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O deslocamento do centro de gravidade da política mundial para oeste

CAPÍTULO I A II GUERRA MUNDIAL E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

2. Uma nova ordem no mundo

2.2. O deslocamento do centro de gravidade da política mundial para oeste

A política de neutralidade colaborante utilizada pelo chefe do Governo português, Oliveira Salazar, permitiu que, no fim da II Guerra Mundial, o regime, de um modo ou outro, fosse aceite pelos países aliados. Os Estados Unidos desde 1943 aproximavam-se do regime português, pois o acordo luso-britânico, assinado a 17 de agosto desse ano, concedendo ao Governo britânico autorização para criar nas Lajes uma base naval e aérea durante o período da guerra, não satisfazia as autoridades militares norte-americanas, uma vez que este “não permitia que fossem usadas por unidades militares americanas - podia sim servir para reabastecer aviões em trânsito, que era o seu principal uso” (TELO, 1996b: 900)43

. Os americanos pretendiam obter o uso exclusivo e permanente de uma base nos Açores, de modo a assegurar uma escala no transporte das tropas americanas para os continentes europeu e africano e assegurar os direitos de longa duração, o que não seria possível passando pela aliança inglesa. Segundo Luís Nuno Rodrigues “tratava-se de uma mudança radical no modo como até aqui os Aliados tinham conduzido as suas conversações com Portugal. Os Estados Unidos dispensavam a intervenção do Reino Unido como intermediário e como interlocutor privilegiado em Lisboa e passavam a desenvolver uma diplomacia autónoma para com Portugal” (2005: 76).

Lisboa opta por uma estratégia de demora e atraso nas negociações com os americanos. Portugal manteve, até 1944, uma política de distanciamento em relação aos EUA, pois receava que estes procurassem “exportar” os regimes democráticos e

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Segundo os estudos efetuados por Medeiros Ferreira, “os Aliados só se decidiram pela utilização dos Açores depois de terem a certeza de que os Alemães não tinham possibilidades de invadir a Península Ibérica. Por isso, só após a resolução vitoriosa da campanha do Norte de África se decidem a pedir facilidades nos Açores. Por esta cautela se pode verificar que os Aliados pretendiam, a partir de Novembro de 1942, que os Açores desempenhassem funções estratégicas de articulação entre as margens do Atlântico e não as funções de fronteira entre o continente europeu e o grande oceano que tinham levado à hipótese de invasão unilateral” (2006: 28).

fomentassem a autonomia das colónias dos países europeus. Após longos meses de difíceis e arrastadas negociações, Salazar encara que o avanço dos EUA para a Europa era a única forma de conter os ventos do comunismo no pós-guerra. A 28 de novembro de 1944, os EUA viram as suas pretensões serem atendidas, com a assinatura do acordo entre os dois governos. Foi concedida autorização aos EUA para construir e utilizar uma base naval e aérea na Ilha de Santa Maria, recebendo Portugal, em contrapartida, a garantia de Washington de ajudar a restituir a soberania portuguesa no território de Timor-Leste que se encontrava ocupado pelos japoneses, desde fevereiro de 1942. Salazar preparava o pós-guerra com a consciência da importância da cedência das bases açorianas às tropas anglo-americanas, para o bom relacionamento. A aproximação de Portugal aos Aliados era uma realidade, vendo o Governo português “garantida a sua posição de neutro colaborante que lhe permitirá sobreviver no pós-guerra e, mais do que isso, lhe assegurará o apoio dos Aliados. A Grã-Bretanha e os Estados Unidos passam a apoiar mais abertamente Salazar, não interferindo nas questões políticas internas” (CASTAÑO, 2005: 104).

Com o fim da guerra, Salazar acredita que o poder inglês se vai manter e coloca até muito tarde, fortes reservas a uma relação bilateral mais estreita com os EUA. Salazar teme pelo Império pois sabe “que, no mínimo, Portugal não vai encontrar nos EUA, o tradicional apoio que a Inglaterra dava para a manutenção do império” (TELO, 1994: 352) e evitará, durante algum tempo, assinar um acordo bilateral com os EUA de concessão de facilidades nos Açores. A data de termo dos acordos de cedência das bases dos Açores era 2 de março de 1946, mas as autoridades americanas, fruto do grande valor estratégico dos Açores, cuja utilização se tornou fundamental no decurso da II Guerra Mundial, solicitaram ao Governo português negociações para a continuação da cooperação mútua, invocando as difíceis situações na Europa e no Extremo Oriente, como resultado do conflito mundial, pedindo o uso de bases permanentes nos Açores, com preferência por Santa Maria. As negociações entre as autoridades diplomáticas portuguesas e norte-americanas são encaradas com fortes reservas, pois os responsáveis portugueses não confiam nas intenções dos EUA “em relação à manutenção do poder europeu, em relação ao livre comércio, em relação ao liberalismo que pareciam querer impor de forma universal e, sobretudo, em relação às intenções de médio prazo quanto aos impérios tradicionais europeus, ponto em que os portugueses eram muito sensíveis” (TELO, 2006: 53). Após três meses de alargamento do acordo para uso de facilidades dos Açores pelos EUA, o aeroporto de Santa Maria regressa ao controlo português, a 2

