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3 DA RESISTÊNCIA (E SEUS DESCAMINHOS): MOVIMENTO

3.2 DAS ENTREVISTAS

Com o objetivo de trazer à tona a percepção dos sujeitos sociais envolvidos no processo político e educacional discutido até aqui, este tópico problematizará algumas entrevistas realizadas com lideranças sindicais ligadas à APEOESP, ao passo que este sindicato se destaca no enfretamento realizado ao PSDB e às suas políticas educacionais se observado, inclusive, o

grande número de greves articuladas por esta entidade (incluindo a mais longa da categoria em 2015, com 92 dias de paralisação) durante os últimos 24 anos. As entrevistas visam promover uma discussão em torno da atuação e mobilização liderada pela APEOESP durante o governo PSDB em São Paulo. As perguntas elaboradas possuem a intenção de angariar subsídios para o entendimento do projeto político e das disputas internas presentes neste sindicato bem como compreender melhor a percepção que seus membros expressam sobre a conduta do PSDB à frente do governo de São Paulo. Por ventura, as entrevistas também colocarão em evidência o movimento estudantil, que por vezes esteve imbricado com as mobilizações dos professores.

Compreende-se a entrevista, neste trabalho no

(...) sentido amplo de comunicação verbal, e no sentido restrito de coleta de informações sobre determinado tema científico, é a estratégia mais usada no processo de trabalho de campo. Entrevista é acima de tudo uma conversa a dois, ou entre vários interlocutores, realizada por iniciativa do entrevistador, destinada a construir informações pertinentes para um objeto de pesquisa, e abordagem pelo entrevistador, de temas igualmente pertinentes tendo em vista este objetivo (MINAYO, 2010, p.261)

Com isso, utilizando-se da entrevista como técnica de pesquisa, buscou-se aprofundar a reflexão sobre algumas contradições abordadas até aqui que poderiam ser sintetizadas em cinco preocupações teóricas:

1) As políticas públicas/educacionais do PSDB em São Paulo nos últimos 24 anos;

2) A postura do governo PSDB frente as reivindicações do sindicato dos professores e das demandas da educação;

3) As disputas políticas internas da APEOESP e a relação da categoria dos professores com o sindicato;

4) As resistências realizadas contra o neoliberalismo no campo da educação em São Paulo; 5) Perspectivas para o sindicato dos professores e para a educação e o entrelaçamento deste

campo com o contexto político e social vigente.

Com estas preocupações orientadoras, foi realizado um trabalho de campo guiado por uma entrevista semi- estruturada onde o entrevistado teve a possibilidade de discorrer sobre o assunto em pauta sem se prender à pergunta proferida, combinado, portanto, questões fechadas e abertas29. Contudo, as observações realizadas neste processo também foram incorporadas e

29 Com a exceção das falas de Maria Izabel Azevedo Noronha (Bebel), presidenta do sindicato, que pela

inviabilidade da entrevista durante o período da pesquisa de campo, terá suas opiniões captadas de entrevistas encontradas na internet, de domínio público.

fazem parte das reflexões teóricas que serão apresentadas adiante, todavia, resguardando alguns cuidados com a objetividade do conhecimento:

É preciso lembrar também que a entrevista, como forma privilegiada de interação social, está sujeita à mesma dinâmica das relações existentes na própria sociedade. Quando se trata de uma sociedade ou de um grupo marcado por acirrados conflitos, cada entrevista expressa de forma diferenciada a luz e a sombra da realidade, tanto no ato de realiza-la como nos dados que aí são produzidos. Além disso, pelo fato de captar formalmente a fala sobre determinado tema, a entrevista, quando analisada, precisa incorporar o contexto de sua produção e, sempre que possível, ser acompanhada e complementada por informações provenientes de observação participante (MINAYO, 2010, p.262-263)

Integrando as observações feitas durante o trabalho de campo com a análise das entrevistas transcritas e anexas, procurou-se estabelecer um complexo de relações que ajudam a entender os efeitos do neoliberalismo na educação e as contradições provenientes daí. O olhar sobre a realidade de São Paulo nas gestões do PSDB evidencia tendências no campo educacional que merecem atenção. O enfoque dado à APEOESP, por sua vez, justifica-se pelos ataques que o neoliberalismo vem promovendo aos sindicatos e às lei trabalhistas, além da relevância desta entidade que é o maior sindicato da América Latina.

Outrossim, investigar a relação entre APEOESP e o Estado, é investigar como o Estado, ao flexibilizar as relações trabalhistas precarizando as condições de trabalho, promove o isolamento e dificulta a organização política dos trabalhadores da educação ao passo que o trabalho e, neste contexto, a escola, deixam de ser espaços privilegiados de politização fruto do intenso ataque aos sindicatos e à legislação trabalhista realizados pelos governos neoliberais, como o do PSDB. A racionalidade neoliberal vai penetrando num importante sujeito social: os professores.

