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CAPÍTULO II “GOA É UMA JÓIA DE FAMÍLIA ANTIGA, DE GRANDES

3. O Memorando

Passado um ano da independência da União Indiana, a 12 de agosto de 1948, os dois governos anunciaram o estabelecimento de relações diplomáticas ao nível de legações. As relações entre Portugal e a União Indiana haviam-se mantido através do Consulado Geral de Portugal em Bombaim, para, em outubro de 1948 passarem a ser através da Legação em Nova Deli, entregue ao ministro Vasco Vieira Garin. De acordo com o habitual em início de funções diplomáticas, o ministro Vasco Garin, iniciou uma série de visitas aos ministros de Estado da União Indiana. Em março de 1949, Vasco Garin, informa o ministro dos Negócios Estrangeiros da sua visita ao vice-primeiro- ministro e ministro do Interior, Sardar Patel, conhecido por “ditador ferro”, responsável pelo “rápido trabalho de integração de 562 estados da União Indiana”. Nessa visita, e à pergunta de Sardar Patel sobre o que pensava o Governo português fazer em relação aos territórios que possuía na Índia, tendo em atenção o desejo por parte da União Indiana de serem integrados na União Indiana, Vasco Garin apresentou um conjunto de argumentos sobre a importância da presença portuguesa em Goa, concluindo que tudo o que o Governo de Portugal “pensava, podia e desejava fazer era continuar e estreitar se possível boas relações de vizinhança”. Sardar Patel, atento às respostas, observa que o discurso de Vasco Garin seria diferente se Portugal tivesse enclaves estrangeiros no seu território, pois compreenderia melhor a forma de sentir da Índia, comentando ainda que o Governo português era muito autoritário pois “quando alguém [em] Goa se mostra desejoso de trabalhar em prol da liberdade [dos] territórios metem-no na prisão”. Garin, ouvindo-o com atenção, corrige-o, advertindo que os goeses não podiam trabalhar em prol da “liberdade pois [os] territórios não estavam sujeitos [a] Portugal mas «eram Portugal»”197.

A União Indiana, em finais de 1949, abriu uma Legação em Lisboa, entregue ao ministro Zare Katachuta Menon, e não tardou em propor negociações quanto ao futuro do Estado Português da Índia. A 27 de fevereiro de 1950, a União Indiana reivindica formalmente a soberania sobre as colónias portuguesas no Indostão:

197

Telegrama de Vasco Garin ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Legação de Portugal em Nova Deli, 12 de março de 1949, in ANTT/AOS/CO/NE 4G, pp. 1-9.

“O Governo da Índia aborda agora o Governo Português com o pedido de início imediato de negociações a respeito do futuro das colónias portuguesas na Índia. A mutação é da essência da história e a adaptabilidade à mutação é a chave da manutenção de boas relações entre Nações. A Índia não está animada por qualquer espírito de agressão ou de engrandecimento. Ao pedir uma união destas colónias com ela própria, não está a pedir mais do que o cumprimento de um imperativo natural de tradição e emoção humana” (MNE, 1967a: 188-189)198

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Nehru, já a 6 de fevereiro no Parlamento indiano, mostrara que na opinião do Governo da Índia, “não tinha dúvidas que Goa haveria de vir para a Índia” (MNE, 1967a: 162-163)199 e não deixava de criticar, tanto no parlamento indiano e no fórum da ONU, a política de repressão de Salazar em Goa.

A 15 de junho de 1950, Caeiro da Matta, ministro dos Negócios Estrangeiros, entrega a Menon a resposta portuguesa, considerando que as negociações propostas pela União Indiana seriam “apenas para definir a forma como o Estado Português da Índia seria integrado na União Indiana”. Por essa razão, o Governo português “deve lealmente declarar que ele não pode discutir e muito menos aceitar para ela a solução que se lhe propõe”(MNE, 1967a: 219-221)200

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Manipulada a opinião pública pela censura e por uma forte propaganda, as vozes da oposição à política colonial do regime têm dificuldade em ser ouvidas.

O passado histórico republicano de defesa da integridade do território nacional estava presente nos oposicionistas republicanos que perante a ameaça de Nehru, desenvolveram um conjunto de conceções de proteção do Império. Para o República, jornal dirigido desde 1941 por Carvalhão Duarte201, o Estado da Índia era encarado como um pedaço vivo de um todo e indivisível que era a Pátria Portuguesa. Os republicanos defendiam que, se Goa tivesse condições para viver por si, “poderia

198

“AIDE-MEMOIRE” - Da Legação da União Indiana em Lisboa ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, Lisboa, 27 de fevereiro de 1950, doc n.º 180. (Tradução).

