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O dano à imagem

No documento DOUTORADO EM DIREITO CIVIL COMPARADO (páginas 112-118)

CAPÍTULO IV – DANO NÃO-PATRIMONIAL E AS PESSOAS JURÍDICAS DE

4.2. As vertentes compreendidas na noção de dano não-patrimonial

4.2.1. O dano à imagem

Estabeleceu-se, pois, como premissa verdadeira, que a pessoa jurídica tem um patrimônio imaterial, ideal ou moral em contraponto ao patrimônio material. Podendo-se também afirmar que os direitos da personalidade compõem os valores extrapatrimoniais da pessoa jurídica tal como os da pessoa natural.

Entretanto, a extensão desses direitos às pessoas jurídicas só adquire sentido enquanto alicerçados nos direitos da personalidade reconhecidos e análogos aos das pessoas que as integram e fieis às finalidades propostas, “objetivando-se” os seus efeitos, ou seja, a extensão se torna inviável em alguns direitos cujo conetúdo é atribuído exclusivamente à pessoa natural como o caso da imagem- retrato ou direito à própria imagem, entendida como representação gráfica da figura humana, pois este direito só pode se adaptar à pessoa natural.

Embora o Código Civil não traga um rol discriminando os direitos da personalidade, a doutrina encarregou-se de fazê-lo. De sorte que dentre os direitos da personalidade há que se pinçar quais podem ser dirigidos à pessoa coletiva, perquirindo-se sobre o dano à imagem que vem regulamentado no artigo 20 do Código Civil.

O dispositivo legal em comento faculta à pessoa proibir que sejam veiculados, sem sua autorização, escritos, palavras, publicações, sua imagem, se forem destinadas a fins comerciais ou, ainda, se atingirem a sua honra, boa fama ou prestígio.

Por certo, a imagem-retrato é a representação física da pessoa por meio de fotografia, pintura, desenho escultura etc (artigo 5º, inciso X da Constituição

      

172 ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção. A pessoa jurídica e os direitos da personalidade, cit., p. 100.

Federal) enquanto a imagem-atributo é entendida como conceito que a pessoa goza perante a sociedade (artigo 5º, inciso V, da Constituição Federal). Obviamente, só esta última interessa ao presente estudo. De modo que, em ambas as situações, a pessoa poderá impedir a divulgação.

Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi e Maria Lígia Coelho Mathias alertam que a avaliação social que a pessoa recebe no meio em que se insere é indevidamente chamada como imagem, denominação usada na linguagem coloquial, pois na verdade é “honra”. “Esta – honra – se biparte em: honra subjetiva, quando o prestígio social é avaliado pela própria pessoa e honra objetiva, caso o juízo valorativo seja o do grupo social”. 173

Para Maria Lígia Coelho Mathias,

“A questão de se reconhecer às pessoas jurídicas direitos da personalidade é polêmica e a doutrina não converge, para uma posição uniforme. Quanto ao direito à imagem, entendemos que ele só existe dentro da esfera dos direitos da personalidade da pessoa natural. As pessoas jurídicas não podem arguir em sua defesa esse direito, porque, como ente moral, são desprovidas de imagem e sua representação se faz através de símbolos ou de um sinal figurativo”.174

Tal entendimento, ao que parece, é referente e restrito à imagem- retrato (honra subjetiva) e não à imagem-atributo (honra objetiva). A representação da pessoa jurídica se faz através de símbolos que, muitas vezes ganham significativo relevo e podem ser objeto de ilícito penal, portanto, indenizáveis civilmente os danos daí decorrentes.

Outros doutrinadores se debruçaram sobre a questão, afirmando que a Constituição Federal fez uma opção de tratar o dano à imagem de forma autônoma. Claro está que esta foi a mens legislatoris, - asseguram Oduvaldo e Rogério Donini -       

173 DANELUZZI, Maria Helena Marques Braceiro; MATHIAS, Maria Lígia Coelho. Aspectos da responsabilidade civil sob a perspectiva do direito à imagem In NERY, Rosa Maria de Andrade; DONINI, Rogério (coord) Responsabilidade Civil: estudos em homenagem ao professor Rui Geraldo

Camargo Viana. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009 p. 369.

174 MATHIAS, Maria Ligia Coelho Direito à própria imagem. 1994. Dissertação (Mestrado em Direito Civil sob orientação da Profa. Maria Helena Diniz) Faculdade de Direito – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1994). p. 55

, pois se o dano moral for encarado como a violação do direito da personalidade, o dano à imagem integraria esse rol e, por conseguinte, estaria compreendido na noção de dano moral. Mas o legislador inovou fazendo um discrímen entre dano moral e dano à imagem.

Isso porque, dizem os citados mestres, em uma dada situação podem estar “configurados danos materiais, morais e à imagem, que devem ser analisados de forma autônoma e quantificados da mesma forma, vale dizer, uma determinada soma, a título de indenização, para cada um desses danos”.