Giovanni Alves (2002) demonstra as transformações na objetividade e subjetividade do mundo do trabalho durante a década de 1990 que ele denomina de a “década neoliberal”, expressão também pertinente para definir as décadas posteriores. Segundo o autor, nesta década, foi sendo implantado um “toyotismo sistêmico”, uma racionalização organizacional tendo como referências dispositivos toyotistas o que levou à fragmentação da classe trabalhadora e crise do sindicalismo além da emergência de um novo complexo de reestruturação produtiva e de um novo (e precário) mundo do trabalho. Desta forma,

(...) as políticas neoliberais e o novo complexo de reestruturação produtiva conseguiram alterar a dinâmica da sociabilidade do trabalho no Brasil degradando-a, tanto no sentido objetivo, ou seja, no tocante à materialidade da organização do processo de trabalho, quanto no sentido subjetivo, principalmente no plano da consciência de classe (...) com impactos decisivos no sindicalismo e nos movimentos sociais urbanos e rurais (ALVES, 2002, p. 77)

Esta reestruturação produtiva e subjetiva promovida pelo capital precisava ser irradiada enquanto a nova razão do mundo, ou ainda, a racionalidade neoliberal necessitava ser difundida: “governos, escolas e sindicatos passaram a incorporar o discurso da nova pedagogia empresarial, articulando, por exemplo, conceito de ‘empregabilidade’ às noções de competências e novas habilidades” (ALVES, 2002, p.81). A escola passa a receber e difundir a “nova pedagogia empresarial”, tem suas estruturas, legislações e condições trabalhistas de acordo com esta diretriz mas, concomitantemente, deve ser uma importante instituição para a difusão da visão de mundo neoliberal e para a criação do homem- empresa. Os sindicatos também absorverão esta nova pedagogia neoliberal e incorporarão objetivos e condutas neste sentido, como será discutido mais a adiante.

3.2.1 Os Entrevistados

A APEOESP, como todo sindicato ou organização política, possui divergências e disputas internas por poder. Como foi dito anteriormente, a APEOESP está entre os maiores sindicatos do mundo com seus 180 mil sócios e possui a finalidade, segundo definição presente no site oficial, de:

(...) defender os interesses diretos, individuais e coletivos da categoria profissional que representa, inclusive nas instâncias judiciais e administrativas competentes; desenvolver e organizar encaminhamentos conjuntos visando a unidade e a unificação de todas as entidades representativas dos trabalhadores em educação, no âmbito do Ensino Público; lutar, juntamente com outros setores da população, pela melhoria do ensino, em particular do ensino público e gratuito, em todos os níveis; lutar, ao lado de outros trabalhadores, por organização, manifestação e expressão para todos os trabalhadores (Disponível em: <www.apeoesp.org.br/o-sindicato/historia>. Acessado em: 08/02/2019)

Portanto, visando elucidar a complexa trama que envolve as disputas internas das correntes políticas que compõe o sindicato bem como a relação que esta entidade mantem com os governos do PSDB em São Paulo, as entrevistas foram realizadas. Todavia, para alcançar uma compreensão satisfatória destas relações os entrevistados deveriam expressar opiniões divergentes que refletissem contradições. Assim, foram selecionados dois sindicalistas ligados à Articulação Sindical (ArtSind), corrente atrelada à Central Única dos Trabalhadores (CUT) e ao PT, e dois representantes sindicais da oposição (fragmentada em vários coletivos no interior da APEOESP).

A ArtSind é hegemônica na APEOESP há muitos anos e Maria Izabel Azevedo Noronha (Bebel) ocupa a presidência, com reeleições consecutivas, desde 2010 (o estatuto da entidade

não prevê um limite de reeleições). Sendo assim, além de Bebel, recém eleita deputada estadual pelo PT que terá suas opiniões expressas a partir de falas extraídas de entrevistas encontradas na internet, Fábio Santos de Moraes, vice-presidente, e Roberto Guido, secretário de comunicações, foram os representantes entrevistados desta corrente. Já a oposição à ArtSind se fez presente nas entrevistas por meio das falas de Gustavo de Freitas Agostini, coordenador geral da subsede de São Roque, e de Paula Penha, conselheira da subesede de Sorocaba e membra da Diretoria Estadual da APEOESP. Desta forma, buscou- se interpretações divergentes acerca do sindicato e de sua atuação nos últimos anos como subsídio para uma análise mais profunda de suas contradições e interesses. Gustavo integra um coletivo de oposição à ArtSind chamado: “Na Escola e na Luta”, já Paula compõe um coletivo de oposição batizado de: “XV de Outubro”.

As entrevistas foram realizadas em lugares e datas diferentes (conforme apêndices), a partir da disponibilidade de cada um dos entrevistados.