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DADOS MÍTICOS OBTIDOS COM OS INSTRUMENTOS UTILIZADOS COM AS IDOSAS ASILADAS

No documento Velhice asilada, gênero e imaginário (páginas 123-140)

PARTE II DADOS MÍTICOS

CAPÍTULO 2 DADOS MÍTICOS OBTIDOS COM OS INSTRUMENTOS UTILIZADOS COM AS IDOSAS ASILADAS

2.1 Dados míticos do sujeito 5

2.1.1 Caracterização do sujeito 5

Dona Lala, sujeito do sexo feminino, com 95 anos, viúva, católica, analfabeta, estava no asilo há cinco anos no período da pesquisa.

2.1.2 Protocolo do Teste AT-9 do sujeito 5

Dona Lala não fez o Teste AT-9, argumentando que não o conseguiria.

2.1.3 Caixa de Areia realizada pelo sujeito 5

Após receber o material e as instruções sobre o procedimento da Caixa de Areia, Dona Lala compôs o cenário mostrado na Figura 7.

Sobre seu cenário, criou a seguinte história:

O escorpião é o meu signo e o peixe é d´água. Só o que eu sei falar é isso. E isso aqui eu não sei. Esse aqui eu não sei. Só sei esses dois e a cabaça. A cabaça é de pegar água. Isso aqui é relógio de pôr no braço. A cruz, aqui, é uma igreja, não é? Ah, é uma casa. Aqui é uma casa de morar.

2.1.4 Análise do cenário realizado na Caixa de Areia pelo sujeito 5

O cenário de Dona Lala na Caixa de Areia está no lado esquerdo (do inconsciente) e os objetos escolhidos por ela foram: casa, catavento (para ela seria

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uma igreja), relógio, peixe, escorpião, um casal de crianças, cabaça e peixe. Dona Lala começou a falar do escorpião, que é o seu signo. Quanto ao bicho escorpião, ela disse: “[...] morde a gente, é veneno”. Acrescentou que “Tem gente igual a ele, fuxiqueiro e venenoso no abrigo”. Quanto ao asilo, a idosa desabafou:

[...] o resto acabou, aquele festeiro que tinha, aqui antes vinha muita pessoa, agora só vem uma. A gente tem que calar, porque está aqui servindo, não pode falar pra eles. É muito diferente. Eles [referindo-se aos funcionários] não têm grande amizade comigo, mas também não tratam mal, não.

Figura 7. Cenário da Caixa de Areia composto pelo sujeito 5, Dona Lala.

A casa do cenário de Dona Lala serve para morar. “A casa significa o ser interior, segundo Bachelard, seus andares, seu porão e sótão simbolizam diversos estados da alma” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2001, p. 197). Dona Lala expressa o desejo de voltar a morar em uma casa. Ela reclamou:

[...] não quer deixar a gente em paz. Quer tirar meus trens. Mas tirar pra pôr aonde? Onde que vamos pôr? Não entendo essa vida. [...] eles não sabem repartir, põe só duas camas. Tem o guarda-roupa lá, tem armário, tem tudo. Tudo tá certinho. Agora nós é que é cheio de cama, onde nós vamos pôr nossos trem? Aí, é muito triste, porque que quer que tira nossos trem? Porque não põe duas ‘cama’ aqui e a gente põe nossos trem? Põe a cama

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dela pra ali e trem pra li. Agora, quer saber de pôr meus trem pra ali. Não precisava, né?

O quarto de Dona Lala tem vários objetos: santos, flores, porta-retratos, bonecas, Bíblia, retalhos para ela fazer colchas. Essa idosa fica muito tempo no quarto para criar suas colchas. É um espaço muito habitado por ela. O relógio é um objeto de seu cenário. A angústia do passar do tempo para Dona Lala pode ser verificada nesse objeto, o qual pode estar representando o tempo que já viveu e o tempo que lhe resta. A angústia parece estar presente em seu cenário. Essa idosa apresenta microuniverso mítico místico.

