as opiniões dividiram-se. A divergência quanto à ida ou não às urnas escondia as verdadeiras diferenças dentro da oposição que, lentamente, começaram a surgir durante a campanha. A divisão do mundo em dois blocos antagónicos refletia-se no seio da oposição e a divisão estava iminente. A atmosfera adensa-se cada vez mais. A decisão pela abstenção é tomada num clima de desmobilização e conflitualidade, agravada pela repressão que se segue.

A rutura da unidade da oposição após as eleições presidenciais de 1949 é uma realidade. A bipolaridade do mundo reflete-se na luta contra o regime, tornando incompatível uma luta conjunta entre comunistas, republicanos e socialistas. Sob os efeitos da Guerra Fria, não foi possível à oposição manter-se unida e mergulhou numa nova fase de refluxo e divisão.

Em 1949, com o que ficara de parte das estruturas da candidatura de Norton de Matos, cria-se o Movimento Nacional Democrático (MND)39 que, “embora as reivindicações de base do novo movimento fossem essencialmente as mesmas dos anteriores (liberdades públicas, «eleições livres», democratização da vida nacional a todos os níveis, substituição da orgânica corporativa, etc) o MND foi obrigado a tomar, no plano interno e em matéria de política externa (em virtude da falta de apoio aos oposicionistas tradicionais), uma feição acentuadamente esquerdista” (SOARES, 1974: 169-170).

O governo, de modo a impedir no país o que considerava ser a subversão comunista, ativa o seu aparelho repressivo e a “limpeza” no aparelho civil do Estado, o que provoca uma forte sangria na oposição. O Partido Comunista sofre uma profunda rutura com a prisão de Álvaro Cunhal e de Militão Ribeiro e a descoberta das instalações clandestinas.

Quando do anúncio das eleições para a Assembleia Nacional, em 13 de novembro de 1949, a oposição encontrava-se fragmentada. A sua capacidade de intervenção e de influência diminuiu consideravelmente e as únicas listas alternativas às das União Nacional para as eleições de 13 de novembro de 1949 surgiram nos círculos de Portalegre (Pequito Rebelo) e de Castelo Branco, onde se apresentam respetivamente republicanos e monárquicos (encabeçados por Cunha Leal, do lado republicano)40. O MND, presidido por Ruy Luís Gomes41, mantém-se numa posição abstencionista, desinteressando-se do ato eleitoral. O resultado não trouxe novidade: 14,39% em Portalegre e de 2,45% em Castelo Branco.

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Na Comissão Central do Movimento Nacional Democrático (MND) estavam: Ruy Luís Gomes, Maria Lamas, José Morgado, José Alberto Rodrigues, Albertino Macedo, Pinto Gonçalves, Areosa Feio e Virgínia Moura.

40

Relativamente à lista do círculo de Portalegre, esta recusava-se de ser apelidada de “lista da oposição” e era exclusivamente constituída por monárquicos e lavradores (VENTURA, 1993: 233).

41

Ruy Luís Gomes (1905-1984) licenciou-se em Matemática na Universidade de Coimbra e doutorou-se em 1928. Em 1945 foi eleito presidente da Comissão Distrital do Porto do Movimento de Unidade Democrática (MUD), o que levou à sua prisão e em 1947, foi demitido de professor catedrático da Universidade do Porto por motivos políticos. Fruto da sua atividade política foi preso, várias vezes, ao longo dos anos de 1945 e 1957. Participou na candidatura de Norton de Matos à Presidência da República, como vice-presidente da Comissão Distrital do Porto e foi candidato à Presidência da República em 1951, apesar de a sua candidatura acabar por ser rejeitada pelo Conselho de Estado.

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