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CAPÍTULO 1 – A LITERACIA EMERGENTE NA EDUCAÇÃO PRÉ-

2. A Literacia na Educação Pré-Escolar

2.2 Literacia emergente: notas para a clarificação do conceito

O termo literacia tem vindo a ser utilizado para concetualizar um novo conceito acerca das capacidades de leitura e de escrita. Distingue-se de alfabetização na medida em que não aspira atingir o grau de escolaridade a que esta está aliada. Segundo Benavente et at., (1996), se o conceito de alfabetização representa o ato de ensinar e de

aprender, o conceito de literacia representa a capacidade de usar as competências, que são ensinadas e aprendidas, de leitura e de escrita.

De acordo com Teale e Sulzby (1996) o conceito de literacia emergente investiga uma nova perspetiva de abordagem ao processo de aprendizagem da linguagem escrita. Nesta perspetiva é fundamental o papel atribuído à criança, pois os autores consideram que o desenvolvimento da literacia começa antes de a criança iniciar uma instrução neste sentido, este desenvolve-se naturalmente em situações reais associadas ao dia-a-dia.

Assim, no que concerne a comportamentos e atitudes, neste processo de desenvolvimento as primeiras representações acerca da leitura e da escrita são vistas como uma construção da criança, as quais emergem por influência do contexto social envolvente, de forma continuada e integrada. A informação e o material impresso estão presentes em todo o lado, fazendo parte das vivências da criança que, mesmo antes de entrar para a escola, toma consciência da presença e poder que o impresso tem no cotidiano e, ao explorá-lo acaba por se relacionar com aquele. Esta exploração inicial a que os autores aludem é essencial para desenvolver um conjunto de noções e conhecimentos fundamentais para a aprendizagem da leitura e da escrita. As crianças necessitam, assim, de interações regulares e ativas com material impresso, sendo que algumas das competências requeridas pela aprendizagem da leitura e da escrita resultam exatamente destas experiências imediatas. Em conformidade, Mata e Sim-Sim (2008) referem, também, que o modo de apreensão e aprendizagem da linguagem escrita se desenvolve facilmente em situações reais associadas ao quotidiano onde as funções da literacia estão presentes.

Sendo indiscutível, como aqui já o referimos, que a linguagem é uma área crucial para o desenvolvimento de todas as outras áreas, possibilitando uma completa adaptação social, é genuíno afirmar que, para desenvolver a linguagem oral e escrita, o acesso a determinado tipo de práticas de linguagem e de literacia em contextos de educação pré- escolar pode ser determinante no desenvolvimento das crianças. Assim, neste contexto, é impreterível que a criança ouça, contacte com vários tipos de texto oral e escrito, faça os seus registos e veja registar, interaja, questionando, expressando as suas ideias, descreva pessoas e acontecimentos, entre muitas outras atividades de natureza comunicativa.

Em contexto sala de aula, é importante, no domínio da linguagem oral e abordagem à escrita, “tirar partido do que a criança já sabe, permitindo-lhe contactar com as diferentes funções do código escrito” (Ministério da Educação, p. 65), pois aquilo que inicialmente nos parece um momento de imaginação, como seja uma criança na área do faz de conta a ler uma história, quando ainda não sabe ler, é já um procedimento complexo de literacia, porque a obriga à compreensão de um conjunto de normas acerca do impresso. Assim, de acordo com as OCEPE, “esta abordagem à escrita assenta numa perspetiva de literacia enquanto competência global para a escrita, no sentido de interpretação e tratamento da informação o que, por sua vez, implica leitura da realidade e das imagens e aquisição do conhecimento da função da escrita, mesmo sem saber ler formalmente” (Ministério da Educação, 1997, p. 66).