199

Telegrama do ministro de Portugal em Nova Deli ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Nova Deli, 6 de fevereiro de 1950, doc. n.º 151.

200

Memorial entregue pelo ministro dos Negócios Estrangeiros ao ministro da União Indiana em Lisboa, 15 de junho de 1950, doc. n.º 216.

201

Jaime Carvalhão Duarte (1897-1972) nasceu em Castelo Branco. Professor do ensino primário, republicano e declarado opositor da ditadura. Participou ativamente nas principais iniciativas do professorado português, desde 1915, até à sua aposentação compulsiva pela ditadura, em 14 de maio de 1935. Jornalista no República, onde entra como colaborador em 1930, tendo assumido funções de diretor do jornal em 1941 (sucedendo a Ribeiro de Carvalho), até à sua morte, a 21 de agosto de 1972. MARTINS, José M. (2011). “Jornal Republicano” – Carta de Carvalhão Duarte” in Almanaque Republicano. Disponível em: http://arepublicano.blogspot.pt/2011/07/jornal-republica-carta-de- carvalhao.html (consulta realizada a 18 de dezembro de 2012).

aceitar-se, poderia compreender-se que, honrando sempre a sua qualidade de portugueses, pudessem os seus habitantes desejar a independência”. Mas, para o

República, existiam circunstâncias que não possibilitavam, não só pela sua limitada

população e sua pequena extensão territorial, mas principalmente, pela vontade do seu povo querer “continuar a ser terra portuguesa”202

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A ideia de Império, que sempre ocupara um lugar central no ideário militante do republicanismo e que já havia sido utilizada como arma do “minoritário Partido Republicano contra a Monarquia em crise desde os finais do séc. XIX e, sobretudo após o Ultimatum Inglês” (TORGAL, 2002: 150), era agora de novo defendida. Os republicanos, conscientes da força do Império na formação da unidade e identidade nacional voltavam a incorporar no seu discurso a defesa da salvaguarda, manutenção e desenvolvimento dos territórios ultramarinos (PROENÇA, 2010: 205)203.

Frases como: as colónias fazem parte da família portuguesa, são parte integrante de Portugal unidas por laços de sangue, de língua, pelo valor dos sacrifícios, pela solidariedade dos sentimentos afetivos, pela importância de interesses espirituais e económicos, eram frequentes. Para Julião Quintanilha “todos estes sentimentos e interesses que constituem uma realidade consagrada em cinco séculos de História” não dispensavam, no entanto, uma mentalidade colonial, cada vez, mais atenta à evolução dos povos, às conquistas das ciências e da técnica204. Desde março de 1951, nas páginas do República, através de artigos que designou por “Defesa do Além-Mar”, Augusto Casimiro205, defendia a necessidade do melhoramento e progresso da população

202

“Lá também é Portugal”, in República, n.º 6902, 25 de fevereiro de 1950, p. 1. A este artigo do República serão tecidos os mais altos elogios, como o caso do Centro Escolar Republicano Almirante Reis que, em 1945, cedeu as suas instalações para a realização da reunião fundadora do Movimento de Unidade Democrática, aproveita o momento para protestar, através da direção, contra as afirmações feitas por Nehru acerca do domínio português em Goa. In República, n.º 6912, 7 de março de 1950, p. 12.

203

A reorganização do Império Colonial Português, superando os erros da Monarquia Constitucional será a grande tarefa da I República. Os princípios de autonomia e descentralização defendidos pelo republicanos, como viriam a ficar expressos no art. 67º da Constituição de 1911, a aplicar no sistema administrativo e financeiro, desdobrado em sete novos artigos pela revisão de 1920, onde se criou o regime dos Altos Comissários; tornar-se-iam difíceis de aplicar num império vasto, pouco desenvolvido e num território ainda não totalmente pacificado, com falta de quadros administrativos e com uma população nativa num nível incapaz de colmatar as falhas (PROENÇA, 2010: 205-228).

204

Julião Quintanilha, “Temas Eternos «Estudos coloniais»”, in República, n.º 6911, 6 de março de 1950, pp. 1-2.

