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DOUTORADO EM DIREITO CIVIL COMPARADO

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Déborah Regina Lambach Ferreira da Costa

Reparação do dano à imagem das pessoas jurídicas.

DOUTORADO EM DIREITO CIVIL COMPARADO

São Paulo

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Déborah Regina Lambach Ferreira da Costa

Reparação do dano à imagem das pessoas jurídicas.

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito, sob a orientação da Professora Doutora Maria Helena Diniz.

São Paulo

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BANCA EXAMINADORA

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RESUMO

Reparação do dano à imagem da pessoa jurídica.

Na era globalizada, o titular do direito à imagem está mais vulnerável a sofrer um dano ressarcível. O avanço da tecnologia, a Internet, a televisão, os meios de radiodifusão e o sistema mecanizado em geral, que propagam a informação em tempo real, acessível a milhões e milhões de outros sujeitos, expõe as pessoas cada vez mais ao vilipêndio.

Tanto as pessoas jurídicas de direito privado, como as de direito público, podem ser vítimas de dano à imagem, porque titulares de direitos da personalidade compatíveis com a sua natureza jurídica. Ademais, lhes é assegurada a reparação do dano moral nos incisos V e X do artigo 5º da Constituição Federal.

A jurisprudência, desapegando-se do conceito de dano moral como o “dano da alma”, editou a Súmula n. 227 do Superior Tribunal de Justiça. Passou-se a interpretar o artigo 10 da Convenção Europeia de Direitos Humanos de modo a coibir abusos do direito de livre expressão na proteção da reputação em toda a sua amplitude.

De modo que o direito à imagem será analisado com profundidade, tomando-se como ponto de partida a afirmação de que é um direito da personalidade autônomo, recebendo proteção constitucional e infraconstitucional.

A reparação do dano à imagem aparta-se do rigor formal do positivismo, acompanhando a mudança de paradigma trazida pela Constituição Federal de 1988, que aflorou, inclusive no âmbito da responsabilidade civil, princípios como da socialidade, da eticidade e da operabilidade, com vistas a dar interpretação e subsunção às normas do Código Civil consentâneas com a equidade e a justiça, em prol de uma sociedade mais ética e fraterna.

 

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RESUMEN

Reparación del daño a la imagen de la persona jurídica.

Con la globalización, el titular del derecho a la imagen está más vulnerable a sufir un daño resarcible. El avanzo de la tecnologia, la internet, la televisión, los medios de radiodifusión y el sistema mecanizado en general, que propagan la información en tiempo real, disponible a millones de otros sujetos, expone las personas aun más veces al desaparecimento.

Tanto las personas jurídicas de derecho privado como de derecho público, pueden ser víctimas del daño a la imagen, porque son titulares de derecho de personalidad compatibles con su naturaleza jurídica. Además, les es asegurada la reparación del daño moral en los números V y X del articulo 5o de la Constitución Federal.

La jurisprudencia, separándose del concepto de daño moral como el “daño del alma”, editó el Boletín de Jurisprudencia n. 227 del Superior Tribunal de Justicia. Empezose a interpretar el articulo 10 de la Convención Europea de Derechos Humanos de manera a avergonzar los abusos del derecho de libre expresión en la protección de la reputación en toda su amplitud.

De manera que el derecho a la imagen será analizado con rigor, empezando por la afirmación de que es un derecho de personalidad autónoma, recibiendo protección constitucional y legal.

La reparación del daño a la imagen apartase del rigor formal del positivismo, siguiendo el cambio del paradigma que vino con la Constitución Federal del 1988, que ganó más espacio, incluso en el ámbito de la responsabilidad civil, principios de sociabilidad, ética, y operabilidad, con el objetivo de interpretar y aplicar las normas del Código Civil de acuerdo con la equidad y la justicia, buscando una sociedad más ética y fraterna.

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ABSTRACT

Compensation for damage to the image of a legal entity.

In a globalized world, owners of image rights are more vulnerable to damages for which compensation may be sought. New technologies, the web, TV, broadcasting channels and mechanical systems in general, which disseminate information in real time making it accessible to millions of people, increase this exposure to defamation.

Both legal entities governed by private and public law that own rights of publicity consistent with their legal status run the risk of having their images damaged. Items V and X of article 5 of the Brazilian Constitution provide that these entities are entitle to compensation for libel and slander, or “moral damages” in a literal translation from Portuguese.

Detaching the concept of libel and slander from “pain and suffering”, the Brazilian Superior Court of Justice published case law summary [“Súmula”] No. 227 which resulted in the application of article 10 of the European Convention on Human Rights to prevent abuse of the freedom of expression and ensure maximum protection to reputation.

This study is an in-depth analysis of image rights based on the initial assumption that these are autonomous rights of publicity entitled to protection both at constitutional and infraconstitutional level.

The compensation for image damages leaves formal positivism aside to follow the paradigm shift introduced by the Constitution of Brazil ratified in 1988 when social, ethical and operational principles -- even within the scope of civil liability -- where brought to light allowing the interpretation of the Civil Code to be consistent with the concepts of equity and justice in an attempt to foster ethics and compassion in society.

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS... 10

CAPÍTULO I – DIREITOS DA PERSONALIDADE DA PESSOA JURÍDICA... 14

1.1. Abordagem histórica acerca do surgimento do conceito de pessoa jurídica. 14 1.1. Pessoa jurídica de direito público e pessoa jurídica de direito privado: concepção, requisitos formais e materiais e extinção... 35

1.3. Os direitos da personalidade e os direitos fundamentais relativos à pessoa jurídica de direito público e de direito privado e o direito à imagem... 38

CAPÍTULO II - RESPONSABILIDADE CIVIL: NOÇÕES GERAIS... 52

2.1. A responsabilidade civil em geral... 52

2.2. Da ação e omissão; do dano e do nexo de causalidade... 57

2.3. Da indenização e a questão do critério da quantificação e da prova do dano... 61

CAPÍTULO III – CONFIGURAÇÃO JURÍDICA DO DANO... 66

3.1. O dano como elemento da responsabilidade civil... 66

3.2. O dano patrimonial: definição, elementos e conteúdo... 70

3.3. O dano não-patrimonial: conceituação, conteúdo e extensão... 71

CAPÍTULO IV – DANO NÃO-PATRIMONIAL E AS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO E PRIVADO... 95

4.1. O dano não-patrimonial e a pessoa jurídica... 95

4.2. As vertentes compreendidas na noção de dano não-patrimonial... 106

4.2.1. O dano à imagem... 112

(9)

4.2.3. O dano institucional... 124

4.2.4. O dano social... 127

CAPÍTULO V – DANO À IMAGEM DA PESSOA JURÍDICA E A SUA TUTELA. 133 5.1. A imagem da pessoa jurídica... 133

5.2. A natureza jurídica do dano à imagem... 148

5.3. A tutela jurídica do dano à imagem... 155

5.3.1. A proteção constitucional ... 162

5.3.2. A extensão da técnica do artigo 52 do CC... 166

5.3.3. A Súmula 227 do STJ e seu alcance... 179

5.4. A tutela jurisdicional... 181

5.4.1. A ação civil pública; a ação popular; a ação de improbidade e a ação de indenização... 183

5.4.2. A tutela inibitória e projeto disciplinador do sistema único de ações coletivas brasileiras... 190

CAPÍTULO VI – REPARAÇÃO DO DANO À IMAGEM DA PESSOA JURÍDICA 194 6.1. Os meios de reparação do dano à imagem da pessoa jurídica... 194

6.2. A efetividade da reparação... 201

6.3. As decisões dos tribunais brasileiros. Os emblemáticos julgamentos do recurso especial 598 281 MG relativo à possibilidade de concessão de indenização por dano moral coletivo em caso de dano ambiental e recurso especial 821 891 RS denegatório de indenização por dano moral à pessoa jurídica de direito público por fraude em licitação... 210

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 214

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Discorrer acerca da viabilidade de se indenizar a pessoa jurídica, em especial o Poder Público, por danos morais, se é que a pessoa jurídica de direito público pode sofrer dano moral puro, é de extrema importância, não só na qualidade de servidores públicos, como também de cidadãos.

