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1 A ORIGEM DO NEOLIBERALISMO E SUA HEGEMONIA

1.4 PÓS-GOLPE: RETOMADA DO NEOLIBERALISMO E O CAMPO

1.4.1 Neoliberalismo e educação: resultados na realidade concreta

Tendo em vista a obsessão pelas “avaliações” que o neoliberalismo vem introduzindo na educação, como meio de controle em diversos aspectos, é necessário pontuar a dificuldade em mensurar o processo educacional, intelectual e das críticas que se poderia colocar aos

instrumentos de avaliação, atingir as “metas” numa realidade onde as condições de trabalho são evidentemente precárias é um desafio inatingível e que produz resultados preocupantes. Além de salas superlotadas (em média 35, 45 alunos, quando muitos educadores apontam como média ideal 25 alunos), onde grande parte dos alunos provêm de famílias pobres, de baixa renda (alunos que, muitas vezes, estão na escola por força da lei e atuação dos Conselhos Tutelares, afinal, a educação não é certeza de ascensão econômica e social para muitas famílias e o tempo despendido pelos jovens na escola é de certa forma um desperdício na medida que poderiam estar trabalhando, porém, o atrelamento da frequência escolar com o recebimento do bolsa- família garante a permanência de boa parte dos jovens na escola) que estão sujeitas às consequências da vulnerabilidade social como violência, uso de drogas, abandono e falta de cuidados com as crianças, etc., o que torna a sala de aula, cada vez mais heterogênea e suscetível à conflitos e mesmo violência física, um espaço amedrontador para muitos profissionais da educação.

Contudo, os baixos salários, sobretudo na rede pública, força os professores a terem uma longa jornada de trabalho (há docentes que dão 70 aulas semanais o que equivale a dar praticamente todas as aulas do período da manhã, tarde e noite, turnos que se estendem das 7:00 às 23:15 horas, de segunda a sexta-feira) em condições propícias à violência escolar em um contexto de crise educacional. Outrora valorizado e gozando de prestígio social (inclusive pela elitização que a educação, mesmo de nível básico, expressava, sendo um privilégio de poucos) o professor agora é tido, muitas vezes, como o responsável único pelo fracasso escolar (mesmo com a falta de investimentos, precariedade das condições de trabalho e ausência das famílias no acompanhamento do processo educacional) e geralmente estigmatizado e condenado11 quando promove greves e paralisações reivindicando a qualidade da educação (com efetiva e dedicada atuação dos grandes meios de comunicação na produção deste pensamento). Este contexto, somado à pressão por resultados e a busca pelo bônus para colocar as contas em dia, tem sido um terreno fértil para o adoecimento mental da classe trabalhadora12.

Atualmente, portanto, com as consequências da racionalidade neoliberal na subjetividade dos indivíduos e com o aprofundamento das políticas neoliberais aplicadas à educação pública, as condições de trabalho e cobrança por resultados vêm gerando uma

11 Em greves recentes, sobretudo no Paraná e em São Paulo (estados governados pelo PSDB), manifestações de

professores foram violentamente reprimidas pelas Polícias Militares. Pesquisa publicada em 2018 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta que somente 2,4% dos alunos de 15 anos no Brasil tem interesse em seguir a profissão docente (PALHARES, 2018)

12 Além do generalizado uso de remédios psiquiátricos (calmantes, antidepressivos, ansiolíticos...) entre os

professores, pesquisas trazem o relato de profissionais que afirmam sentirem sintomas como ansiedade, dores abdominais e de cabeça, diarreia...ao se aproximarem da escola (CODO, 1999).

realidade propícia ao desenvolvimento ainda maior de patologias psicológicas entre os professores da educação básica, como uma quantidade considerável de estudos vem demonstrando nas últimas décadas. (CODO, 1999; PAPARELLI, 2009; SOARES et. al., 2017). Desta forma, compreender melhor os desdobramentos do neoliberalismo significa entender melhor o mal estar docente e a mercantilização/precarização da educação:

A reestruturação mundial dos sistemas de ensino e educacionais faz parte de uma ofensiva ideológica e política do capital neoliberal (...) Os capitalismos nacional e global desejam, e de um modo geral conseguiram, cortar os gastos públicos. Isso acontece porque os serviços públicos são caros – o imposto sobre o capital. Os cortes nos gastos públicos servem para reduzir os impostos sobre o lucro, que por sua vez o aumentam pela acumulação do capital. Além disso, a classe capitalista na Grã-Bretanha e nos EUA têm: 1 – um Plano de Negócios para a Educação: este se concentra em, socialmente, produzir a força de trabalho (a capacidade das pessoas para trabalhar) para as empresas capitalistas; 2 – um Plano de Negócios na Educação: este se concentra em liberar as empresas para lucrar com a educação, 3 – um Plano de Negócios para as Empresas Educacionais: este é um plano para as “Edubusinesses” (empresas educativas) inglesas e americanas lucrarem com as atividades internacionais de privatização (...) Assim, expondo a educação ao mercado, a longo prazo, abrirão as portas para as corporações gigantes, principalmente as companhias transnacionais sediadas nos EUA e na Grã-Bretanha – que a administrará em seus próprios interesses (HILL, 2003, p.25)