205

Augusto Casimiro dos Santos (1889-1967) nasceu em Amarante. Mais conhecido por Augusto Casimiro, poeta, memorialista, jornalista, comentarista político português e destacado opositor republicano ao regime político do Estado Novo tendo sido reformado compulsivamente do Exército. Fez parte do grupo que fundou a Renascença Portuguesa (1912), colaborador da revista Águia e cofundador (1921), dirigente e redator (1961 a 1967) da revista Seara Nova. “Augusto Casimiro”, in Wikipedia. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Augusto_Casimiro_dos_Santos (consulta realizada a 18 de dezembro de 2012). No estudo sobre a sua obra literária, “Augusto Casimiro: militar e escritor

“nativa” e que as carências da economia metropolitana fossem colmatadas com a produção ultramarina. Insistia na necessidade de “suprimir cada vez mais o que pode separar ou opor brancos e negros considerando-os a todos portugueses”206, iniciando os negros na “compreensão e prática de direitos e deveres comuns abrindo-lhes as mesmas possibilidades económicas, políticas e culturais”, acautelando, deste modo, problemas políticos futuros “postos em condições inimigas entre nós”207

. Sobre a Ásia, assunto que estava na ordem do dia, Augusto Casimiro defendia que era preciso que não “nos tornássemos vítimas irremediáveis enquanto podemos (defendendo o que é nosso, perdurável e justificadamente nosso)”208

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Em torno das colónias existia um certo consenso nacional, uma ideologia estruturante que, para Fernando Rosas, se apoiava em quatro vetores: 1) Na “missão histórica” de colonizar e civilizar, o que fazia da “defesa do património colonial e da sua exploração, não uma escolha ao sabor das variações da política ou dos interesses económicos, mas um incontornável «imperativo da consciência nacional», um «imperativo histórico-geográfico»”; 2) Na conceção da superioridade do homem branco face ao “indígena” ou “preto”, entendida esta não só em termos civilizacionais, como em termos raciais. “As ideias lusotropicalistas da assimilação só aparecerão no discurso do regime”209

com a vaga de descolonizações e de contestação ao domínio colonial português; 3) No direito histórico à ocupação e manutenção do Império; 4) Na ideia de que defender as colónias era defender a própria independência nacional. A salvaguarda da soberania portuguesa metropolitana estava indissociavelmente ligada à manutenção do Império, sendo a Aliança Luso-britânica a condição incontornável de garantia e proteção da integridade colonial e da segurança das rotas marítimas (1995: 19-32).

As pretensões de Nehru, apresentadas no Parlamento, de que Goa se devia reunir à Índia mobilizam na população portuguesa um conjunto de protestos. Num país sob uma ditadura e fora dele, surgem expressões de solidariedade a Portugal, através de

republicano”, Luís Alves de Fraga observa que o patriotismo e o conhecimento de África não colocaram [Augusto Casimiro] na posição de defender os conceitos de um Portugal uno do Minho a Timor; bem pelo contrário, muito cedo deixava já transparecer a ideia de que os territórios de além-mar tinham direito à autonomia e independência, depois de Portugal os ter ajudado a progredir na senda de um crescimento sadio, tanto do ponto de vista económico como político” (FRAGA, 2010: 289).

206Augusto Casimiro, “Defesa do Além- Mar”, in República, n.º 7275, 12 de março de 1951, p. 5. 207Augusto Casimiro, “Aquém e Além-Mar”, in República, n.º 7387, 4 de julho de 1951, p. 5. 208Augusto Casimiro, “O Despertar da Ásia”, in República, n.º 7464, 20 de setembro de 1951, p. 4. 209

O luso-tropicalismo foi uma doutrina elaborada por Gilberto Freyre e introduzida, após a Revisão Constitucional de 1951, no discurso oficial, tendo Portugal efetuado uma colonização exemplar, marcada pela tolerância e pela abertura. (CASTELO, 1999). Este tema será abordado com maior profundidade no capítulo II, tema 4 - “Uma pátria pluricontinental e multirracial”.

associações portuguesas, ou a nível individual de toda a parte do mundo. Já quando das declarações de Nehru no Parlamento indiano, a colónia portuguesa de New Bedford, nos Estados Unidos enviou telegramas de protesto não só ao Presidente de Conselho, como ao governador-geral de Goa e ao embaixador da Índia em Washington. A mobilização da opinião pública foi uma tarefa levada a cabo pelo governo de Salazar. Foi enviado não só para várias associações portuguesas nos EUA todo o material publicado sobre Goa “à medida que o mesmo ia aparecendo na imprensa”, como foi também distribuído pelos jornais de maior tiragem dos Estados Unidos, Senadores, jornalistas e personalidades políticas. Assim como foi realizado um comício de apoio à Pátria distante conseguindo-se, segundo carta da Embaixada de Portugal em Washington, “reunir pela primeira vez à volta de um problema nacional, todos os portugueses e descendentes de portugueses, que vivem neste paiz”210

