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O dano social

No documento DOUTORADO EM DIREITO CIVIL COMPARADO (páginas 127-133)

CAPÍTULO IV – DANO NÃO-PATRIMONIAL E AS PESSOAS JURÍDICAS DE

4.2. As vertentes compreendidas na noção de dano não-patrimonial

4.2.4. O dano social

Foi talvez essa a inspiração de Antonio Junqueira de Azevedo na defesa do que denominou de dano social. Alertando para a atualidade da problemática, o jurista encontra o caminho para que a reparação de danos possa ser

      

200 MEIRELLES, Hely Lpoes. Direito municipal brasileiro. São Paulo, Malheiros, 1994 p. 127 201 Cf. BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Estudos do dano moral coletivo.

202 Cf. REIS, Clayton. Dano moral. Rio de Janeiro: Forense, 1998 p. 101. Os grifos são da pesquisadora, justamente para ressaltar a frase de Sólon, que resume a improtância da argumentação. Não foi encontrada a frase no original.

um desestímulo, uma dissuasão à prática do ilícito vislumbrando uma nova categoria de dano: o dano social. Segundo suas palavras, o dano social não é uma alteração sobre o tema: dano moral, mas a criação de um novo caso de dano advindo do rebaixamento da qualidade de vida de uma população.

O dano social, sob a ótica de Junqueira, não é o dano coletivo ou relativo aos interesses coletivos (difusos) da esfera do Ministério Público. Segundo aduz, ele defende “o óbvio”, aquilo que até agora ninguém ousou dizer: “determinados danos individuais, patrimoniais ou morais, causam também dano à coletividade. A lesão, o dano-evento, é a uma pessoa, mas o ato repercute por ricochete em prejuízo de uma comunidade”. 203 Para ilustrar, cita o caso Isabela Nardoni, ocorrido em São Paulo e que comoveu uma verdadeira multidão de pessoas. 204 Para o doutrinador, o dano social é o dano por ricochete coletivo, que não recebeu ainda o necessário reconhecimento da doutrina.

No fundo, como Junqueira mesmo diz, está defendendo uma espécie de punitive damages à brasileira para recomposição do dano social, da qualidade de vida social que foi rebaixada com a lesão individual.

Conclama os juristas a procurar soluções para os problemas atuais de insegurança não apenas quanto à incolumidade física, mas também quanto à psíquica, diante da ineficiência do direito penal para impedir crimes e contravenções. O autor propõe que seja repensada a tradicional separação entre direito civil (reparação) e direito penal (repressão). Ilustra, com várias passagens do Código Civil, a correção do seu pensamento, vislumbrando em inúmeros dispositivos a assertiva de que o direito civil também pune o ofensor (artigo 1.992 que comina a perda do direito (pena) ao herdeiro que sonega bens da herança; artigos 939, 940 e 941; 1.336; 1.814; 1962; 1220 e 667).

O raciocínio desenvolvido por Junqueira deixa claro que o agravamento da indenização não residiria apenas no aspecto “punitivo”, mas serviria ainda como “desestímulo”, que tem características e finalidades diversas da punição       

203 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. In Novos estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2010 p. 602. 204 O pai de Isabela, Alexandre Nardoni e a madastra, Ana Carolina Jatobá, foram condenados por homicídio da filha de cinco anos de idade, atirando-a pela janela do apartamento.

(penal). A pena é para o ofensor; o desestímulo é tanto para este como para “os outros” que se sentirem tentados a praticar os mesmos atos lesivos, tendo a sanção natureza dissuasória, didática, pedagógica, projeta-se para o futuro como todo o ensinamento. Esse caráter pedagógico, na visão do jurista, seria útil quando aplicado às pessoas jurídicas que tem por finalidade atividades dirigidas ao público, aos consumidores, ou seja: “A pena tem em vista um fato passado enquanto que o valor de desestímulo tem em vista o comportamento futuro; há punição versus prevenção”.

Também quanto às pessoas haveria essa dicotomia, pois falar-se-ia em “punição” à pessoa física e “dissuasão” à pessoa jurídica (embora esta possa ser apenada). A primeira objeção ao agravamento da indenização reside em que não poderia ser aplicada aos casos de responsabilidade objetiva, limitada estaria à responsabilidade subjetiva, pois só nesta espécie é que o juiz examina o dolo e a culpa do agente (para, então, puni-lo). Entretanto, o desestímulo é cabível ainda que se fique exclusivamente no campo da responsabilidade objetiva.

A segunda questão a ser analisada é o ponto central do pensamento de Junqueira: “um ato, doloso ou praticado com culpa grave, ou ainda se negativamente exemplar, não é lesivo somente ao patrimônio material ou moral da vítima, mas sim, atinge a toda a sociedade, num rebaixamento imediato do nível de vida da população. Causa dano social”.

Mosset Iturraspe também compartilha dessa opinião, postulando na sanção jurídica duas funções: a prevenção e a compensação. Ao apresentar suas ideias cita Soler, para quem “el derecho no es um sistema de convivência que se satisfaga com la aplicación de las sanciones; aspira a no tener que aplicarlas; a que se cumplan los preceptos primários. La sancion no es el precio de la violación”.

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Desse modo, o artigo 944 do Código Civil não impede que o juiz fixe, além da indenização pelo dano material e moral, uma indenização pelo dano social, como quer Junqueira de Azevedo. A “pena” – agora, entre aspas, porque no fundo, é

      

reposição à sociedade -, visa restaurar o nível social de tranqüilidade diminuída pelo ato ilícito, incutindo no espírito da comunidade as segurança jurídica e paz social.