A propósito disso, recentemente, o jornal inglês, The Independent, veiculou reportagem a respeito da violência e da atuação do narcotráfico no Rio de Janeiro. A ex-capital federal, eterno símbolo do país no exterior, é chamada de a “cidade da cocaína e da carnificina”, levando o editorial da Folha de São Paulo a concluir pela imagem nada agradável para os brasileiros.

Outro exemplo ainda é o da entrevista dada à Rádio Jovem Pan pelo herdeiro de Portinari que, falando a respeito de obra de seu pai, furtada de museu paulistano, assegurou haver um dano irreparável à alma do povo brasileiro.

Muito se tem visto, lido e ouvido acerca do vilipêndio da imagem das instituições. A globalização, a Internet, a divulgação da notícia em tempo real e para um numero cada vez maior de pessoas, potencializa a situação de dano à pessoa, seja ela pessoa natural, seja ela pessoa jurídica, embora pouco se tenha escrito sobre a proteção jurídica que é outorgada a essa última pelo ordenamento pátrio. Tímidas são as decisões judiciais que concedem a reparação dos danos morais, embora haja na doutrina ferrenhos defensores da pessoa jurídica como sujeito de direitos da personalidade e, por conseguinte, vítima de danos exclusivamente morais.

(11)

Contudo, não se enfrentou ainda diretamente, e com a necessária profundidade, a questão da aplicabilidade dos dispositivos constitucionais à pessoa jurídica de direito público. Embora existam mecanismos jurisdicionais para tanto, como a ação popular, a ação civil pública, a ação de improbidade e até mesmo a ação de indenização, o Poder Judiciário reluta em reconhecer aos entes públicos a indenização por dano moral. As sanções impostas ao causador do dano são, na maioria das vezes, a perda do cargo público; a perda do direito de licitar ou contratar com a Administração Pública; a multa e a recomposição do patrimônio (material) lesado, com a destinação da verba indenizatória para um fundo criado especificamente para tal finalidade. A legitimação ativa é, quase sempre, restrita ao Ministério Público, sendo tímida a atuação da pessoa jurídica de direito público, o que limita a sua incidência. As sanções são aplicadas cumulativamente, o que permite questionar sobre a efetividade da pena. Também se deve perquirir acerca da valoração do dano moral. Como aquilatar o prejuízo sofrido pela pessoa jurídica de direito público quando violada a sua imagem ou sua honra objetiva? Quais os critérios deve o magistrado utilizar para fixar a indenização?

Concebe-se, ainda, a visão de que é o político atingido em sua honra objetiva ou sua imagem e não a pessoa jurídica de direito público, confundindo-se a figura do representante eleito pelo povo com a figura do ente público que ele representa. Tanto isso é verdade que, na maioria das vezes, não é possível separar as duas “personalidades”, tal a influência da mídia e da publicidade, já que são os chamados “marqueteiros” que “vendem a imagem do político competente”.

A Folha de São Paulo divulgou notícia em que a família de João Goulart havia protocolado um pedido de reparação da imagem do ex-presidente junto à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, enfatizando o seu desinteresse pela reparação meramente “econômica”.

Há também que se pensar no chamado dano moral difuso ou coletivo, sofrido pela população como um todo, ao se sentir lesada pela conduta ilegal ou abusiva do representante do Poder Público. Aqui há que se delimitar a questão da legitimidade ativa para pleitear eventual indenização.

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sobretudo, sob o aspecto extrapatrimonial, pois a pessoa jurídica tem, sim, um “capital moral”. Há que se abrirem horizontes para o resgate dos princípios de direito público, como da probidade administrativa, da moralidade, da legalidade, da razoabilidade, enfim, da recomposição do patrimônio moral ou institucional da pessoa jurídica de direito público.

Na verdade, o cumprimento de uma obrigação acadêmica, que impõe a elaboração de uma tese – e uma tese de doutoramento – traz um compromisso maior: de mudança para melhor, extraído dos questionamentos abordados durante a colheita do material de pesquisa, não apenas para a alteração legislativa, mas quiçá, numa discussão como a esta, para uma mudança de mentalidade, pensando-se no patrimônio maior da pessoa jurídica que é o imaterial.

A riqueza de um país não está nos bens que produz, mas na força de seu povo. No seu patrimônio imaterial, destinado à consecução de seus fins: o bem comum da coletividade. São as suas instituições – que compõem esse patrimônio imaterial - que precisam ser revitalizadas, repensadas, e, enfim, valorizadas.

Há necessidade de uma visão multidisciplinar da problemática, inclusive buscando conceitos de filosofia do direito, ética, direito constitucional, direito eleitoral, de direito administrativo e de direito processual civil. A ótica não estaria circunscrita apenas ao direito civil e ao direito civil comparado.

Dessa forma, esta tese divide-se em seis capítulos, assim explicitados:

No primeiro capítulo, far-se-á uma abordagem histórica da pessoa jurídica, sua origem, conceito e requisitos de desenvolvimento, correlacionando-a com os direitos fundamentais e da personalidade.

No segundo capítulo, tratar-se-á da responsabilidade civil em geral, em uma visão panorâmica dos elementos de sua etiologia: ação e omissão; dano e nexo de causalidade, bem como da indenização.

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No quarto capítulo, o foco será o dano não-patrimonial da pessoa jurídica e as vertentes aí compreendidas, dedicando um subtítulo para o dano à imagem, o dano coletivo, o dano institucional e o dano social.

No quinto capítulo, o estudo será focado, no dano à imagem e sua proteção jurídica e jurisdicional.

No sexto capítulo, cuidar-se-á dos meios de reparação do dano à imagem à pessoa jurídica, não se descurando da apresentação das formas mais eficazes, desenvolvendo-se a tese da reparação do dano à imagem de uma associação de moradores de bairro; de uma sociedade empresária; de uma fundação de proteção à criança, por exemplo, mas com enfoque particular no ente público, que são exemplos que por si só denotam a importância do tema, que é simplesmente apaixonante.

Far-se-á, ainda, uma pesquisa jurisprudencial, buscando na legislação e nas decisões de dos outros países, os mecanismos de proteção desse bem jurídico que é tão caro e que precisa ser resgatado, pois a violação ao ente de direito público não repercute apenas patrimonialmente, mas atinge fundo cada um dos seus cidadãos.

São Paulo, setembro de 2010.

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CAPÍTULO I – DIREITOS DA PERSONALIDADE DA PESSOA JURÍDICA

1.1. – Abordagem histórica acerca do surgimento do conceito de pessoa jurídica.

Este capítulo apresentará uma breve abordagem histórica do surgimento da pessoa jurídica, uma vez que é imprescindível, para a compreensão das ideias que surgirão no decorrer do trabalho, conhecer como afloraram as diversas teorias que procuraram explicá-la, na sua origem, desenvolvimento e proteção jurídica.

O direito tem como destinatário o homem: esse ser de carne e osso, de espírito inquieto, que busca incessantemente a satisfação de suas necessidades materiais e imateriais, a quem a norma visa alcançar para regrar a vida em sociedade, tendo como meta a convivência pacífica em prol da paz social.

Quando se pensa o direito, o enfoque é o homem, sendo que o comando da norma é a ele dirigido e só ele – até aonde se sabe – pode sentir os efeitos da sanção, como assegura Antonio Menezes Cordeiro, para quem “as diversas normas visam, pois, a conduta das pessoas singulares: somente estas podem acatá-las ou violá-las”. 1

Assim, nas palavras incisivas de Maria Helena Diniz, “percebe-se que o direito só pode existir em função homem”. 2 O homem é sujeito do direito e não seu objeto. As relações jurídicas se estabelecem entre pessoas, sejam elas naturais, sejam elas jurídicas, mesmo quando se está diante dos chamados direitos reais, em que o sujeito passivo só será conhecido no momento da sua violação.

      

1 CORDEIRO, Antonio Menezes. O levantamento da personalidade coletiva no direito civil e comercial. Coimbra: Livraria Almedina, 2000. p. 9.

2 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 1995. p.

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Tanto assim é que o Código Civil começa disciplinando as pessoas, porque, como assegura José de Oliveira Ascenção,3 a pessoa é o fim do direito, o

fundamento da personalidade jurídica e o sujeito das situações jurídicas. O diploma civil vai além, não deixando de lado o aspecto ontológico da pessoa, tanto que afirma a personalidade do embrião, reconhecendo-lhe direitos, pondo a salvo o nascituro desde a concepção.