Nesta esfera pedagógica da EPE, a utilização intencional da linguagem pelo educador, fomentando as interações verbais entre si, o adulto, e as crianças, bem como as interações verbais entre as crianças e a atenção cuidada sobre o currículo são cruciais no apoio ao desenvolvimento de competências de literacia (Tabors & Dickinson, 2001), pois estas interações irão alargar as capacidades de compreensão e produção linguística.

De acordo com o princípio geral da Lei-Quadro do Pré-Escolar, o qual estabelece que “a educação pré-escolar como a primeira etapa da educação básica no processo de educação ao longo da vida” (1997, Art.º 2), e tendo em conta estudos realizados, como por exemplo o trabalho desenvolvido por Mata (2006) com crianças de 5-6 anos a frequentarem o pré-escolar, que demonstram a importância da frequência desta etapa no percurso educativo dos alunos, é necessário descobrir estruturas curriculares articuladas na educação pré-escolar que sejam facilitadoras da progressão das aprendizagens e tenham seguimento nas etapas seguintes. Desta forma, a questão de a literacia emergente ser contemplada nos contextos educativos da educação pré-escolar é hoje, indubitavelmente, considerada fundamental para alcançar um dos passos basilares na educação e formação do ser humano.

Com a intenção de inteirar e conduzir os educadores que atuam nessa etapa da educação básica e que procuram refletir sobre o trabalho didático que desenvolvem na área de linguagem escrita, surge o livro Ler e escrever na educação infantil – discutindo

práticas pedagógicas (2010), sob a organização das autoras Brandão e Rosa. Segundo

educadores, deveu-se ao fato de terem reconhecido que “nesse campo muitas professoras sentem falta de referenciais mais claros, que orientem sua prática educativa (p. 7). Relativamente às crianças menores de seis anos, as autoras argumentam a favor da possibilidade de que estas

ampliem suas habilidades de uso da linguagem escrita nas situações de seu cotidiano, bem como comecem a aprender sobre alguns princípios do sistema de escrita alfabética (…), essa aprendizagem deve estar em consonância com os interesses e os desejos infantis, de modo que as situações de leitura e escrita propostas assegurem às crianças o prazer de agir por meio desses recursos da nossa cultura, sem ferir, ao mesmo tempo, seu direito de aprender brincando.

(Brandão & Rosa, 2010, p. 8)

Investigações acerca da aprendizagem da língua, como as de Bryant e Bradley (1987), vêm evidenciando a importância do desenvolvimento da consciência fonológica para a aprendizagem da leitura e da escrita.

No estudo sobre consciência fonológica de Ferraz (2001), a partir do qual a autora pretendia apurar a importância desta competência linguística na transição da EPE para o 1º Ciclo do Ensino Básico (1º CEB) constatou que,

as diversas investigações realizadas sobre a consciência fonológica, revelam que o desenvolvimento da oralidade e a capacidade de refletir sobre a própria língua são competências que facilitam a aprendizagem da leitura e da escrita. Estas pesquisas evidenciam a importância das competências fonológicas na aquisição da leitura e da escrita, referindo que o fator que melhor prediz o sucesso nesta aprendizagem se prende com esta capacidade metalinguística.

(Ferraz, 2001, p. 10)

Estas investigações apontam que, por altura da educação infantil, o desempenho das crianças em determinadas atividades de consciência fonológica é preditivo do seu sucesso ou fracasso na aprendizagem e aperfeiçoamento da escrita.

Citando Byrne (1995), Aquino (2007) denomina consciência fonológica como

a habilidade metalinguística de tomada de consciência das caraterísticas formais da linguagem. Esta habilidade compreende dois níveis: o primeiro relaciona-se à consciência de que a língua falada pode ser segmentada em unidades distintas, ou seja, a frase pode ser segmentada em palavras, em sílabas e as sílabas, em fonemas; a segunda a consciência de que essas mesmas unidades repetem-se em diferentes palavras faladas”.

(Byrne, 1995, citado por Aquino, 2007, p.4).