2.1.5 Protocolo do teste da Arquitetura Sensível do sujeito 5

No Quadro 10 é apresentada a ressignificação do espaço asilar por Dona Lala com a aplicação do teste da Arquitetura Sensível.

Quadro 10. Ressignificação do espaço asilar do sujeito 5, Dona Lala.

Elemento Espaço do asilo Significado

Queda Qualquer lugar Palavra triste/a queda que a

pessoa levou

Espada Portão Não é coisa boa

Refúgio Lugar nenhum Não entendo

Monstro Qualquer lugar Gente falso

Cíclico - -

Personagem Qualquer canto Quem ama uns aos outros

Água Torneira Boa coisa/beber lavar

Animal Não tem aqui Andar/boa coisa

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2.1.6 Análise do protocolo do teste da Arquitetura Sensível do sujeito 5

Para Dona Lala, o refúgio não existe no asilo, não está em lugar nenhum. Ela afirmou: “[...] só se fosse na igreja [...] aqui não tem lugar pra esconder. Só Deus que esconde a gente”. Em seu cenário na Caixa de Areia, o escorpião está atrás de sua igreja (catavento). A igreja parece estar protegendo do que fere, ou seja, o escorpião que solta veneno. O monstro está representado em qualquer lugar do asilo, simbolizando gente falsa. Dona Lala descreveu o monstro:

[...] ele anda, mas ninguém vê”. [...] Não posso dormir de noite de tanto pensamento [...] está dentro por está fazendo toda a ruindade pra nós. Ele está entrando aqui. Ele está é entrando mais aqui nos quartos. É o lugar que ele está entrando. Já duas vezes que ele vem atentar a gente aqui. Eu quero que ele saia e não entre.

Este “ele”, mencionado várias vezes por Dona Lala, parece representar ou ser a representação da imagem do monstro. A idosa deseja que o monstro não a ataque.

O personagem poderia estar em qualquer canto, segundo essa idosa, mas ele seria “Quem ama uns aos outros”. Parece que Dona Lala está expressando um desejo de paz e de amor.

O fogo, que está na secretaria, “[...] é pra queimar os males, né? Queimar aqui. É pra queimar tudo”. Esse elemento é considerado por Durand, Y. (1988) como purificador. Nesse caso, o fogo remete à idéia de uma angústia frente à administração.

O mapa afetivo do asilo, expressado por Dona Lala, transcende o espaço geométrico e se apresenta pleno de angústia, de medo e de desprazer. Trata-se de universo negativo.

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2.1.7 Interpretação geral dos dados advindos dos instrumentos utilizados com o sujeito 5

Dona Lala apresentou imaginário místico na Caixa de Areia. Existe uma casa e uma cabaça para pegar água (objetos continentes). E atrás da igreja (catavento) está o escorpião que parece ser o monstro para essa idosa, que denuncia fofocas e intrigas no asilo. Na Arquitetura Sensível, o monstro está em qualquer lugar e significa pessoa falsa. O refúgio não existe para essa idosa. Ela queria se esconder na igreja, pois busca proteção em Deus.

Mesmo em seu quarto, ela não se sente segura, pois o que poderia ser refúgio recebe a presença do monstro: “[...] ele está entrando aqui [...]”. Seu desejo é que “ele”, o monstro, saia e não entre.

Essa idosa afirmou que diante de suas insatisfações ela tem que se calar. Dona Lala já não luta, posto que está sem armas para isso. Seu imaginário se apresenta místico negativo, pois não luta e não vence o monstro.

2.2 Dados míticos do sujeito 6

2.2.1 Caracterização do sujeito 6

Dona Déia, sujeito do sexo feminino, com 52 anos, solteira, católica, está se alfabetizando na instituição e estava no asilo há dez anos no período da pesquisa. De acordo com o laudo de um psiquiatra, apresenta distúrbio de comportamento e de cognição. Segundo o laudo de terapeutas ocupacionais, apresenta distúrbio de comportamento e transtorno psiquiátrico. Tem humor oscilante, com episódios de agressividade e não aceita ficar sem atendimento terapêutico ocupacional.