Como ser gregário que é, o homem passa a conviver, a coexistir com os outros homens, formando agrupamentos sociais, interagindo uns com os outros com o intuito de alcançar seus objetivos. Reúnem-se em grupos sociais, esportivos, empresariais, em núcleos familiares, religiosos, dependendo do motivo que os move.

As pessoas precisaram – e agora mais ainda - agrupar-se e formar uma outra realidade para atingir seus fins: a pessoa jurídica, entidade a quem a lei empresta personalidade própria, distinta da de seus membros, para que possa atuar na vida jurídica.

Como bem pondera Silvio de Salvo Venosa,

“A premência de conjugar esforços é tão inerente ao homem como a própria necessidade de viver em sociedade. E é por meio da pessoa jurídica que o homem sobrepuja suas limitações e transcende a brevidade de sua vida. Há sempre, na vontade do homem, ao constituir uma pessoa jurídica, um sentido de perenidade que, como ser mortal, não pode atingir”.4

A ideia de personalidade coletiva constitui um ponto estruturante do pensamento jurídico moderno, uma inquietude que começou a ser resolvida como o “problema do século XIX”, atravessou sem solução todo o século seguinte e continua – até os dias de hoje – a fascinar os estudiosos do direito, em todos os ramos, incitando até mesmo no direito de penal a renovação do até então desgastado debate da possibilidade da responsabilização criminal da pessoa

      

3 ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direitos humanos e direitos da personalidade. Disponível em

<http://www.fd.ul.pt/Portals/0/Docs/Institutos/ICJ/LusCommune/AscensaoJoseOliveira10.pdf> Acesso em: 19.10.09

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jurídica, justificado pelos sucessivos danos causados ao meio ambiente pelas empresas que exploram de modo irresponsável atividades econômicas. O princípio

societas delinquere non potest é questionado na sociedade moderna sob o argumento da adoção de uma teoria da pena como prevenção geral.

Há o aspecto importante de que o direito, em qualquer de seus ramos, deve garantir a segurança e paz sociais e, diante da gravidade das lesões perpetradas ao meio ambiente, direito fundamental (artigo 225 da Constituição Federal), cabe papel importante do direito penal,5 que é o de garantir a incolumidade

do bem coletivo e difuso, impondo sanções efetivas aos que, por exemplo, são “os maiores responsáveis por danos ao meio ambiente”. 6

Nesse sentido, a pessoa jurídica tem cumprido um papel significativo na ordem jurídica, constituindo complexas estruturas de poder, atuando não só no meio ambiente, mas nas relações de consumo e na ordem econômica.

A ciência do direito passa então a tratar como “pessoas” realidades de natureza não-humana. A personalidade coletiva permite imputar condutas humanas a entes abstratos, constituindo uma aquisição jurídico-cultural muito importante nas sociedades modernas, ou segundo Antonio Menezes Cordeiro, “ela permite um nível muito avançado de integração social e possibilita um desenvolvimento alargado de sinergias humanas e das forças produtivas”, que o homem, atuando sozinho, não poderia alcançar. 7

      

5 Artigo 3º, Lei 9.605 de 12.02.1998 que dispõe acerca dos crimes ambientais.

6 Conferir em DOTTI, René Ariel A incapacidade criminal de pessoa jurídica (uma perspectiva do

direito brasileiro) In Revista brasileira de ciências criminais. Revista dos Tribunais: ano 3 n. 11 julho-setembro 1995 p. 184 a 207; ver referência jurisprudencial citada por CARVALHO, Érika Mendes de e CARVALHO, Gisele Mendes de. Direito penal de risco e reponsabilidade penal das pessoas jurídicas: a propósito da orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça In Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 250: STJ, Resp 564.960/SC, 5 T., j. 02.06.2005, rel. Min. Gilson Dipp, DJ 13.06.2005, p. 331; STJ, REsp 610.114/RN, 5 T., j, 17.11.2005, rel. Min. Gilson Dipp, DJ 19.12.2005, p. .

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Miguel Reale confirma a dificuldade de se entender por que e como o direito reconhece personalidade a entes que não são tangíveis fisicamente, como é o homem. 8

Na sociedade moderna, é muito difícil e até mesmo impossível, pensar no homem sem se voltar para a pessoa jurídica. Os agrupamentos e associações de pessoas são cada vez mais crescentes dada à complexidade da vida que, diante da tecnologia e dos meios de comunicação, impõe a massificação da sociedade.

Mas o que não se pode deixar de ressaltar é a nítida diferença entre os conceitos jurídicos e o filosófico de pessoa. Para a filosofia, pessoa é o ser humano, o indivíduo; enquanto para o direito, pessoa é o titular de direitos e de obrigações, ou seja, o sujeito de direitos. A pessoa jurídica não é apenas o agrupamento de indivíduos, a união de esforços tendentes à realização de um objetivo, mas é sujeito de direitos e obrigações, que a lei reconhece como tal. 9

Dessa forma, a reunião de pessoas para a consecução de determinadas finalidades dá ensejo à formação de um ente com personalidade própria, materializado nas figuras da sociedade, da associação e da fundação, mesmo que, nesta última, haja a união de patrimônios (e não propriamente de pessoas) com um objetivo a alcançar. A personalidade jurídica, por ser distinta dos membros que a compõem, permite, por exemplo, que se exonere de responsabilidade os sócios se agiram de acordo com os fins estatuídos pela pessoa jurídica; permite que o patrimônio particular dos sócios seja resguardado, respondendo pelas dívidas apenas o patrimônio social etc.

A contrario sensu, desvirtuando-se dos fins a que se propôs, pode ensejar a desconsideração da personalidade jurídica para alcançar-se a pessoa dos sócios.

Esta mesma sistemática jurídica – e esse o cerne do presente estudo – permite seja a pessoa coletiva (direito português), a pessoa moral (direito francês)

      

8 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 233.

9 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva Iniciação na ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2006 p.

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ou a pessoa jurídica (direito alemão, italiano e espanhol) titular dos direitos da personalidade próprios, distintos dos indivíduos que a compõem? E caso plausível, havendo a violação do direito da personalidade pode, em última instância, a pessoa jurídica sofrer dano moral ou esse seria inerente à pessoa humana?

As indagações partem da premissa – que se tem como verdadeira - de que os danos morais são lesões aos direitos da personalidade.

O fato das pessoas jurídicas não terem psiquismo ou por ausência de previsão legal, levou os juristas, durante muito tempo, a negarem a possibilidade de ser a pessoa jurídica sujeito ativo (credora) da indenização por dano moral, por faltar-lhe justamente o elemento anímico.

O leitor, atento à evolução, dirá que a Constituição Federal, promulgada em 1988, colocou um ponto final à discussão nos incisos V e X do artigo 5º. Também argumentará que a questão foi pacificada na jurisprudência pátria com a edição da Súmula n. 227 do Superior Tribunal de Justiça: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”. 10

Destarte, o presente estudo estaria fadado ao insucesso, posto que improfícuo, no entanto, nada seria mais equivocado! Assegura-se hoje à pessoa jurídica de direito privado, tanto na doutrina como na jurisprudência, a indenização por dano moral, desde que provado, pois não se admite, num primeiro momento, o dano in re ipsa. Assim, como explicar, então, as recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça nos Recursos Especiais 598.281 MG e 821.891 RS que negam à coletividade, em nome dos interesses difusos e à pessoa jurídica de direito público, o direito à indenização do dano moral? E a interpretação dada ao artigo 52 do Código Civil11 pelo CJF na IV Jornada de Direito Civil expresso no Enunciado 28612 de que “os direitos da personalidade são direitos inerentes e essenciais à pessoa

      

10 Precedentes: RESP 161913 MG (22.09.1998 DJ 18.12.1998) RESP 177995 SP (15.09.1998 DJ

09.11.1998) RESP 161739 PB (16.06.1998 DJ 19.10.1998) RESP 129428 RJ (25.03.1998 DJ 22.06.1998) RESP 134993 MA (03.02.1998 DJ 16.03.1998)

11 Código Civil - Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da

personalidade.

12 Enunciado aprovado na IV Jornada de Direito Civil - Enunciado CJF nº 286: Os direitos da

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humana, decorrentes de sua dignidade, não sendo as pessoas jurídicas titulares de tais direitos”?

