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Das conceções às práticas dos educadores no domínio da literacia

CAPÍTULO 2 – PARA O DESENVOLVIMENTO DA LITERACIA NA

2. Das conceções às práticas dos educadores no domínio da literacia

As conceções que os educadores de infância desenvolvem sobre o desenvolvimento da linguagem escrita são fatores que influenciam (1) quer a forma como atuam, (2) quer o modo como apreendem, realizam e interpretam a informação dos contextos educativos onde incrementam a sua prática e (3) como analisam os documentos curriculares orientadores das suas práticas (Wang, et al., 2008).

Outrora deixava-se um pouco ao critério dos educadores e das entidades formadoras de educadores de infância a opção em considerar a linguagem escrita como uma área de abordagem em contexto de educação de infância (Mata, 1999). Dirigindo- se ao educador e ao desenvolvimento da sua prática pedagógica, as OCEPE (Ministério da Educação, 1997) não estabelecem, como já registámos, conteúdos nem objetivos

específicos; apresentam apenas orientações metodológicas gerais. No entanto, foi por altura da publicação deste documento orientador que se começou a entender e a enaltecer o papel do jardim-de-infância na aquisição da literacia, anunciando-se nele alguma tomada de posição sobre o papel da linguagem escrita no jardim-de-infância associada a perspetivas holísticas de literacia emergente, a partir das quais o papel dos contextos e ambientes onde as crianças estão inseridas pesam nas suas competências de literacia. Esta orientação surge em oposição a perspetivas tecnicistas, inspiradas nas teorias behavioristas da aprendizagem, as quais, como já vimos, definiam uma prática pedagógica altamente dirigida pelo docente, com atividades pedagógicas inseridas num programa educacional rígido, programado minuciosamente.

Interessa apurar como estas orientações têm sido apropriadas pelos educadores na sua ação pedagógica nas salas de educação pré-escolar, porque é essencial que o educador compreenda como funcionam estes processos de aquisição da leitura e da escrita, de modo a proporcionar à criança momentos de ensino-aprendizagem efetivos e relevantes.

A investigação realizada por McMullen e Alat (2002), no âmbito das conceções e práticas acerca da aprendizagem da linguagem escrita permite concluir que estas se orientam, de uma forma geral, em duas direções, que se prendem com uma perspetiva mais tradicional e uma mais holística. A perspetiva tradicional encara a escrita como um conjunto de habilidades focadas na leitura e escrita convencional, no ensino direto dessas habilidades, ensinadas de forma sequencial. A perspetiva holística, mais atual, parece destacar a importância que adquirem os contextos sociais e culturais de utilização da linguagem escrita para a sua aprendizagem, que deve ocorrer de forma natural e em contexto significativo. De facto, relativamente aos comportamentos dominantes dos educadores, o estudo apontou que quando as suas práticas incidiam na livre escolha da criança e nas atividades lúdicas colocando a ênfase nas atividades de literacia emergente e no desenvolvimento da linguagem, as suas crenças revelaram-se mais fortemente alinhadas com uma filosofia de práticas apropriadas do ponto de vista do desenvolvimento (developmentally appropriate practices). Por outro lado, os educadores cujas práticas se baseavam em rotinas consistentes, salas de aula organizadas, currículos pré-planeados, e ensino direto do educador, reportavam a crenças mais tradicionais ou academicamente orientadas. Os autores concluíram, ainda,

que os profissionais de educação de infância com nível de formação mais elevado, adotaram mais fortemente crenças de práticas adequadas (DAP) do que os seus colegas com menos formação.

De acordo com Spodek e Saracho (1998) e Wang et al., (2008), as experiências pessoais do passado dos docentes, a sua formação e educação formal, bem como o contexto pedagógico em que estão inseridos constituem-se como origem das suas crenças acerca do currículo na educação de infância.

Segundo Wang et al., (2008), entender as crenças e as conceções que os professores e educadores desenvolvem é indispensável porque, desta forma, poderemos perceber melhor a sua intencionalidade, o que os faz atuar de determinada forma. Esta intencionalidade exige-lhe que reflita cuidadosamente sobre a sua ação e a forma como a adequa às necessidades das crianças.

Cassidy e Lawrence (2000), por seu lado, defendem que a compreensão do trabalho docente incide sobre os saberes da experiência, constituídos num contexto de ensino, no qual múltiplos fatores se articulam, estabelecendo limites e controlando as possibilidades de atuação do docente. É nesse contexto que o educador constrói os seus esquemas de ação que, embora implícitos, são os responsáveis pela sua prática ou pela forma particular como estabelece, e realiza, a sua rotina de trabalho.

Outro fator que pode influenciar as crenças dos professores é a idade. Cassidy e Lawrence (2000) defendem que, com o aumentar da idade e experiência, as crenças dos professores são formuladas como resultado do seu conhecimento e experiência. Segundo os autores, à medida que os professores adquirem experiências as suas crenças tornam-se mais firmes. Estas crenças ajudam os professores a determinar quais as informações que são pertinentes para a sua autoconstrução de novos conhecimentos.