Numa publicação de Freitas, Alves e Costa (Ministério da Educação, 2007), sobre o desenvolvimento da consciência fonológica, as autoras referem-se a este processo como “a capacidade de explicitamente identificar e manipular as unidades do oral” (p.8). Ou seja, se considerarmos uma palavra, a habilidade que a criança tem de a isolar na fala e a habilidade que tem de reconhecer unidades fonológicas no seu interior é compreendida como manifestação da sua consciência fonológica.

A consciência fonológica prende-se assim com a noção de que as palavras são constituídas por diversos sons ou grupos de sons e que elas podem ser segmentadas em unidades menores (Moojen & Santos, 2001). Ou seja, a compreensão que a língua falada pode ser segmentada em unidades distintas (as frases em palavras, as palavras em sílabas e as sílabas em fonemas).

De acordo com Mata e Sim-Sim (2008), há competências fonológicas que se desenvolvem à medida que se aprende a ler e a escrever, mas outras antecedem essa aprendizagem convencional. Nesta linha de raciocínio, Ferreiro (2003) menciona que desde pequenos temos uma apetência natural para participar em jogos em que cada palma corresponde a uma sílaba, no entanto “a única divisão que não surge naturalmente no desenvolvimento é em unidades menores que uma sílaba, ou seja, em fonemas. Um adulto analfabeto e uma criança analfabeta não conseguem fazer isso de maneira espontânea” (p. 28). A autora acrescenta que quando se adquire a linguagem oral se tem “uma certa capacidade de distinção fónica, senão não distinguiria pata de bata” (p. 28). Assim, a consciência fonológica ligada ao conhecimento das regras de correspondência entre grafemas e fonemas permite à criança uma aquisição da escrita com maior agilidade, uma vez que permite a generalização e memorização destas ligações de som e letra.

Aquino (2007), refere no seu estudo sobre O trabalho com consciência

fonológica na educação infantil e o processo de apropriação da escrita pelas crianças

que os dados da pesquisa de Freitas (2004) apontam que

crianças a partir de 4 anos são capazes de responder a testes meta fonológicos. A identificação de rimas por crianças pequenas não alfabetizadas, por exemplo, pode indicar a existência de uma consciência implícita, ou seja, de uma sensibilidade às similaridades fonológicas.

Pesquisas com crianças de 3 e 4 anos apontam nesta fase da infância, que as crianças são capazes de brincar com as palavras, identificando e produzindo algumas que apresentam sons iguais.

(Aquino, 2007, p. 5)

Parafraseando Aquino (2007), tal constatação indicia que é fundamental desenvolver esta habilidade de refletir sobre os sons da fala e reconhecer os seus correspondentes gráficos no ciclo inicial do desenvolvimento desta aprendizagem. Assim, sendo a consciência fonológica encarada como um facilitador para a aquisição da leitura e da escrita, necessita ser contemplada nas atividades pedagógicas da EPE, nomeadamente em jogos, leitura e exploração de textos rimados.

Na sequência das investigações que realizou sobre a consciência fonológica na EPE, Leite (2006) sugere a organização de um trabalho pedagógico que considere, desde a educação infantil, situações de ensino através de atividades que promovam a consciência fonológica, proporcionando às crianças da EPE o exercício de análise das propriedades das palavras como auxílio para a apropriação da aquisição da escrita.

Tal sugestão já havia sido refletida por Morais (2004) ao defender que a criança precisa pensar sobre os segmentos sonoros das palavras, a fim de avançar na apropriação de sistema de escrita alfabética, competindo à escola assumir essa tarefa de forma determinada e metódica.

No ponto seguinte procuraremos perceber como se processa a aprendizagem da leitura e da escrita. Segundo Barbosa (2009), o termo aprendizagem refere-se a mudanças no comportamento resultantes de experiências, desta forma, intentaremos perceber como os aprendentes obtêm novos conhecimentos, desenvolvem competências e, consequentemente, modificam o seu comportamento, melhorando-o qualitativamente.