Embora sejam estas posições minoritárias, elas refletem o posicionamento de considerável parte da jurisprudência e seu fundamento reside no fato de que o dano moral está indissoluvelmente atrelado à aferição da dor e do sofrimento, que são, obviamente, sentimentos exclusivos do homem, por atingir-lhe a alma, fenômeno biológico, ferindo-lhe a dignidade.

Alexandre Ferreira de Assunção Alves lembra que partidário dessa corrente é Wilson Melo da Cunha para quem

“as pessoas jurídicas, em si, jamais teriam o direito à reparação por danos morais; tal possibilidade é mesmo absurda, pois os alicerces sobre os quais eles se firmam são puramente espirituais”. Seriam tais entidades, na visão deste jurista, meras abstrações, cuja vida é “emprestada” pela inteligência humana ou pelo direito; vivas estariam apenas para os juristas que não lhes podem comunicar o calor, a alma, sentidos e a afetividade”.13

Os argumentos contra a possibilidade das pessoas jurídicas sofrerem danos morais são sintetizados por José Rubens Morato Leite14, uma vez que (i) o elemento dor só é possível incidir nas pessoas físicas, e a lesão à pessoa jurídica seria de cunho patrimonial e não moral; (ii) as pessoas jurídicas são entes de ficção do direito e não sofrem detrimentos anímicos.

Claro está, para os conhecedores da evolução da reparação do dano moral que tal entendimento, à primeira vista, representa um retrocesso. Basta lembrar aqueles, qualificados de negativistas, que entendiam por imoral tal reparação, pois imoral compensar-se a dor com dinheiro. Mas não seria também imoral deixar sem proteção jurídica as pessoas jurídicas de direito público ao não

      

13 CUNHA Wilson de Mello apud ALVES, Alexandre Ferreira de Assunção A pessoa jurídica e os direitos da personalidade Rio de Janeiro: Renovar, 1998 p. 121.

14 LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo, extrapatrimonial. São

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lhes reconhecer tal direito a despeito do comando constitucional? O artigo 52 do Código Civil não teria aplicabilidade?

Percebe-se que por mais que a doutrina e jurisprudência tenham avançado, não se chegou a um consenso, pois é essa, justamente, a função do pensador do direito: a de se inquietar diante das conclusões alcançadas e que, sob sua ótica, são injustas, pois deixam irreparadas situações de menoscabo à pessoa jurídica, em especial à pessoa jurídica de direito público.

Por um lado, ao negar direito à compensação do dano moral à pessoa jurídica – seja ela de direito público, seja ela de direito privado – sob o argumento de que só a pessoa natural tem sentimentos (dano ao espírito, nas palavras de Santo Tomás de Aquino), acarreta-se-lhe um gravame, deixando-a sem proteção.

Por outro lado, a amplitude de conceitos, a equiparação sem fundamento jurídico e até mesmo a aplicação indiscriminada de institutos pelas mais nobres razões, acaba, muitas vezes, banalizando árduas conquistas doutrinárias e jurisprudenciais, além de não resultar na tutela efetiva dos bens jurídicos. No caso de se admitir indenização do dano moral em um leque maior de possibilidades, deve-se cuidar, como alerta Sérgio Cavalieri Filho, para não se ingressar na fase de “industrialização”.15

E seria esta a melhor solução: a de negar à pessoa jurídica a reparação do dano moral? E, ao deixá-la sem proteção jurídica, negar-se-ia a sua própria condição de pessoa?

A provocação, ao que parece, induz a uma pesquisa aprofundada dos conceitos jurídicos de pessoa jurídica, de dano moral e de reparação (abrangendo os termos indenização e compensação), que se procurará enfrentar a seguir.

A indagação: “o que é a pessoa jurídica?”, recebeu pelo menos tantas respostas quanto a pergunta: “o que é o homem?”. A tese sobre a essência da

      

15 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. rev., aum. e atual. São

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pessoa jurídica foi na Alemanha, de onde emanaram as ideias abraçadas pelo direito pátrio, quase que uma profissão de fé.16

Assim, em busca da resposta, volta-se a atenção aos romanos, em uma brevíssima referência histórica.

O direito romano não elaborou uma teoria acerca do fenômeno da personalidade coletiva, pois lhe era extremamente difícil à abstração, ou melhor, pensar em um ente abstrato, o que hoje, muitas vezes, ainda é recorrente.

Procurando no direito romano figuras afins das que, atualmente, preencham o universo das pessoas jurídicas, encontra-se como a mais antiga o

populus romanus, o que se pode considerar uma antecipação da ideia de Estado. O

populus surgiria, na verdade, como sujeito de direitos e de obrigações.

No período do Império, ele aparece como fiscus. Essa potencialidade - de ser sujeito de direitos e deveres - estendeu-se a outras figurações de base territorial, como os municípios e as colônias.

Avançando no tempo, passada a Idade Média, onde o conceito de Estado era absolutista e se confundia com a própria pessoa do governante, simbolizado na célebre frase de Luis XIV, “L’Etat, c’est moi”, ou na acepção inglesa de que “The king can do no wrong”, surgiram doutrinas significativas no século XIX, pós-Revolução Francesa, que, marco da ruptura do sistema absolutista, consagrou os princípios da fraternidade, igualdade e legalidade.

Aboliu-se a prática de aplicar castigos aos cidadãos de uma cidade quando se revoltavam contra seus governantes, rei, bispo ou papa; eram condenados ou excomungados porque não se conseguia destacar a universalidade da pessoa física. Concluiu-se, pois, que havia distinção entre o homem e a cidade, bem como entre as corporações e seus membros.17

      

16 SERICK, Rolf Forma e realtà della persona giuridica. Milano: Giuffrè, 1966 p. 83

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Pode-se resumir em poucas palavras as opiniões que se seguiram acerca da natureza jurídica da pessoa jurídica 18. A teoria da ficção foi atribuída à

Savigny, que defendendo a posição de que só o homem pode ser sujeito de direitos, concluiu que a pessoa jurídica é uma ficção criada por lei com a finalidade de permitir o exercício de direitos patrimoniais. Ele estava imbuído de idéias libero-individualistas, pelo que, como pessoa, só podia entender o ser humano individual (Mensch); levado por razões de ordem técnica, ele acabaria por admitir pessoas coletivas, mas apenas a título de ficção jurídica. Savigny entendeu o conceito de pessoa jurídica como mais um exemplo de fictio juris, pois “não existe como entidade dotada de existência própria, mas como elemento técnico, uma conceituação ficta, mediante a qual os juristas podem coordenar normas jurídicas distintas, para disciplinar a responsabilidade resultante do ato associativo”.19

Ao longo do século XIX, a construção de Savigny foi-se descaracterizando para dar lugar a outras teses, mesmo porque, aceitar-se a teoria da ficção, seria negar-se a própria noção de Estado; sendo o Estado, uma ficção legal, o direito que dele emana também o seria.

Windscheid e Brinz20, precursores da chamada teoria da equiparação,

pensavam na pessoa jurídica como um patrimônio – um bem – com proteção jurídica tal qual aquela dada à pessoa física. O defeito desta teoria – critica-se – seria elevar os bens à categoria de sujeitos de direito, quando, na verdade, só as pessoas o podem ser.

Gierke, Zitelmann e Von Tuhr21 vislumbraram a pessoa jurídica como

organismos sociais, ou seja, tais quais as pessoas naturais – que são organismos físicos – a pessoa jurídica teria existência e vontade próprias. É a chamada teoria da realidade objetiva ou orgânica.

Para esta vertente, a pessoa coletiva é uma pessoa composta. A sua unidade não se exprime numa essência humana singular, mas, antes, num

      

18 Para maiores esclarecimentos ver CORDEIRO, Antonio Menezes. O levantamento da personalidade coletiva no direito civil e comercial. Coimbra: Livraria Almedina, 2000 p 45.

