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Dados e interpretações: pontos de vista

6. RECEPÇÃO DE MÚSICA DESMATERIALIZADA: PESQUISA APLICADA

6.5 Dados e interpretações: pontos de vista

Neste conjunto de perguntas, a pesquisa objetivou saber algumas opiniões dos receptores musicais sobre a audição de música em caixas de som grandes, como proposto inicialmente pela indústria do disco, e sobre aspectos voltados para o futuro da relação entre ouvinte, música e aparatos. Sobre o primeiro aspecto, 61,6% disseram concordar que a audição tradicional, em aparelhos de som com caixas de saída grandes e potentes, proporciona melhor contemplação da música, contra 38,3% que não concordam. A porcentagem dos que concordam é majoritária em todos os três grupos, variando entre 56,0% para o grupo 1, 62,5% para o grupo 2, e 68,7% para o grupo 3. A principal razão apontada é que só com as caixas grandes e abertas é possível perceber todos os detalhes da música. Entre as razões para discordar desse argumento, apontadas pelos ouvintes, está o fato de a música produzida na contemporaneidade não precisar ou merecer ser contemplada.

Quando se fala em migração dos discos para suportes desmaterializados, atribui-se boa parte da aceitação do novo modelo a questões econômicas, afinal, o download é, na esmagadora maioria dos casos, prática gratuita. No entanto, 79,4% dos entrevistados acreditam que as pessoas ainda estariam comprando CDs originais com a mesma intensidade de vinte anos atrás, caso não houvesse música digitalizada e a prática do descarregamento. Entre os usuários acima de 46 anos, esta porcentagem sobe para 82,3%. Isso significa que, de um lado, é evidente que o download alterou a forma como o ouvinte lida com a música, oferecendo-lhe uma nova forma de obtê-la e ouvi-la. No entanto, esses dados mostram, também, que o raciocínio de que as pessoas deixaram de comprar CD somente porque o preço é alto pode apresentar fragilidade. Durante as décadas de 1970 e 1980, o Brasil não vivia períodos de estabilidade financeira e não só os discos, mas praticamente todos os bens duráveis e de consumo, eram relativamente caros. O Fiat Uno, lançado em 1989 como carro popular, custava 1,2 milhão de cruzeiros, equivalente hoje a 63,7 mil reais (CONTESINI, 2012). Esse carro hoje custa cerca de 30 mil reais. Testemunhos de ouvintes musicais encontrados em fóruns no site de relacionamento Orkut (www.orkut.com), acessados em novembro de 2012, mostram que 1996 um LP custava 16 reais, e que, entre os anos de 1960 e 1990, um LP custava cerca de 10% do salário mínimo do brasileiro. Em 2012, há CDs à venda por 9,90 reais, mas o salário mínimo é de cerca de 600 reais. Ou seja, nesta proporção, um LP dos anos 60 ou 70 custaria hoje 60 reais, mais caro que a maioria dos CDs colocados à venda no século XXI. Esses dados, baseados nas lembranças e informações de usuários, mostram que o preço dos discos sempre foi relativamente alto e, mesmo quando não era possível “baixar” música, os índices de vendas eram altíssimos. As pessoas compravam não só porque não tinha outra opção, mas também porque queriam comprar. É caso de se perguntar se as pessoas eram mais ricas ou se o preço nunca foi, de fato, empecilho para se comprar discos. “Baixar” é mais barato, sem dúvida, mas isto não é o mesmo que afirmar que o “preço do CD é alto”. É melhor falar em “prefiro não mais comprar”. Se o preço sempre tivesse sido alto, os índices de vendas nunca teriam sido elevados.

Em relação ao futuro da indústria fonográfica, a maioria dos pesquisados (77,0%) acredita que o CD e o DVD não deixarão de ser fabricados, principalmente porque sempre haverá público para eles. Surpreendentemente, o grupo com mais respostas nesse sentido foi o dos ouvintes entre 15 e 25 anos (84,6%), enquanto 75% dos ouvintes 2 e 68,7% dos ouvintes 3 pensam da mesma forma. Na hipótese desses suportes físicos realmente desaparecerem, 47,2% dos entrevistados se sentem preparados para ouvir somente música desmaterializada,

contra 32,4% que disseram que precisariam aprender a lidar com ela. Como era de se esperar, no grupo dos ouvintes acima de 46 anos, a porcentagem dos que responderam que precisariam aprender a lidar os aparelhos que possibilitam audição de música desmaterializada sobe para 62,5%. É um dado relevante para indústria e artistas independentes, se quiserem atingir essa parcela do público. “A frustração dos usuários é grande quando não conseguem obter êxito. Isso pode abalar a autoconfiança, fazendo-os desistir e até levar a uma atitude de desprezo com relação à máquina, como uma espécie de defesa” (SANTAELLA, 2004:102).

Apesar de concordarem que os CDs são geralmente caros e que as gravadoras historicamente estabeleceram-se à custa da exploração dos artistas, 66,6% dos pesquisados não consideram justo que as empresas fonográficas tenham prejuízo devido à disseminação do download. No entanto, os ouvintes cobram adaptação da indústria fonográfica ao novo modelo. Da mesma forma, apesar de admitirem “baixar” de graça, o que é, pela legislação, danoso ao autor, os ouvintes, em sua maioria (80,5%) não acham justo que todos possam fazer o mesmo sem que os direitos autorais sejam respeitados. O fato de acharem injusto não os impede de continuar “baixando”. Os ouvintes ressalvam, porém, que os artistas devem procurar alternativas para terem seu trabalho autoral remunerado. Quando perguntados se os artistas só poderão sobreviver na cultura digital se disponibilizarem sua música para download, 57,3% disseram que não, apontando os shows como alternativa a ser considerada para seu sustento. Entre os que responderam que sim (42,6%), o principal argumento vai ao encontro dos apresentados pelos críticos positivos da cultura digital e da desmaterialização dos produtos culturais, os de que, inevitavelmente, o download será a “nova indústria” da música. Por fim, a maioria dos ouvintes acredita que, apesar de acharem que o CD e o DVD não deverão desaparecer, alguns de seus aspectos mais evidentes, como capa trabalhada, conceito de álbum, informação checada e alta qualidade de áudio, sofrerão alterações com a música na Internet. 45,3% das respostas deram conta de que a Internet criará modelo diferente para atender essas demandas.