Outras situações que causam rebaixamento do nível coletivo de vida (de qualidade de vida) são os negativamente exemplares. Ilustra com o atraso sistemático dos voos por uma empresa aérea, em que a indenização a um consumidor individual não basta para dissuadi-la na prática do ato lesivo. Mesmo porque, ela pensará na equação custo-benefício: poucas serão as demandas judiciais, sendo mais vantajoso economicamente manter a situação tal como está! O passageiro sairá de casa angustiado, sem saber se honrará seus compromissos chegando a tempo no destino. Muito diferente quando o passageiro sai confiante quanto à observância dos horários. “As sociedades têm um nível de qualidade de vida que é até mesmo mensurado estatisticamente, por exemplo, com os índices de desenvolvimento humano (IDH)”. 206

Para Junqueira, “a tolerância para com o dolo e para com o descumprimento da palavra (seria alterum laedere e suum cuique non tribuere, tudo ao contrário do que deveria ser) são os piores males para uma sociedade. Em resumo, é preciso repor, quer num caso, por punição, quer noutro, por dissuasão, o que foi tirado da sociedade”. 207

Sugere que esse plus da indenização, que é a reparação do dano social, poderia ir para um fundo como ocorre nos danos ambientais, desde que houvesse uma política legislativa nesse sentido. Mas defende que o autor da ação individual faça jus a esse plus, pois agiu como defensor da sociedade, agiu como “um promotor público privado” (ou para os americanos: private attorney general), agiu em benefício da sociedade, como um incentivo para um aperfeiçoamento geral da sociedade.

A ideia de Junqueira é inovadora e relevante do ponto de vista da cidadania. A sensibilidade desse jurista e a sua experiência de vida, permitiu-lhe

      

206 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. In Novos estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2010 p. 382. 207 AZEVEDO, Antonio Junqueira de, Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. In Novos estudos..., cit., p. 382.

ousar, alertando para o óbvio: a sociedade está perdendo seus valores intrínsecos, morais.

Vivencia-se o desrespeito descarado às instituições. Os casos de corrupção e concussão alastram-se, sem que se experimente o gosto da punição aos agentes faltosos.

Talvez a descrença tenha raízes até mesmo na falta de reação das pessoas ofendidas, entre elas as pessoas jurídicas, por não exercitarem, na sua plenitude, a defesa dos seus direitos da personalidade, pleiteando a reparação dos danos morais, extrapatrimoniais, coletivos, institucionais, sociais, qualquer que seja o nomen iuris. Não importa a denominação que se dê. Importa que esses direitos deveriam estar arraigados em nossa sociedade e a sua proteção e defesa facilitadas quer pela doutrina quer pela jurisprudência.

A grande vedete desse trabalho é a imagem da pessoa jurídica, bem imaterial que dá suporte (sustentação) à própria finalidade para a qual a pessoa jurídica foi criada: de agregação, de congregação de esforços comuns e que exige – dessa maneira – que se estabeleça um vínculo de confiança quer nas relações internas (entre sócios, entre associados), quer nas relações externas (entre sócios e destinatários dos serviços (objeto social)).

E esse vínculo de confiança é que repercute externamente, resultando na reputação que a pessoa jurídica adquire no meio social.

A tese defendida por Antonio Junqueira de Azevedo é clara: a responsabilidade civil deve ter por norte a imposição de indenização por danos individuais e por danos sociais. Esses chamados “danos sociais” seriam as lesões causadas à sociedade que rebaixam não apenas seu nível de vida (qualidade de vida), mas também seu patrimônio moral (segurança jurídica).

Sandro Castro traz inúmeros julgados dos tribunais italianos que vislumbram, no dano à imagem da Administração Pública, natureza plúrima: ora um dano moral, ora um dano existencial; ora como dano-evento, ora como dano- consequência. Há, na jurisprudência citada por Castro, opinião de que o dano à imagem é um dano social, pois a noção de dano público não compreende apenas a lesão de bem público patrimonial em sentido próprio, mas se estende a qualquer

interesse que caracteriza bem em sentido jurídico, consistente no prejuízo da imagem de um ente público, que se traduz em verdadeiro dano social, pelo descrédito derivado do comportamento ilícito do funcionário público, mediante uma conduta dolosa ou culposa em relação ao descumprimento do serviço público; já por “dano moral”, vale dizer “dano não-patrimonial”, se refere ao dano derivado da grave perda de prestígio. 208

Ressalta-se que a imagem deve ser “preservada” para que a pessoa jurídica atinja as suas finalidades. Como, então, elaborar uma teoria de reparação da imagem? O que se deve entender por “imagem da pessoa jurídica” e qual a extensão da proteção jurídica a esse instituto? Por certo, há que se escrever um capítulo em apartado, enfrentando-se a seguir a problemática ora aguçada.

      

208 Nesse teor é a lição de Castro: “La nozione di danno pubblico non comprende soltanto la lesione

dei beni pubblici patrimoniali in senso proprio, ma si estende anche alla lesione di quegli interessi che sono da ritenere beni in senso giuridico, consistenti nel pregiudizio recato all’immagine dello stato di un ente pubblico, che si traduce in vero danno sociale, per effeto del discredito derivato dai comportamenti illeciti di pubblici dipendenti, mediante una condotta dolosa o colposa in relazione ad inadempimenti do obblighi di servizio; per cui per “danno morale”, vale a dire “dano non patrimoniale”, si fa riferimento al danno derivante dalla garve perdita di prestigio”.Cf. CASTRO,

Sandro. Il danno all’immagine”. (Corte Conti Lazaio, Sez giurisdiz., 29 ottobre 1998, n. 2246, in Foro

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