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organismo social. Segundo Gierke, seu maior defensor, “quando os homens se reúnem para realizar qualquer objetivo, de natureza política, comercial, civil, estética ou religiosa, forma-se efetivamente uma entidade nova”.22

Essa concepção, a ‘da vontade real’ é levada ao extremo no direito anglo-saxão, como relata Eugenio Raúl Zaffaroni, em passagem de J. C. Smith:

“una compañya puede asimilarse a un cuerpo humano en varios sentidos. Tiene un cerebro y un centro nervioso que controla lo que hace. Tambien tiene manos que manejam herramientas y actúan de acuerdo con las directives del centro. Aigunas personas en la compañia son meros sirvientes y agentes que no son más que manos que hacen el trabajo y no puede considerarse que representan la mente o la voluntad. Otros son directores y gerents que representam la mente y la voluntad rectoras de la compañia y controlan lo que hace. El estado de la mente de estos gerents es el de la compañia y asi es considerado por la ley”.23

Contudo, Gierke conclui que as pessoas jurídicas existem e não são a simples “soma” dos sujeitos que a compõem, sendo que “a orientação orgânica de Von Gierke tem o mérito de recordar que a personalidade colectiva corresponde a uma realidade histórica e sociológica, que ultrapassa o arbítrio do Direito”. 24

A teoria organicista seria, na verdade, antagônica à teoria da ficção, o que também não é ideal, dado o seu extremismo, tanto que Miguel Reale alerta para o exagero das convicções daquela teoria, quando dá às pessoas jurídicas uma existência ontológica, real, efetiva. 25

A teoria que melhor sustenta a natureza jurídica da pessoa jurídica – seja ela de direito publico, seja ela de direito privado – é a da realidade das

      

22 REALE, Miguel Lições preliminares, cit.,p. 234.

23 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Parecer Nilo Batista sobre a responsabilidade das pessoas juridicas

In DOTTI, René Ariel; PRADO, Luiz Regis. Responsabilidade penal da pessoa jurídica 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010 p. 46.

24 CORDEIRO, Antonio Menezes, O levantamento da personalidade coletiva no direito civil e comercial. Coimbra: Livraria Almedina, 2000p. 55.

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instituições jurídicas encabeçada por Maurice Hauriou26, por admitir a pessoa

coletiva como uma realidade jurídica, ou seja, uma instituição, em que as pessoas congregam esforços para atingir os fins a que se propõem; desse modo, como instituição, é dotada de personalidade jurídica e patrimônios próprios, distintos dos de seus membros. Explica com clareza Maria Helena Diniz:

“Como a personalidade humana deriva do direito (tanto que este privou seres humanos de personalidade – os escravos, p. ex.), da mesma forma pode ele concede-la a agrupamentos de pessoas ou de bens que tenham por escopo a realização de interesses humanos. A personalidade jurídica é uma qualidade que a ordem jurídica estatal outorga a entes que a merecerem”.27

Segundo Caio Mário da Silva Pereira,

“O jurista moderno é levado, naturalmente, à aceitação da teoria da realidade técnica, reconhecendo a existência dos entes criados pela vontade do homem, os quais operam no mundo jurídico adquirindo direitos, exercendo-os, contraindo obrigações, seja pela declaração de vontade, seja por imposição da lei. Sua vontade é distinta da vontade individual dos membros componentes; seu patrimônio, constituído pela afetação de bens, ou pelos esforços dos criadores ou associados, é diverso do patrimônio de uns e de outros; sua capacidade, limitada à consecução de seus fins pelo fenômeno da especialização, é admitido pelo direito positivo. E, diante de todos os fatores de sua autonomização, o jurista e o ordenamento legal não podem fugir da verdade inafastável: as pessoas jurídicas existem no mundo do direito, e existem como seres dotados de vida própria, de uma vida real”. 28

Conclui Miguel Reale com exatidão que: “a pessoa jurídica é uma existência, mas uma existência teleológica, ou seja, finalística. (…) O elemento

      

26 Cf. DINIZ, Maria Helena Curso v. 1, cit., p. 230.

27 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito, cit., p. 468-469.

28 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol. 1. 20 ed. Rio de Janeiro, Forense,

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nuclear da instituição é a idéia que congrega e inspira aqueles que se dedicam à mesma tarefa, conjugando esforços diversos visando a um fim determinado.” 29

Portanto, a idéia de pessoa – seja esta individual, seja coletiva – é criação normativa, sendo que o direito lhe reserva e assegura a mais elevada tutela jurídica para concretizar os objetivos para os quais ela foi criada. A construção da ordem jurídica, ao proteger a pessoa jurídica, moral ou coletiva, e ao consagrá-la como ente distinto dos seus membros, evita a banalização do uso indiscriminado da mesma, proibindo abusos, haja vista o artigo 50 e seguintes do Código Civil e o artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor.

Ao enxergar essa realidade, e ao discipliná-la como tal, afastando incertezas doutrinárias, permite o ordenamento jurídico emprestar-lhe existência tranquila, havendo quem afirme que a pessoa jurídica é imortal, mesmo sendo mortais as pessoas que a compõem.

Assim, para o direito, pessoa é “sempre, um centro de imputação de normas jurídicas. A pessoa é singular, quando esse centro corresponda a um ser humano; é colectiva – na terminologia portuguesa – em todos os outros casos”.30

Já assegurava Kelsen31 que tal como a pessoa natural (ou física), a pessoa jurídica nada mais é do que a expressão unitária para um complexo de normas, isto é, para uma ordem jurídica que regulará o comportamento de uma multiplicidade de homens; ou como afirma Antonio Menezes Cordeiro:

“Na hipótese da pessoa colectiva, já se sabe que entrarão, depois, novas normas em ação de modo a concretizar a “imputação” final dos direitos e dos deveres. Digamos que tudo se passa, então, em ‘modo colectivo’: as regras, de resto inflectidas pela referência a uma “pessoa”, ainda que colectiva, vão seguir canais múltiplos e       

29 REALE, Miguel Lições preliminares, cit., p. 236.

30 CORDEIRO, Antonio Menezes. O levantamento da personalidade coletiva no direito civil e comercial. Coimbra: Livraria Almedina, 2000. p. 73.

31 Cabe frisar que Kelsen, como relatado por Cordeiro, negava verdadeira existência física às

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específicos, até atingirem o ser pensante, necessariamente humano, que as irá executar ou violar”. 32

Na doutrina não há mais espaço para discussão: a pessoa jurídica é uma realidade própria, distinta dos membros que a compõem, assim sublinha Luis Gracia Martin que:

“La persona jurídica no es uma ficción, sino uma realidad própria, distinta de las personas físicas. Si bien la atribuición de “personalid jurídica” no es únicamente en la normativa, lo cierto es que los modos de organozaciòn y el proceso de la actividad reales de la persona jurídica y de modo muy especial de la empresa económica constituyen datos que están previamente dados a la regulación jurídica. (...)

A las personas juridicas – dice Luna Serrano y Lacruz Berdejo – les faltam la conciencia y voluntad en sentido psicológico, y con eso la capacidad de autodeterminación, faculdades humanas que necessariamente han de tomar prestadas a hombres. Sólo son semejantes a la persona natural em cuanto ‘unidade de eficácia’; en cuanto factor activo en el acaecer social. En virtud de esa semejanza pueden, al igual que un ser humano, constituir-se en sujeto de derechos y deberes”. En este sentido la persona, sea física o jurídica, no es más que un centro de imputatión normativa de efectos jurídicos, normalmente derechos y deberes, aunque también expectativas, cargas etc.” 33

Discordando parcialmente da visão kelseniana, que apenas ressalta o aspecto lógico-normativo da pessoa jurídica como “centro de imputação de normas”, Miguel Reale 34 defende a sua teoria tridimensional do direito. O direito deve ser

interpretado como fato, valor e norma. De modo que, arremata o jurista paulista, “o

      

32 CORDEIRO, Antonio Menezes. O levantamento da personalidade coletiva, cit.,p. 73.

33 GRACIA MARTÍN, Luis. La cuestion de la responsabilidad penal de las próprias personas

jurídicas. In DOTTI, René Ariel; PRADO, Luiz Regis. Responsabilidade penal da pessoa jurídica 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 89-90.

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fato de certos homens se congregarem para a realização de um valor ou fim que os inspira e determina”, é reconhecido pela norma, dando origem à pessoa jurídica.

Por conseguinte, firma-se a pessoa jurídica como realidade distinta dos sujeitos que a congregam.

Mas não apenas a construção da concepção de pessoa jurídica foi tumultuada. Após a compreensão de que a pessoa jurídica tinha existência própria, diferente da de seus membros, surgiu novo embate: a nomenclatura.