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2.2.2 Protocolo do Teste AT-9 do sujeito 6

Dona Déia recebeu o protocolo do Teste AT-9 e, após breves instruções sobre o procedimento, executou o desenho mostrado na Figura 8.

Figura 8. Desenho do Teste AT-9 feito pelo sujeito 6, Dona Déia.

Sobre seu desenho, contou a seguinte história:

Já vi desses bichinhos do Horto. Tem o quati, o tamanduá-bandeira, tem o tatu, tem a tartaruga, tem o jabuti, tem aquele peixe-boi, tem a cobra, tem o pavão. Tem outro bicho que eu esqueci o nome dele, ele é preto. Tem a onça, tem o leão. Tem o veado “gaieiro”, tem ovelha. Tem muitos bichos que a gente não sabe o nome. Tem a zebra, tem a ema, tem a siriema, tem o papagaio, tem a mulata, tem a aranha. Tem essa porção de bicho, só que eu não sei mais não.

Respondeu ao questionário do Teste AT-9 da seguinte forma:

A. Sobre que idéia você centrou sua composição?

“Pensei na mulata.”

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“Não.”

C. Entre os nove elementos do teste de sua composição, indique:

1. Os elementos essenciais em torno dos quais você construiu o desenho.

“Leão.”

2. Os elementos que você teria vontade de eliminar. Por quê?

“A espada, porque ela fere as pessoas.”

D. Como acaba a cena que você imaginou?

“É isso mesmo.”

E. Se você tivesse que participar da cena composta, onde você estaria? O

que faria?

“Queria ficar no lugar do bem, não pro mal.”

No Quadro 11 são mostrados a representação, a função e o simbolismo atribuídos por Dona Déia a cada um dos nove elementos do Teste AT-9.

2.2.3 Análise do protocolo do Teste AT-9 do sujeito 6

Dona Déia registrou microuniverso desestruturado em seu protocolo do Teste AT-9. Seu desenho apareceu fragmentado e seu discurso foi apenas descritivo, isto é, não existiu cenário e nem agrupamento dos elementos em torno de um nó aglutinador. Os elementos não apresentaram uma relação, não houve uma coerência mítica. Ela não conseguiu fazer a síntese necessária para apresentar a dramatização advinda dos nove elementos do teste. Não completou o quadro e nem desenhou a maior parte dos elementos, apenas o elemento espada foi considerado.

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Quadro 11. Representação, função e simbolismo dos elementos arquetípicos do

Teste AT-9 do sujeito 6, Dona Déia.

Elemento A. Representado

por

B. Função/Papel C. Simbolizando

Queda Passarinho Voar/cantar Sei não

Espada Espada Lutar Morte

Refúgio Peixeira Matar Cortar verdura

Monstro - - -

Cíclico - - -

Personagem - - -

Água - - -

Animal Leão Devora pessoas Medo

Fogo - - -

Observa-se a presença de animais no desenho, conforme descreveu Dona Déia, e no discurso dessa senhora. Durand, G. (1997, p. 69) afirma que as imagens mais freqüentes são as de animais e acrescenta que “nada nos é mais familiar, desde a infância, que as representações animais”. O autor destaca o teste Rorschach quanto à interpretação das respostas do tipo animal. Nesse teste, “quanto mais elevada a porcentagem de respostas animais, mais o pensamento está envelhecido, rígido, convencional ou invadido por humor depressivo” (DURAND, G., 1997, p. 73).

No caso desse imaginário, percebe-se a presença do caos, da desorganização. Durand, G. (1997, p. 74) argumenta que

O esquema da animação acelerada que é a agitação formigante, fervilhante ou caótica parece ser uma projeção assimiladora da angústia diante da mudança, e a adaptação animal não faz mais, com a fuga, que compensar uma mudança brusca por outra mudança brusca.