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No jornal República ainda outros oposicionistas demonstravam a sua posição. Rocha Martins211 esclarecia que a situação do Estado Português da Índia era diferente de qualquer outro país para com as suas colónias, no sentido de que a Índia foi considerado um Estado. Os seus cidadãos, para Rocha Martins, usufruíam dos mesmos direitos dos da Metrópole e ilhas adjacentes, podendo desempenhar altos cargos na Metrópole, o que demonstrava o “abismo entre a maneira que Portugal trata a Índia e a forma que outros países conduziram a sua política colonial no Oriente e em vários pontos da Terra. (…) A bandeira que cobre o território da Índia Portuguesa é igual à que nos consagra como Estado”. Acrescentava ainda que entre a violência e o plesbicito, neste último o “Estado Indiano perderá também, porque os nativos da Índia Portuguesa se pronunciarão pelas tradições. Falam a língua comum, usam-na há séculos; encontram na metrópole as compensações para os seus esforços e talentos. Sabem que amanhã a sua terra não passará de um vago departamento na massa imensa do empório emancipado”212

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210

Carta da Embaixada de Portugal em Washington para o ministro dos Negócios Estrangeiros, 5 de maio de 1950, in AHD/MNE/PEA - 2º piso - Armário 49 – Mç. 56.

211

Francisco José da Rocha Martins (1879-1952) nasceu em Lisboa. Autor de uma vasta obra de divulgação histórica, tendo por centro o culto da Pátria e dos seus heróis, publicou diversas biografias, novelas e romances históricos de grande sucesso. Rocha Martins, jornalista, historiador e ativista político, monárquico convicto, mas liberal, chegou a colaborar nos primeiros momentos da ditadura mas, mais tarde participa na oposição democrática. Os seus artigos no jornal República, a partir de 1945, são “gritados pelos ardinas de Lisboa, num estribilho tornado famoso: «Hoje fala o Rocha, está Salazar à brocha»”. MARTINS, José M. (2013). “Jornal Republicano – “Rocha Martins – Contra o poder, escrever, escrever”, in Almanaque Republicano. Disponível em: http://arepublicano.blogspot.pt/2013/06/rocha- martins-contra-o-poder-escrever.html (consulta realizada a 18 de dezembro de 2012).

212

A questão de Goa e o posicionamento do governo assumirão particular importância para o PCP que, nos inícios dos anos cinquenta, já defendia que a luta em defesa da Paz era uma das importantes frentes de batalha no combate antifascista. Os apelos no Avante! pela participação na organização em defesa da Paz são frequentes213. Em junho de 1950 apelava ao apoio a Joliot Curie pela participação na votação mundial pela proibição incondicional da Arma Atómica com a recolha de assinaturas, pelo Apelo

de Estocolmo214, e em agosto de 1950, com o apoio do PCP, na conferência

comemorativa do 15.º aniversário da Associação Feminina Portuguesa para a Paz (AFPP), foi aprovada uma moção que lançou o desafio da constituição do Movimento Nacional em Defesa da Paz. Diversas personalidades de diferentes áreas de atividade e tendências políticas fizeram parte: Egas Moniz, Ruy Luís Gomes, Pulido Valente, Vieira de Almeida, Ferreira de Macedo, Fernando da Fonseca, almirante Tito de Morais, Ferreira de Castro, Virgínia Moura, João de Deus Ramos, Cesina Bermudes, Lopes Graça, engenheiro Tito de Morais, Maria Lamas, Maria Isabel Aboim Inglês, José Morgado, António José Saraiva, Dias Amado e Manuel Valadares215. Mas para Pacheco

213

O Conselho Mundial da Paz surgiu poucos anos após o fim da II Guerra Mundial, num momento em que a situação internacional se agravava em consequência da política belicista. O primeiro passo foi dado em agosto de 1948, pelo apelo do Congresso dos Intelectuais de Wroclaw a favor de um movimento em defesa da Paz. Entre 20 e 26 de abril, reuniu-se simultaneamente em Paris e Praga, o primeiro Congresso Mundial dos Partidários da Paz, criando em novembro de 1950, o primeiro Conselho Mundial da Paz, presidido pelo Prémio Nobel francês Frédéric Joliot-Curie. Ao longo dos anos foram criados em diversos países comités para a defesa da Paz, pois como refere João Madeira “a luta pela Paz passava a constituir como que o elemento estruturante da intervenção política, já que configurava uma espécie de chapéu-de- chuva que remetia directamente para um alinhamento tácito, com o bloco soviético”(2011: 189).