A este respeito, num estudo sobre a formação de professores e educadores para o ensino da Língua Portuguesa, Sim-Sim (2001) concluiu que os educadores reconheciam a importância do desenvolvimento linguístico e a sua relação com as aprendizagens posteriores, mas, já o conceito de promoção de literacia emergente, abrangendo medidas organizadas e propositadas de ensino aprendizagem em tarefas de leitura e escrita, carecia de alguma consensualidade.

Em conformidade, e apesar da importância da abordagem à linguagem escrita na educação de infância ser, como aqui já o referimos, cada vez mais preconizada e referenciada como um dos elementos chave para o futuro sucesso do desempenho escolar, num trabalho desenvolvido por Santos (2007), com um grupo de educadores de infância da ilha Terceira, verificou-se um desinteresse pela sua implementação.

O estudo de Santos (2007) tinha por objetivo relacionar as práticas pedagógicas dos educadores com a evolução nas conceções sobre a leitura e a escrita na infância. Num universo de 75 educadores de infância pertencentes à rede pública da Ilha Terceira, Açores, uma amostra de 18 foi alvo de uma observação das suas práticas pedagógicas e de uma entrevista que permitisse caracterizar as suas conceções em aspetos considerados chave para uma adequada abordagem à leitura e à escrita no jardim-de-infância. Um dos resultados desta investigação aponta para o facto de 50% da amostra estudada revelar um desinteresse por situações que potencializam a leitura e a O facto é que as suas práticas se caracterizavam pela ausência de estratégias direcionadas neste sentido, descurando a organização do ambiente, a planificação de estratégias e atividades a desenvolver junto das crianças ou o aproveitamento de situações imprevistas para a facilitação de experiências significativas de aprendizagem no domínio da abordagem à leitura e à escrita.

Perante os estudos realizados, perfilhamos que o conceito de prontidão para a

leitura, ou seja que existem competências necessárias à aprendizagem da leitura/escrita,

ainda se encontra fortemente enraizado nas práticas educativas de educadores de infância e professores do 1 º ciclo (Viana & Teixeira, 2002). Este conceito de prontidão envolve a noção de maturação, de acordo com a qual a criança só pode beneficiar da instrução quando está mentalmente madura.

Segundo Goldenberg (2001), esta visão maturacionista da prontidão para a

leitura (reading readiness) assumia a existência de um momento específico na infância

em que a aprendizagem da leitura deveria ocorrer. Neste quadro concetual, a maturação física e neurológica, por si só, prepara a criança para as tarefas necessárias à aprendizagem formal da leitura e escrita.

Esta perspetiva maturacionista tem sérias implicações nas práticas pedagógicas de alguns educadores, cujo trabalho de exposição às tarefas de leitura e escrita, de

exploração de escrita e de sensibilização para as características fonológicas da linguagem oral, é considerado pouco útil, como apontam as conclusões de Santos (2007), acima referidas.

Relativamente às conceções dos educadores de infância acerca da abordagem à leitura e à escrita no jardim-de-infância, Ferreiro (1997) diz-nos que reconhece duas formas distintas de pensar: uma centrada no docente, que define a ordem e a forma segundo a qual se devem introduzir as atividades de leitura e escrita, e outra centrada na criança, nas suas necessidades e interesses, que considera a utilização contextualizada da escrita pela criança como o ponto de partida para as aprendizagens neste domínio.

Particularmente convencidos de que esta segunda perspetiva é aquela que melhor se adequa à forma de apreender e compreender a utilização do sistema de escrita pelas crianças, a autora refere que “as crianças que ainda não estão alfabetizadas podem contribuir proveitosamente para a sua própria alfabetização e para a dos seus colegas, quando a discussão a propósito da representação escrita da linguagem se converte numa prática escolar” (p. 27).

Num estudo realizado sobre literacia emergente, Fernandes (2004) observou durante um ano letivo uma criança de quatro anos e meio. Neste estudo o autor refere que esta já apresentava motivação para atividades de leitura e escrita, de manipulação de material escrito e competências linguísticas. Estas competências, frequentes noutras crianças da mesma faixa etária, são reconhecidas pelos educadores de infância como reveladoras de futuro sucesso na aprendizagem.

Wilcox-Herzog e Ward (2004) referem que é importante ajudar os docentes a compreender as suas intenções, porque esse tipo de entendimento poderá melhorar as suas práticas pedagógicas. Assim, no sentido de apurar a forma como as crianças se apropriam da linguagem escrita e, consequentemente, a forma como os ambientes de aprendizagem devem ser organizados, as atuais conceções holísticas têm vindo a ser integradas na formação de professores e educadores.

Desta forma, para que os educadores desenvolvam competências que lhes permitam atuar de forma adequada e relevante do ponto de vista pedagógico, configura- se a formação inicial como um espaço imprescindível para o desenvolvimento e melhoria da qualidade dos processos e resultados educativos.

No próximo ponto refletiremos acerca de alguns dos fatores a ter em conta na formação de educadores de infância tendo em vista uma atuação pedagógica que reflita as atuais preocupações e tendências de ensino-aprendizagem da literacia na educação de infância.

3. A formação dos educadores de infância para a promoção