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A angústia do passar do tempo para Dona Déia aparece na representação desses animais. O leão é o elemento em torno do qual a cena foi construída e tem a função de devorar as pessoas, simbolizando medo. Para Chevalier e Gheerbrant (2001, p. 538), o leão poderoso e soberano é símbolo solar e luminoso ao extremo, “o leão, rei dos animais, está imbuído das qualidades e defeitos inerentes à sua categoria”.

De acordo com Durand, G. (1997, p. 87), “o leão desempenha nas civilizações tropicais e equatoriais mais ou menos o mesmo papel que o lobo”. O autor explica que o lobo é um símbolo infantil de medo, pânico, ameaça, punição.

Essa senhora afirmou que “[...] queria ficar no lugar do bem, não pro mal.”. É assim que sua cena acaba. Eliminaria a espada, porque para Dona Déia “[...] ela fere as pessoas”.

Dona Déia considera o asilo “bom”. No entanto, quanto à nova direção, disse: “[...] mais ou menos. [...] porque eles é bom.”. Existe uma incoerência, mas esse sujeito relatou: “[...] agora está sendo a mudança do conselho central pra cá”. Assim sendo, percebe-se incoerência nas respostas dela.

A coerência mítica no discurso e no desenho desse sujeito não se evidencia, tratando-se de imaginário desestruturado.

2.2.4 Caixa de Areia realizada pelo sujeito 6

Após receber o material e as instruções sobre o procedimento da Caixa de Areia, Dona Déia compôs o cenário mostrado na Figura 9.

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Figura 9. Cenário da Caixa de Areia composto pelo sujeito 6, Dona Déia.

Sobre seu cenário, criou a seguinte história:

“Não sei contar história não. Achei bonito a Santa Rita e do menino Jesus [bailarina na concha]. Aqui é um dos três Reis Magos [mostrando o farricoco]. E aqui uma vaquinha.”

2.2.5 Análise do cenário realizado na Caixa de Areia pelo sujeito 6

O cenário de Dona Déia, na Caixa de Areia, também revela caos. Ela utilizou grande parte dos objetos disponíveis para a montagem de seu cenário, mas sem coerência, ou seja, não conseguiu estruturar uma idéia para a história de seu cenário. Ela não conseguiu compor um cenário, sendo sua coerência mítica nula.

Existem movimentos da esquerda para a direita na Caixa de Areia desse sujeito e vários objetos colocados sem nenhuma ligação, sem organização, sem

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coerência. Nesse cenário existem diversos tipos de animais, do mesmo modo como ocorreu em seu Teste AT-9.

Os objetos que ela mais gostou foram: a vaca, a bailarina (para Dona Déia seria o Menino Jesus), o farricoco (para ela seria um dos três Reis Magos) e Santa Rita. Essa senhora escolheu objetos que retratam o nascimento de Jesus. A influência religiosa se faz presente em sua Caixa de Areia, bem como a desestrutura, que também foi apresentada por esse sujeito no Teste AT-9.

2.2.6 Protocolo do teste da Arquitetura Sensível do sujeito 6

No Quadro 12 é apresentada a ressignificação do espaço asilar por Dona Déia com a aplicação do teste da Arquitetura Sensível.

Quadro 12. Ressignificação do espaço asilar do sujeito 6, Dona Déia.

Elemento Espaço do asilo Significado

Queda Área IV Lugar fresco

Espada Não está no asilo -

Refúgio - -

Monstro Quarto Dormir

Cíclico - -

Personagem Secretaria Pessoa que chega para fazer

visita e doação

Água - -

Animal - -

Fogo Área III -

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O elemento queda está na área IV, que significa lugar fresco para Dona Déia. Essa senhora fica ali fazendo tapetes de pano para vender, mas a área apontada por ela está sendo cada vez mais reduzida em decorrência das construções que estão sendo feitas no espaço do asilo. O elemento fogo é colocado na área III, que fica próxima à área IV.