214

Lançado pelo cientista Fredéric Joliot-Curie e pelo Movimento Mundial pela Paz, o comité permanente do Congresso Mundial dos Partidários da Paz, reunido em Estocolmo, em 18 março de 1950, emitiu um apelo pela proibição da bomba atómica numa campanha de assinaturas em sua defesa, o chamado Apelo de Estocolmo: “Exigimos a interdição absoluta da arma atómica, arma de terror e de extermínio em massa de populações. Exigimos o estabelecimento de um vigoroso controlo internacional para a aplicação dessa medida de interdição. Consideramos que o governo que primeiro utilizar a arma atómica, não importa contra que país cometerá um crime contra a humanidade e será tratado como criminoso de guerra. Pedimos a todos os homens de boa vontade no mundo inteiro que assinem este apelo”. “Apelo do Comité Permanente do Congresso Mundial dos Partidários da Paz”, in Avante!, VI série, n.º 150, agosto de 1950, p. 4.

215

Gustavo Carneiro no seu estudo sobre o Movimento Nacional em Defesa da Paz aponta que o “Partido Comunista canalizou os seus esforços em dois sentidos, complementares entre si: a formação de uma estrutura específica, de carácter nacional, que dinamizasse e dirigisse a luta pela Paz; e a criação de uma opinião pública favorável à Paz (ou seja, contrária à política externa norteamericana e à submissão, a esta, do salazarismo). Para este último objectivo, deveriam convergir não apenas a nova estrutura a criar – o Movimento Nacional para a Defesa da Paz –, mas o próprio Partido Comunista e o conjunto de movimentos unitários por si influenciados”. Pretendendo a constituição de uma unidade em torno da luta pela Paz, “o PCP considerava que o essencial dessa luta deveria ser travado no plano «legal»” constituindo comissões em defesa da Paz (2013: 43), mas o clima de Guerra Fria que se vivia afastava alguns intervenientes (2013: 106). Contudo, assinala Gustavo Carneiro que, durante o “processo de mobilização foram incorporados neste movimento específico muitos outros que até então não se tinham associado à acção política. O exemplo da comissão para a defesa da Paz da Escola Superior de Belas-

Pereira, a maioria destas personalidades “não deu ao movimento da «Paz» mais do que uma vaguíssima adesão, em alguns casos seguida de um repúdio público, e os únicos que ficaram foram os comunistas ou os seus simpatizantes, que também já pertenciam ao MND” (2006: 115), como o caso de Egas Moniz, que abandona o Movimento quando das críticas à NATO. Segundo João Madeira “tratava-se de criar um movimento pela paz paralelamente ao já constituído MND, ainda que muitos dos seus dirigentes fossem simultaneamente de ambas as organizações” (2011: 193). Tendo o PCP na constituição e funcionamento destas estruturas um papel determinante, como lembra Gustavo Carneiro “vários autores e protagonistas reconhecem, porém, que estes movimentos ganharam o seu próprio espaço político, não se constituindo como simples emanações do PCP” (2013: 108)216

. Abarcando a luta pela Paz o MND, a AFPP e o MUD Juvenil, este último passa a colaborar nas atividades em defesa da Paz, que vão desde a recolha de assinaturas contra a bomba atómica, pelo Apelo de Estocolmo e por um Pacto de Não Agressão entre as grandes potências. Os apelos no Avante! contra a agressão norte-americana na Coreia, o Pacto Atlântico Norte e a submissão económica ao Plano Marshall são uma constante. O partido Comunista manifesta-se contra a política de guerra salazarista alertando que, “o povo português jamais servirá de carne de canhão numa guerra de agressão contra a gloriosa União Soviética e as Democracias Populares”217

. As considerações sobre a vida dos povos coloniais, a exploração dos trabalhadores de Angola e Moçambique, que se encontravam na ruína e na miséria fruto

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