Savigny35, criador da teoria da ficção, insurgiu-se contra o termo

pessoa moral, pois poderia implicar a imoralidade da pessoa singular, o que não faria sentido. Lançou, então, o termo “pessoa jurídica”, adotado por Heise e presente até hoje. Na verdade, a censura não tinha cabimento pois o termo – pessoa moral - pensado por Pufendorf36 vem de mores, no sentido clássico de comportamento humano. A pessoa “moral” resultava, pois, do engenho humano, por oposição à natureza.

Em contrapartida, o termo “pessoa jurídica” também poderá receber críticas pois, em direito, todas as pessoas estão submetidas à ordem jurídica.

O termo “pessoa colectiva” – consagrado no direito português - também não é designação perfeita, pois subjacente deve haver uma “coletividade”, no sentido de pluralidade de pessoas. Mas nem sempre é assim, como quando se tem uma fundação.

No direito canônico, falou-se em “universitas”, ou universalidade, quando se tratava da questão. Foi Pufendorf37, então, quem atribuiu às associações o termo “pessoa moral”. Isto porque o BGB austríaco designava apenas a associação como pessoa moral.

      

35 CASTRO Y BRAVO, Frederico. La persona jurídica. Madrid: Editorial Civitas, 1991. p. 172.

36 CORDEIRO, Antonio Menezes O levantamento da personalidade coletiva no direito civil e comercial. Coimbra: Livraria Almedina, 2000. p. 20 e 42.

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Na literatura jurídica francesa, a expressão só seria consagrada, praticamente, no final do século XIX, sendo impulsionada sobretudo por publicistas. Na esfera legislativa, tem-se o Código de Napoleão que só faz referências indiretas às pessoas morais.

Talvez tenha sido a fraqueza estrutural do Código Civil francês, no tocante às pessoas jurídicas que causou uma gama de construções negativistas, como as de Planiol e Duguit38, que entendiam a pessoa jurídica como uma

propriedade coletiva, de todos os que a integram e distinta da propriedade individual, sendo um conjunto de coisas de propriedade de todos os associados.

Para o presente estudo, embora o Código Civil pátrio fale em “pessoa jurídica”, utilizar-se-á as expressões pessoas morais, coletivas ou jurídicas

indistintamente, fugindo-se do preciosismo técnico, mas sem se esquecer da essência.

Em trabalho de referência, cuja leitura é primordial à compreensão do tema, embora deva-se situar o pensamento no contexto histório da época – final da Segunda Guerra Mundial – e no contexto espacial – Alemanha - Rolf Serick diz que os americanos resolveram o problema da natureza jurídica da pessoa jurídica com base em casos concretos com surpreendente simplicidade, pois é realmente difícil para o americano compreender uma teoria de ente coletivo como aquela de Gierke na sua formulação original, ironiza Serick39. Somente com grande dificuldade se pode pensar nos Estados Unidos que a pessoa jurídica pudesse ser considerada na essência com determinadas características humanas. A única coisa que pode ser aceita para os americanos na teoria metajurídica de Gierke é que somente a pessoa jurídica nasce através de um reconhecimento do Estado.

Informa o doutrinador alemão que os juízes americanos, diante de determinado fato concreto e no afã de fazer justiça, ora se valiam da teoria da ficção de Savigny, ora da superada teoria da concessão, cuja origem histórica está no fato de que, na Inglaterra, originalmente, uma pessoa jurídica podia nascer somente graças a uma especial concessão do poder soberano. O Estado colocava no

      

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organismo social o “sopro de uma vida artificial” da qual nascia um ente dotado de vida própria. Dessa realidade histórica havia dois tipos de sujeito: a pessoa física, criada por Deus e a pessoa criada do espírito humano “as persons incorporated into a politic body ”. (visão de Lord Coke)

Serick mostra a clara distinção entre sociedade e o sócio no direito norte-americano, citando um caso concreto em que um terreno, dividido em lotes, sendo que os lotes individuais, por cláusula contratualmente expressa, não poderiam ser de propriedade de pessoas “de cor”. Em seguida, um desses lotes foi transferido para uma pessoa jurídica, cujos membros eram todos negros. No momento da aquisição, a pessoa jurídica teve ciência da existência de cláusula limitativa da transmissão da propriedade, então muito comum na América do Norte. Em uma ação ajuizada contra a sociedade adquirente, o juiz se pronunciou em favor da sociedade, sob fundamento de que a pessoa jurídica é um sujeito de direito distinto dos sócios. “E le persone giuridiche non possono essere di colore in quanto esse non sono entità dotate di una realtà corporea, ma esistono solo in ’contemplation of law’ ”. 40

Ao discorrer sobre a teoria da desconsideração da pessoa jurídica, Serick cita Anderson41, que se dedica ao direito societário americano e que se

baseia no conceito de que uma pessoa jurídica não é senão uma invenção (ficção) criada por motivo técnico-jurídico como instrumento para permitir na vida comercial o alcance de determinados fins reconhecida pelo ordenamento jurídico e só nos limites representativos destes mesmos fins é que a pessoa jurídica pode ter vida própria.

Ao desenvolver seu raciocínio, Rolf Serick incita a desvendar quais das características próprias de uma pessoa física devem ser aplicadas a uma pessoa jurídica. A resposta a essa indagação é de extrema utilidade para o desenvolvimento do presente trabalho, pelo que a complexidade da pesquisa do jurista alemão é sem precedentes e de referência obrigatória para os que se dedicam ao estudo da pessoa coletiva.

      

40 Na tradução livre: E a pessoa jurídica não pode ser ‘de cor’ porquanto não é dotada de uma

realidade corpórea, mas existe somente na contemplação da lei. Cf. Rolf SERICK, Forma e realtà della persona giuridica. Milano, Giuffrè, 1966, cit., p. 76.

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Para o jurista, deve-se perquirir quais normas entre as que pressupõem características naturais da pessoa física devem ser aplicadas também às pessoas jurídicas. Além disso, deve-se averiguar como é possível, na aplicação dessa norma à pessoa jurídica, determinar quais as características que conceitualmente se baseiam na pessoa física; segundo qual critério se deve decidir se tal norma pode ser aplicada também a uma pessoa jurídica etc.

De riqueza extraordinária, a análise do professor da Universidade de Tübingen apontava, à época, que mesmo nos Estados Unidos não havia entendimento adequado, talvez em referência à sociedade americana voltada às grandes corporações.

Cita o exemplo do caso People’s Pleasure Park Co. v. Rohleder em que a Suprema Corte de Apelação do Estado da Virgínia enfrentou a questão da possibilidade de se atribuir a uma pessoa jurídica características naturais próprias das pessoas físicas. Se cuidava de decidir se uma pessoa jurídica pode ser considerada ao menos de cor (di colore). A Corte respeitou completamente o princípio da separação jurídica entre os sócios e o ente, chegando à conclusão de que, mesmo quando todos os membros da sociedade são negros, a pessoa jurídica, na qualidade de sujeito jurídico autônomo, não recebe minimamente a influência desse fato e de que, esta, como tal, não pode ser de cor. 42

Mas não faltou quem criticasse a sentença, emitindo opinião de que o Tribunal se descuidou do seguinte fato: o único propósito da sociedade era, através de uma pessoa jurídica constituída de negros, burlar uma proibição contratual com base na qual um determinado fundo não poderia ser adquirido por negros. Por outro lado, essa crítica não afronta o problema específico que consiste em determinar se uma pessoa jurídica, a qual segundo o senso natural e corrente não pode ser de cor, possa todavia, juridicamente, ser qualificada como “de cor”.

A resposta é negativa tendo em vista a assertiva de que ”uma corporação formada de muitos, é invisível, imortal e existe somente por determinação e consideração da lei. Elas não podem praticar crime, estar fora da lei,

      

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ou excomungadas, já que não tem alma, nem aparecem pessoalmente, mas através de advogado”43.