O elemento personagem está na secretaria, local que significa para essa senhora visita e doação. Como é uma instituição não-governamental que sobrevive de doações, o asilo está sempre recebendo doações de todos os tipos: alimentos, remédios, roupas, sapatos, colchões, entre outros.

2.2.8 Interpretação geral dos dados advindos dos instrumentos utilizados com o sujeito 6

O imaginário de Dona Déia se apresenta desestruturado e caótico, de acordo com todos os instrumentos utilizados nesta pesquisa, ou seja, no Teste AT-9, no método da Caixa de Areia e no teste da Arquitetura Sensível. Existe desorganização em seu imaginário, em sua fala, em sua “escuta”. No teste da Arquitetura Sensível, a queda e o fogo foram representados pela área de lazer, onde essa senhora passa a maior parte de seu tempo. Parece um paradoxo, pois a área que poderia lhe dar prazer é, na verdade, angustiante.

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2.3.1 Caracterização do sujeito 7

Dona Vida, sujeito do sexo feminino, com 92 anos, solteira, católica, cursou o ensino fundamental incompleto e estava no asilo há 15 anos no período da pesquisa. Tem osteoporose.

2.3.2 Protocolo do Teste AT-9 do sujeito 7

Dona Vida não fez o Teste AT-9, argumentando que não o conseguiria.

2.3.3 Caixa de Areia realizada pelo sujeito 7

Após receber as instruções sobre o método da Caixa de Areia, Dona Vida compôs o cenário mostrado na Figura 10.

Figura 10. Cenário da Caixa de Areia composto pelo sujeito 7, Dona Vida.

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“A criança é a rainha da sabedoria, porque pratica o que quer. A caveira tá me dando muita recordação. Vou ficar desse jeito: só os ossos contando a história [risos].”

2.3.4 Análise do cenário realizado na Caixa de Areia pelo sujeito 7

Dona Vida colocou em seu cenário um relógio, um gato, uma caveira, uma bailarina que está dentro de uma concha e um escorpião. Em seu discurso, verifica- se vida e morte, ou seja, a criança e a caveira, o que sugere a presença da estrutura sintética, isto é, luta e descanso.

A angústia do passar do tempo pode estar representada pelo relógio, que para essa idosa “[...] é uma coisa que marca a hora”. Dona Vida disse em relação à caveira: “[...] me faz lembrar quando ficar mais velha. Vou ficar assim ou pior, depende da morte”. Depois acrescentou: “[...] dá medo danado”. Quanto ao escorpião, que para essa idosa seria uma lacraia, “[...] serve para morder, ferroada venenosa”. Essa idosa disse que as pessoas no asilo ficam doentes e morrem. Sobre sua rotina no asilo afirmou: “[...] eu só assim. Quando tô trabalhando, fazendo qualquer coisa é só aquilo. A gente não tem o que pensar e passear não tem como”.

Sobre o destino, Dona Vida verbalizou que merece sofrer e argumentou: Cada um tem o que merece. Se a pessoa é feliz na vida, com saúde, emprego, tem rendimento pouco ou muito. É porque é filho de Deus bem abençoado, justiça seja feita. Mas a aprovação que nós temos de viver da matéria, quando morre tem que pagar tudo. Antes de morrer vai sofrer. Acho que seja assim. Cada um sofre o que merece, Jesus não sofreu tanto? Quem foi que não já leu e viu o sofrimento de Jesus? O quanto ele sofreu e não era tão puro, né? E nós o que somos? Germes podres sobre a Terra. Eu me considero assim. Ih, em cima da Terra que sofre da dor [...] Minha filha, eu tenho sofrido. Cada um tem a sua cruz. Jesus tinha pecado? Não tinha [...] Eu me conformo com tudo que Deus me der, porque Jesus não tinha pecado e sofrer o que ele sofreu.