de junho de 1946. Em contrapartida, Portugal aceita ceder aos EUA direitos de uso da base das Lajes por períodos curtos, sendo estabelecida a continuação de facilidades no aeroporto das Lajes, na Ilha Terceira, até à data de 2 de dezembro de 194744. Para Nuno Severiano Teixeira, o Acordo Bilateral assinado a 2 de fevereiro de 1948, será o primeiro sinal, apesar da sua tradicional desconfiança em relação aos Estados Unidos da América, de reconhecimento do declínio britânico e a emergência americana como grande potência marítima hegemónica no Atlântico (2006: 150).

As relações com os EUA consolidam-se com o fim da guerra, pois num sistema internacional de rivalidade bipolar, iniciam-se contactos dos EUA com os países do Pacto de Bruxelas para estudar planos para a defesa da Europa. O convite a Portugal, por iniciativa dos EUA, em aderir ao pacto de defesa em preparação é feito pela Inglaterra no verão de 1948, e ficou a dever-se “principalmente às posições das ilhas atlânticas, essenciais nas pontes aéreas para o Sul da Europa e nos planos nucleares americanos” (TELO, 2006: 55).

Num longo e complexo processo de decisão da política externa portuguesa, Portugal adere, em verdadeiro clima de reservas, a 4 de abril de 1949, ao Tratado do Atlântico Norte (NATO), tornando-se membro fundador da Aliança Atlântica45. O texto do pacto levantou algumas hesitações, referentes, em primeiro lugar, no que respeita à alusão à Carta da ONU, organização a que Portugal não pertencia, e ao modelo democrático parlamentar que o Estado Novo recusava; em segundo, a recusa de qualquer solução de integração ou supranacionalidade (receando a perda do controle da base dos Açores); em terceiro lugar, o facto de a Espanha ter sido excluída do pacto, considerando Salazar que a unidade estratégica da Península Ibérica46 era fundamental para a defesa do Ocidente; e, por fim, o prazo de 20 anos para a vigência do tratado ser considerado excessivamente longo, receando ver-se envolvido num novo conflito depois da neutralidade conseguida na II Guerra (TEIXEIRA, 1995: 806). Mas a consciência de que o apoio dos Estados Unidos era necessário “à segurança dos países ribeirinhos do Atlântico Norte na mesma medida em que as posições atlânticas passaram a ser necessárias à defesa americana”, como foi referido por Salazar em

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A 3 de julho de 1947 principiaram as conversações para o uso da base das Lajes e pelo Acordo Bilateral, assinado, a 2 de fevereiro de 1948, é permitido a continuação do uso das Lajes pelos americanos até 2 de dezembro de 1950.

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Assinaram o respetivo protocolo os representantes da Bélgica, Canadá, Dinamarca, EUA, França, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Portugal e Reino Unido.

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Para Medeiros Ferreira, a inclusão de Portugal e a exclusão da Espanha na Aliança conferiram à política externa portuguesa um lugar de preponderância no quadro peninsular e de interlocutor privilegiado no quadro extrapeninsular que teria pesado na decisão de Salazar (1987: 395-401).

discurso na sala das sessões da Assembleia Nacional em 25 de julho de 1949, tornou difícil para Portugal, em tais circunstâncias, estar ausente (1951: 413).

A entrada de Portugal na NATO conferiu ao regime uma certa legitimação internacional. O bom relacionamento bilateral com os EUA é marcado pela assinatura de acordos de cooperação militar. À sombra do Mutual Defense Assistance Act, de 1949, inicia-se a cooperação em matéria de defesa entre Portugal e os EUA, em termos de treino de pessoal e de fornecimento de equipamentos militares. A NATO fez, em poucos anos, mudar a política de defesa nacional. Ao longo dos anos cinquenta, deu-se a modernização profissional e o reequipamento técnico das forças armadas portuguesas, com a construção de infraestruturas e com a receção de material de guerra. As negociações sobre o uso das Lajes recomeçam numa nova perspetiva, pois trata-se agora de estudar o contributo do país para os planos de defesa da Europa e perante esta nova perspetiva e da necessidade externa de apoios, Salazar explora de forma bastante hábil a questão dos Açores. No quadro do Tratado do Atlântico Norte, os dois países assinaram, a 6 de setembro de 1951, um Acordo de Defesa que prolongava as facilidades na base militar dos Açores, até 1 de setembro de 195647.

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