Na Alemanha, os doutrinadores e o legislador enfrentaram, durante um regime nacional-socialista, um problema muito semelhante ao acima exposto. Em relação à “arianização” (arianizzazione) de empresas hebraicas, indagando se uma pessoa jurídica poderia ser ariana ou hebraica, e em caso desta questão ser respondida afirmativamente, com base em que elemento umaq característica desse gênero poderia ser determinada em relação a uma pessoa jurídica.44

Em 1935, o “Reichsjuristenführer” expediu uma norma (ordinanza) através da qual se proibia o “NS-Rechtswahrern” de representar os hebreus diante dos tribunais. Essa norma equiparou todos os hebreus: a sociedade de capital; a pessoa jurídica dita individual, cuja direção ou capital não estava prevalentemente nas mãos de arianos etc. O princípio que originou essa proibição foi depois editado em norma legislativa, estabelecendo que uma empresa é considerada hebraica quando hebreu é seu titular. A norma explicitou que a pessoa jurídica é hebraica quando a) um ou mais representantes legais ou quando um ou mais de seus membros são hebreus; b) quando o sócio hebreu tem uma participação social que, com fundamento no capital ou no direito de voto, atribui-se-lhe uma influência determinante.

Pfuntner-Neubert, evocados por Serick45, comentaram essa disposição afirmando que hebreu é um conceito racista que, como tal, só pode ser aplicado contra a pessoa física. Pelo que se denota que conceitos como raça, cor, religião não podem ser ligados à ideia de pessoa moral. A pessoa jurídica, nas palavras de Miguel Reale, “não é algo de físico e de tangível como é o homem, pessoa natural”.46

      

43 No original: “A corporation aggregate of many, is invisible, immortal, and rests only in intendment and consideration of the law… They can’t commit treason, nor be outlawed, or excommunicated, for they have no soul, neither can they appear in person, but by attorney”.

44 SERICK, Rolf Forma e realtà della persona giuridica. Milano, Giuffrè, 1966 p. 218. 45 SERICK, Rolf Forma e realtà della persona giuridica, cit., p. 220.

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Naquele contexto histórico se colocou questão inversa: uma pessoa jurídica pode ter sido perseguida com base em motivos raciais? Esta questão aflorou e foi debatida na jurisprudência que sucedeu 1945 em matéria de direito de ressarcimento por danos de guerra e que ainda se achava, em parte, regulamentada legislativamente. Também nesse caso é coerentemente afirmado que uma pessoa jurídica pode ser considerada perseguida por motivos raciais, haja vista que milhares de lojas pertencentes aos judeus foram fechadas e depredadas durante o regime nazista. 47 Basta recordar a Kristallnacht onde em uma única noite, 7.500 lojas de judeus foram destruídas.

Conexas ao problema acima relatado, surgem outras inquietações, como a possibilidade de uma pessoa jurídica poder ser titular dos mesmos direitos criados pelo ordenamento jurídico para a tutela do ser humano e de sua dignidade, ou se uma pessoa jurídica pode ter atributos que representam uma valoração do comportamento humano. No primeiro grupo, de natureza constitucional, podem ser citadas como exemplo a honra, a credibilidade (confiança) e a ingratidão.

A Emenda XIV da Constituição americana estabelece que “nenhum Estado poderá privar qualquer pessoa da vida, da liberdade e da propriedade, sem o devido processo legal”. A jurisprudência e a doutrina dos Estados Unidos entendem que a expressão “pessoa” compreende neste caso tanto a pessoa física como a jurídica. E o fazem em contraste como o termo “cidadão” que seria usado exclusivamente para a pessoa física (ou natural).

Serick assegura que a pessoa jurídica pode ser titular dos direitos constitucionais fundamentais. Para determinar quais direitos lhe atingem, é

      

47 MRG americano n. 59 de 10.11.1947, publicado em Gesetzessammlung HENKEN, art. 1: “O fim

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necessário examinar-se a ratio da norma e a vontade do legislador. A mesma disposição está no artigo 19 da Constituição alemã.48

Assevera o autor49 que uma pessoa jurídica pode ser titular de direitos fundamentais e ser destinatária da tutela daí decorrente, sendo incontestável que a pessoa jurídica tem “honra”, o que é impugnado por Binding50, para quem honra é um valor jurídico personalíssimo, um “valor que pertence a um ser humano como tal e cuja base de seu comportamento está a sua integridade moral e jurídica”. Assim, por essa concepção, não seria crível que uma pessoa jurídica ou ente coletivo fosse titular desse direito.

Na época em que escreve, Serick faz uma pesquisa primorosa e afirma que no Código Penal do Reich a capacidade de ser ofendido vem reconhecida a vários entes coletivos, como a administração pública e às associações políticas, embora no caso da administração pública se faça referência ao substrato pessoal, ao funcionário que a representa. Não é concebível ofensa à administração pública abstraindo-se completamente da pessoa física que a compõe, aduz o mestre alemão.

Ver-se-á na sequência, e em capítulo próprio, que os italianos encaram como mais grave o ato lesivo contra Administração Pública praticado pelo funcionário público do que quando o agente é pessoa “comum”. Haveria, portanto, uma abalo direto no princípio de confiança, quebrado pela prática do ato ilícito do funcionário que deveria, na verdade, aigr nos estritos limites da lei pois representa a pessoa jurídica de direito público.

Durante o Terceiro Reich, por conta do espírito nacional-socialista, deu-se acentuada importância ao deu-senso de coletividade. Sustentou-deu-se, ao lado da honra

      

48 Art. 19 - (1) Quando, de acordo dessa lei fundamental, um direito fundamental pode estar

restringida por uma lei ou em função duma lei, a lei deve ser válida de maneira geral e não só para o caso isolado.(…) (2) Um direito fundamental não deve ser ofendido na sua essência em caso nenhum. (3) O direitos fundamentais são também validos para pessoas coletivas do território do país em medida que sejam aplicáveis por sua natureza. Disponível em <http://www.unileipzig.de/~leite/wiki/Direitos_B%C3%A1sicos_da_Constitui%C3%A7%C3%A3o_Ale m%C3%A3_-_Art%C2%BA_1_a_19"> Acesso em 24.04.2010

49 SERICK,Rolf Forma e realtà della persona giuridica. Milano, Giuffrè, 1966,p. 232- 233.

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individual, a existência de uma honra coletiva, baseada no conceito de comunidade supra-pessoal dotada de consciência comunitária própria. O partido socialista alemão e organizações similares poderiam ser vítimas de ofensas à honra diante dos valores nacional-socialistas. Contudo, a doutrina negava que as fundações e as sociedades de capitais tivessem “honra” pois o objeto por elas perseguido era puramente comercial. A Corte alemã, durante esse período que a humanidade quer inclusive esquecer, dadas as atrocidades cometidas, mas que se traz à baila para a riqueza do estudo, reconheceu ofensa à honra coletiva aos entes legalmente constituídos e a quem o Estado outorgou algumas funções públicas.51

A honra passa a ter um conceito sociológico, cujo conteúdo é o respeito que o indivíduo ou a pessoa jurídica tem no âmbito da coletividade. A Corte de Hannover atribuiu legitimidade à Ordem dos Advogados de ser ofendida em sua honra então em 1947.52 Foi, assim, um avanço no reconhecimento de direitos da

personalidade à pessoa jurídica análogos aos da pessoa natural.

Essa digressão histórica, em que se permitiu adentrar inclusive no tema da presente tese, adiantando conceitos e, principalmente, as dúvidas da doutrina e da jurisprudência, é um exemplo de que a questão não é e não será pacífica, mesmo porque vários são os enfoques dados à pessoa jurídica.

Outrossim, é difícil até hodiernamente enxegar a pessoa jurídica sem penetrar na sua “vida interior”, sendo comum ao intérpetre, ao aplicar a lei, confundir a pessoa dos sócios com a pessoa jurídica. Por conseguinte, pertinente é a análise da pessoa jurídica e sua disciplina no Código Civil.

      

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1.2. - Pessoa jurídica de direito público e pessoa jurídica de direito privado: concepção, requisitos formais e materiais e extinção.

Nem todo agrupamento de pessoas é tido como pessoa jurídica. Muitas vezes, faltam requisitos legais para a subjetivação, embora esse ajuntamento de pessoas tenha capacidade para estar em juízo53. São exemplos desses entes despersonalizados, a família, a sociedade de fato, a massa falida, as heranças jacente e vacante e o espólio. Ao condomínio edilício, consoante recente Enunciado n. 90 do Conselho de Justiça Federal, deve ser reconhecida personalidade jurídica, pois pode adquirir imóveis e outros bens em seu próprio nome, além dos necessários à simples administração; pode movimentar contas bancárias; emitir boletos de pagamento; contratar empregados etc.