Essa autonomia é tão evidente - na ótica dos autores - que afirmam que “nada impede, também, que de um certo fato decorra apenas a violação ao dano à imagem, sem que se cogite dequalquer dano material ou moral”. 175

O Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade de julgar ação de indenização em que a vítima, atriz de renome nacional e conhecida por sua beleza singular, pleiteava a reparação do dano à imagem cumulada com dano moral. O fato lesivo consistia na divulgação de foto com os seios nus feita para a Revista Playboy e que foi estampada em jornal de grande circulação sem sua autorização. Entendeu o Tribunal a quo que se configurou a violação à imagem, mas o uso não autorizado desta não trouxe à vítima dor, vexame, humilhação a justificar a indenização por dano moral, no que foi acompanhado pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito (voto vencido). Admitindo a possibilidade de cumular-se a indenização pelo uso indevido da imagem e a indenização pelo dano moral, dependendo das circunstâncias concretas de cada caso, concluiu o saudoso julgador que, na hipótese “o uso indevido é suficiente para justificar a indenização por violação ao direito à imagem; quanto ao dano moral, contudo, a lesão à honra, à dignidade, provocando sentimento íntimo de dor e de sofrimento, de humilhação e de vexame, neste feito, diante da situação concreta antes desenhada, não está presente”. 176

O voto vencedor, de lavra da Ministra Nancy Andrighi, concedeu à atriz ampla indenização, tanto pelo dano à imagem como pelo dano moral, mesmo porque o decoro, o sentimento de auto-estima, tem um “termômetro próprio inerente       

175 DONINI, Oduvaldo. Imprensa livre, dano moral, dano à imagem, e sua qualificação à luz do novo

código civil/ DONINI, Oduvaldo; DONINI, Rogério Ferraz. São Paulo: Método Editora, 2002. p. 62.

a cada indivíduo”. Daí ter a doutrina feito uma divisão no conceito de honorabilidade: “honra objetiva, a opinião social, moral, profissional, religiosa que os outros tem sobre aquele indivíduo, e, honra subjetiva, a opinião que o indivíduo tem de si próprio”.

A visão que se procura desenvolver no presente estudo, com todo o respeito que merecem as posições contrárias, circunscreve-se à tutela dos valores imateriais da pessoa jurídica. A imagem, quando violada, produz efeitos na esfera extrapatrimonial do lesado, seja ele pessoa jurídica ou natural, causando-lhe dano moral, na ampla conceituação que foi dada.

O conceito de dano não-patrimonial, para De Cupis, não poderá limitar- se ao campo do sofrimento físico ou moral, mas abranger “tutti i danni che non rientrano nell’altro gruppo, quello dei danni patrimoniali: vale a dire che la loro nozione non può essere che negativa”. Dessa maneira, as pessoas jurídicas, tanto uma sociedade comercial como uma benemérita, podem ser sujeitos de dano não- patrimonial diante de uma campanha difamatória, de violação de correspondência, divulgação de um segredo etc,, mesmo não possuindo os sentimentos próprios da dignidade. 177

Tudo se passa como em um grande círculo. O ato lesivo pode causar uma violação à intimidade, à imagem, e a outros atributos da personalidade, resultando (ou não) em danos à esfera moral da vítima (seja seu espírito, sejam seus valores finalísticos). Mas todos esses direitos da personalidade podem ser, depois de identificados, mensurados para fins de reparação e agrupados como se tivessem produzido um só efeito, recompondo-se o patrimônio moral da pessoa.

Hoje, não há um único dano moral, mas vários “tipos” de danos morais, cada qual com um tratamento autônomo, como assegura o inciso V do artigo 5º da Constituição Federal. Teresa Ancona Lopes 178, defendendo o posicionamento de que o dano estético é dano moral, indaga então como seria possível também afirmar

      

177 DE CUPIS, Adriano. Il danno. Teoria generale della responsabilità civile. Milano: Giuffrè editore, 1966. V. 1 p. 52 e 53.

178 LOPES, Teresa Ancona. O dano estético: (responsabilidade civil) São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980 p. 164-165.

que pode haver cumulação entre dano estético e dano moral? Tal questionamento é referido, pois o mesmo raciocínio vale para o dano à imagem.

A pessoa jurídica não sente, não sofre com a ofensa que lhe é desferida, não podendo ser injuriada; mas nada impede que seja sujeito passivo de difamação. Isso ocorre quando a pessoa jurídica tem maculada a reputação que desfruta no meio social.