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Os objetos de Dona Vida estão centrados na Caixa de Areia, o que evidencia coerência mítica. O nó que aglutina as imagens é noturno e a estrutura é sintética, existindo a presença da vida e da morte, e os contrários se harmonizam.

2.3.5 Protocolo do teste da Arquitetura Sensível do sujeito 7

No Quadro 13 é apresentada a ressignificação do espaço asilar por Dona Vida com a aplicação do teste da Arquitetura Sensível.

Quadro 13. Ressignificação do espaço asilar do sujeito 7, Dona Vida.

Elemento Espaço do asilo Significado

Queda Em todo lugar Não tem explicação

Espada Diretoria Coisa certa

Refúgio Quarto Esconderijo

Monstro Banheiro Fera

Cíclico Enfermaria Tratar da enfermidade

Personagem Sala de TV feminina Significa muita coisa

Água Lavanderia Coisa boa

Animal Árvores -

Fogo Cozinha -

2.3.6 Análise do protocolo do teste da Arquitetura Sensível do sujeito 7

Para Dona Vida, a queda está em todo lugar do asilo. Essa idosa relatou que “[...] a osteoporose é uma doença horrível”. Apesar de sentir muita dor, Dona Vida faz questão de andar pelos espaços do asilo, lava a sua própria roupa e arruma o seu quarto.

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A espada está representada na diretoria e significa coisa certa para essa idosa. No entanto, ela se queixou: “Aqui pra nós, não tem administração. Aqui tudo é errado. Uns acertam, outros erram. É uma coisa incompreensível”.

Dona Vida afirmou que não se manifesta mais sobre o que não concorda em relação à administração do asilo. Parece que não quer lutar mais. O seu refúgio é o quarto, que significa esconderijo. Para Bachelard (1989, p. 145), “todo canto de uma casa, todo ângulo de um quarto, todo espaço reduzido onde gostamos de encolher- nos, de recolher-nos em nós mesmos, é, para a imaginação, uma solidão, ou seja, o germe de um quarto, o germe de uma casa”. O quarto é o lugar em que essa idosa passa praticamente todo o seu tempo. Ela tem o hábito de ler a Bíblia e revistas de caráter religioso.

O monstro está representado no banheiro e significa fera. Existe uma dificuldade dessa idosa em andar. O banheiro é um risco para ela que tem osteoporose.

O elemento cíclico está representado na enfermaria, que significa tratamento. Para Durand, Y. (1988, p. 203), “o simbolismo do elemento cíclico aparece largamente orientado ao lado da vida e mais especialmente ao lado de uma vida bastante serena, já que o simbolismo implica na luta ou na defesa”. A enfermaria é um lugar que tem o aspecto da vida e da morte. Afinal, os remédios servem para evitar a morte.

O elemento água está colocado no espaço onde está a lavanderia e significa coisa boa para Dona Vida. Isso sugere que a atividade de lavar a roupa é prazerosa para essa idosa. O fato dessa idosa lavar suas próprias roupas, mesmo tendo osteoporose e sentido muita dor, remete à presença de esquizomorfia em seu imaginário.

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2.3.7 Interpretação geral dos dados advindos dos instrumentos utilizados com o sujeito 7

A Caixa de Areia de Dona Vida revela microuniverso mítico sintético. Existe a presença de contrários harmônicos: morte e vida. A espada, para ela, está representada na diretoria e o refúgio, no quarto. Essa idosa luta nesse asilo contra sua própria morte. Apesar de ter osteoporose, ela anda e lava a sua roupa. Mas, a angústia está presente. O relógio e a caveira estão em seu cenário da Caixa de Areia. O relógio marca o tempo e quando ela fala da morte, sorri e afirma: “[...] a

No documento Velhice asilada, gênero e imaginário (páginas 123-140)