A personalidade jurídica é, como assegura Maria Helena Diniz54, um atributo que a ordem jurídica estatal outorga a entes que o merecem. O Código Civil, nos artigos 40 e seguintes, rege os preceitos regulamentadores da matéria, uma vez que é a Constituição Federal quem assegura entre os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana o de associar-se para a obtenção de fins comuns, alcançando bens da vida que o homem, sozinho, não poderia fazê-lo. Daí a necessidade de reunir-se a outros (artigo 5º, incisos XVII e XXI da Constituição Federal).

As pessoas jurídicas são de direito público interno e externo e de direito privado. São pessoas jurídicas de direito público interno: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, os Municípios, as autarquias, associações públicas e as demais entidades de caráter público criadas por lei. Repetindo o comando constitucional inserido no parágrafo sexto do artigo 37 da Constituição Federal, o artigo 43 impõe às pessoas jurídicas de direito público interno a responsabilidade civil objetiva pelos atos praticados por seus agentes.

      

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Embora faça menção às pessoas jurídicas de direito público externo, o Código Civil deixa claro que serão regidas pelas normas de direito internacional, enquanto o Decreto-lei 200/67 e o Decreto-lei 900/69 estruturam a pessoa jurídica de direito público da administração direta e indireta, ressaltando as autarquias, criadas para suprir as dificuldades de gestão, descentralizando-se a atividade financeira e administrativa.

Elenca como pessoas jurídicas de direito privado, as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos, sendo que estes tem lei especial a regulamentá-los. As empresas públicas e as sociedades de economia mista são entidades privadas, também regidas por norma de caráter especial e subsidiariamente pelo Código Civil.

Tal qual a pessoa natural, a pessoa jurídica nasce, vive e morre. Contudo, a sua existência se dá a partir da inscrição dos atos constitutivos (estatutos, contratos sociais etc.) no respectivo registro. Dois são, pois, os momentos de sua formação: o do encontro de vontades traduzido em documento escrito e, outro, consistente no registro público. Enquanto não efetuado o registro, o agrupamento de indivíduos é sociedade de fato.

No momento do registro, a lei reconhece à pessoa jurídica personalidade e capacidade, podendo exercer todos os direitos subjetivos, como direito ao nome, à marca, à imagem etc., na exata medida de sua natureza, pois lhe falta um organismo biopsíquico. Essa personalidade é distinta dos membros que a compõe.

Tal assertiva vale para a pessoa jurídica de direito privado, sendo a gênese da pessoa jurídica de direito público diferente, pois o que lhe dá existência são fatos históricos (uma revolução, por exemplo), normas constitucionais, leis especiais e tratados e convenções internacionais (para a pessoa jurídica de direito público externo). Dessas mesmas formas ocorre a sua extinção. O regime jurídico é diverso tanto para uma como, para outra.

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prestigiando a liberdade de crença e o livre exercício dos cultos religiosos (artigo 5o,

inciso VI da Constituição Federal), como os partidos políticos, regidos pela Lei n. 9.096/95.

Por seu turno, as associações, pessoas jurídicas organizadas para fins não econômicos, estão em primeiro plano. Os associados reúnem-se para fins consecução ideais, de natureza esportiva, assistencial, educacional, política, religiosa, profissional-liberal não visando o lucro, embora não deixem de auferir renda, mas não há partilha dos resultados entre seus membros (artigo 53 do Código Civil).

Ao passo que na sociedade, seja ela simples ou empresária, a finalidade é econômica, sendo os lucros obtidos na execução de seus objetivos, partilhados entre seus sócios.

Mas a reunião de bens, seja por destinação inter vivos ou mortis causa,

também pode tomar a forma de pessoa jurídica, quando esse patrimônio tem a finalidade de atender ao interesse público. O instituidor, ao destinar parcela de seu patrimônio ao exercício de finalidades religiosas, culturais, morais ou assistenciais, constitui, com a fiscalização do Ministério Público, a fundação (artigo 66 do CC). Não há propriamente a reunião de pessoas ou universitas personarum, mas de bens destinados a um fim nobre, como a Fundação Ayrton Senna, para a proteção do menor, incentivando-o ao estudo, leitura, prática esportiva etc.

Embora a personalidade jurídica da pessoa jurídica não se confunda com a dos membros que a estruturam, a lei permite em situações excepcionais, configurados o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial entre os bens destes e da sociedade (associação), em ação judicial e a requerimento da parte lesada ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, a desconsideração da personalidade jurídica.

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1.3. – Os direitos da personalidade e os direitos fundamentais relativos à pessoa jurídica de direito público e de direito privado e o direito à imagem.

De posse desses elementos conceituais e estruturais, surge a problemática: as pessoas jurídicas tem direitos da personalidade? E direitos fundamentais? Se positivo, em que medida? Confundem-se esses direitos com os das pessoas naturais que dela fazem parte?

A indagação, se percebe, é recorrente nesse trabalho. E a resposta, unânime da doutrina, é a de que, no momento do registro de seus estatutos ou de seu contrato social, a lei reconhece à pessoa jurídica personalidade e capacidade, podendo exercer todos os direitos subjetivos. O mesmo ocorre com a pessoa jurídica de direito público, que nasce com a edição (promulgação) da lei ou do fato histórico do qual exurge sua constituição.

Assim, adquirindo juridicamente a personalidade (afastada as situações de fato), as pessoas jurídicas recebem proteção normativa. O Código Civil pátrio abre um capítulo próprio, sob a rubrica, “Direitos da Personalidade”, reconhecendo expressamente à pessoa jurídica alguns atributos semelhantes, análogos, aos das pessoas naturais (na expressão “no que couber”), embora não os especifique nem os identifique, tarefa própria do intérprete.

Dispõe o artigo 52, do Código Civil: “Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”, ou seja, o legislador remete o intérprete aos artigos 11 a 21, do Capítulo II, sob o título “Dos Direitos da Personalidade”. Entretanto, não os conceitua (tarefa que não lhe é própria, ressalte-se), nem os elenca (para não engessá-los, dada a sua relevância). O referido dispositivo legal traz ainda conceito vago de quais direitos da personalidade são reconhecidos à pessoa moral (em referência à expressão no que couber).

(39)

"indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral".

Falando acerca do assunto, Paulo Mota Pinto55 aduz que essa indeterminação conceitual do legislador é preenchida pelo elenco de direitos e liberdades pessoais previstas na Constituição Portuguesa, nos artigos 24 a 27.

Essa cláusula geral, - arrisca-se dizer -, está implícita no direito pátrio, uma vez que os artigos 11 e seguintes do Código Civil, com supedâneo no artigo 5º da Constituição Federal, reconhecem os chamados direitos da personalidade, sobretudo os emanados do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III da Constituição Federal). Nas palavras do doutrinador português, a dignidade humanafoi elevada a valor fundamental atributivo de sentido e unidade às disposições relativas aos direitos fundamentais, elemento de unidade valorativa do sistema constitucional”. 56

Essa opinião também é compartilhada por Alexandre Ferreira de Assunção Alves57, para quem a Constituição de 1988, no bojo do inciso X do artigo 5º, contém cláusula geral de tutela do direito à imagem, assegurando ao lesado reparação por danos morais e materiais.

Claro que alguns direitos da personalidade apenas dizem respeito à pessoa humana. “Evidentemente, não tem cabimento violação à vida, ou à integridade física ou psíquica, ou à liberdade (privação) da pessoa jurídica. Outros direitos da personalidade, todavia, são suficientemente exercitáveis pela pessoa jurídica, e sua violação proporciona a indenização compensatória por danos morais”,

alerta Mota Pinto.58

Adiantando o desfecho do presente trabalho, pode-se acompanhar o entendimento do juiz português que vê a reputação como o direito mais atingido,

      

55 PINTO, Paulo Mota Direitos da personalidade no Código Civil português e no Código Civil

brasileiro. Revista Jurídica nº 313, p. 07.

56 PINTO, Paulo Mota Direitos da personalidade... cit., p. 07.

57 ALVES, Alexandre Ferreira de Assunção O levantamento da personalidade coletiva no direito civil e comercial. Coimbra: Livraria Almedina, 2000. p 136.

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