Não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando desprovida de “honra subjetiva”. Mas pode padecer de ataque à honra objetiva, pois “goza de reputação junto a terceiros, podendo sofrer abalo no seu nome na esfera social e comercial em que atua”, assegura Arnaldo Rizzardo. 179

Caso interessante foi submetido ao Tribunal Supremo da Espanha que em 2003 decidiu a pretensão de um partido político, Esquerra Republicana, em receber indenização alegando que sofreu danos em sua imagem perante os eleitores, decorrente do cumprimento defeituoso de contrato de mailing que havia estabelecido com uma empresa para envio de propaganda eleitoral.

A Corte espanhola afastou a alegação de desprestígio, pois o descumprimento defeituoso do contrato não acarreta nenhuma lesão à honra (o fato de não chegar a propaganda à casa do eleitor ou, quando chega, está incompleta). Como também não houve a divulgação de dados erroneos do referido Partido que pudesse provocar um desmerecimento na consideração alheia. Entendeu o Tribunal que não houve dano à imagem eleitoral do partido porque o dano não restou provado. Ademais, a existência de um dano moral depende, entre outros fatores, da gravidade da lesão.

O Tribunal da Península Ibérica não reconheceu o dano à imagem pela ausência de provas, mas admitiu a possibilidade da lesão, por eventual

      

descumprimento contratual (responsabilidade contratual e não aquiliana), caso esse tivesse o condão de lesar a honra objetiva da pessoa jurídica. 180

A legislação italiana reconhece e garante os direitos invioláveis do homem, tanto na sua individualidade como na sua formação social (ou agrupamento social), em que se desenvolve a personalidade, sendo que o direito à imagem está previsto no artigo 10 do Código Civil italiano. Carlo Buonauro, interpretando ação judicial objetivando o dano decorrente da perda de prestígio e do grave detrimento à imagem do Estado italiano, infere que há proteção legal e constitucional, pois não se tem limitá-la à pretium dolor. 181

Como referência normativa para o dano à imagem da Administração Pública cita os seguintes: Constituição art 2º e 97 e artigos 6º, 7º, 10, 1.223, 2.043, 2059 do Código Civil. 182

Assegura o doutrinador italiano ainda que não se deve confundir o dano à honra, tutelado constitucionalmente, com o dano à imagem. A honra, de fato, não é outra coisa senão o respeito que o sujeito merece enquanto ente físico e psíquico digno de consideração. Emerge, portanto, uma primeira diferença entre imagem e honra: a imagem é resultante de dois elementos diversos, um individulista e outro tipicamente coletivo. Por isso, pode-se dizer que para ofender a honra do indivíduo é suficiente assacar-se contra a sua reputação (honra-objetiva), enquanto para lesar a imagem é necessário algo a mais (quid pluris) simbolizado pela projeção da lesão ao meio exterior.

“In altri termini, può dirsi che per offendere l’onore dell’individuo è sufficiente uma mera azione che ne danneggi la consistenza, mentre per ledere l’immagine è necessario um quid pluris, simboleggiato dalla proiezione della lesione all’esterno”. 183

      

180

<http://216.239.51.104/search?q=cache:6CVT0uibzpwJ:www.indret.com/code/getPdf.php%3Fid%3 D849%26pdf%3D334_es.pdf+da%C3%B1o+moral+y+la+persona+juridica&hl=pt-

BR&gl=br&ct=clnk&cd=2> Acesso em 08/06/06.

181 BUONAURO, Carlo. Il danno all’immagine della Pubblica Amministrazione in Temi e Percorsi

Diritto Amministrativo IV Edizione p. 5.

182 Tais artigos são transcritos no capítulo V ao se tratar especificamente do dano à imagem e podem ser consultados.

Assim, a Constituição italiana, embora não discipline a tutela da imagem em um artigo específico, traz no bojo do artigo 2º a inviolabilidade (e a consequente defesa) do direito da solidariedade social. De modo que o dano à imagem, embora traduzível em dinheiro, é um dano não-patrimonial, que estende os efeitos relativos a uma esfera (superior) intelectual, social e espiritual do sujeito passivo, o qual, em seguida ao prejuízo se encontra a ser posto em discussão na esfera social como pessoa não mais merecedora de estima e de tutela individual.184

O dano à imagem envolve não apenas um lado monetário, mas sobretudo um lado não patrimonial, atinente ao vilipêndio da própria individualidade.

“In conclusione, il danno all’immagine è um danno non patrimoniale, che estende i relativi effeti alla sfera (superiore) intellettuale, sociale e spirituale del soggetto passivo, il quale, a seguito del pregiudizio, si ritrova ad essere messo in discussione nell’ottica societaria come persona non più meritevole di stima e di tutela individuale”. 185

Mas muito ainda se tem a discorrer. Por ser o protagonista deste trabalho, dedicar-se-á um capítulo excusivo para o tratamento do dano à imagem, porém sem deixar de confrontá-lo com seus “pares”, o que se fará a seguir.

No documento DOUTORADO EM DIREITO CIVIL COMPARADO (páginas 112-118)