Como buscou-se demonstrar, o Brasil, mutatis mutandis, vem sendo inserido, subsumido por este processo posto em marcha pelo neoliberalismo. Portanto, por considerar as políticas educacionais implementadas em âmbito nacional, sobretudo na década de 1990 e retomadas neste momento, emblemáticas e intimamente ligadas às políticas neoliberais, a análise crítica deste processo merece atenção, pois,

(...) desde a invasão na escola por uma lógica neoliberal produtivista, materializada pelos programas de regularização de fluxo escolar implantadas a partir dos anos 1990, o trabalho docente vem passando por reestruturações que vão na direção de sua intensificação, da ampliação dos tipos de tarefas, da sua desqualificação e da precarização das relações de emprego, consolidando- se a desvalorização do trabalho educativo (PAPARELLI, 2009, p.17)

Prossegue a autora que:

(...) as inúmeras tentativas docentes de reverter esse quadro acabam, frequentemente, transformando-se em estratégias para minimizar o desgaste no trabalho, sendo caracterizadas em ações que representam uma espécie de renúncia ao papel de educador. Essa desistência de educar significa, ao mesmo tempo, uma renúncia ao sentido do trabalho docente que, desse modo, passa a gerar intenso desgaste mental (PAPARELLI, 2009, p.18)

O que se constata neste início de século é (além de uma explosão de doenças mentais entre os trabalhadores, sobretudo no setor de serviços) a consolidação do projeto neoliberal o que, via de regra, precariza as condições de trabalho e favorece o adoecimento do trabalhador e a perda do sentido do trabalho, inclusive na educação. A APEOSP, divulgou uma pesquisa, em 2010, que revelou que 48,5% dos professores do estado sofriam com estresse e 26,6% com depressão. Além disso, 40% dos profissionais alegaram sentir-se cansados, sobrecarregados, exaustos emocionalmente, frustrados, e com vontade de mudar de profissão (sintomas atribuídos à síndrome do burnout). A pesquisa ainda mostrou que 42,5% dos males registrados estão diretamente ligados ao trabalho docente e às condições de trabalho nas quais ele se realiza (JACINTO, 2013).

Já uma pesquisa da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), realizada em 2017, aponta que 71% dos 762 profissionais de educação da rede pública de vários estados entrevistados no início daquele ano ficaram afastados da sala de aula após episódios que desencadearam problemas psicológicos e psiquiátricos nos últimos cinco anos. O estresse, muitas vezes provocado por situações de insegurança, tem a maior incidência, com 501 ocorrências (65,7%). Vem seguido por depressão (53,7%), alergia a pó (47,2%), insônia (41,5%) e hipertensão arterial (41,3%). Há ainda aqueles que apresentaram apenas sintomas de mal-estar. Foram pelo menos 531 casos de ansiedade, 491 de cansaço ou fadiga e 480 referências a problemas de voz. Portanto, o aumento de afastamentos médicos, principalmente por motivos psicológicos, tem se mostrado uma tendência, segundo pesquisas e dados oficiais (SOUTO, 2017).

O fracasso do neoliberalismo no campo econômico - em termos de reativação da economia, crescimento econômico - parece não intimidá-lo em seu avanço e hegemonia no âmbito do pensamento, servindo de guia inclusive para as políticas educacionais. Aprofundar o entendimento das conexões e articulações que o mercado mantém com a educação é de suma importância para que, além da crítica, se estabeleça um plano propositivo que oriente os educadores críticos e engajados na transformação da sociedade.

Neste sentido, Hill fará uma indagação fundamental:

Como se encaixa a educação no programa neoliberal? O trabalho de Glenn Rikowski, tais como The Battle in Seattle (2001) desenvolve uma análise marxista baseada no estudo da força de trabalho. Referindo-se à educação, ele sugere que os professores são os mais perigosos dos trabalhadores porque eles têm um papel especial na formação, no desenvolvimento e na força da única mercadoria sobre a qual depende o sistema capitalista: a força de trabalho (...) Os professores são perigosos porque eles estão intimamente ligados à produção social da força de trabalho, fornecendo aos estudantes

técnicas, competências, habilidades, conhecimentos e atitudes e qualidades pessoais que podem ser expressas e utilizadas no processo de trabalho capitalista (HILL, 2003, p.27) Buscando domesticar a educação e o trabalho docente e adequando a educação à lógica e interesses do capital, o neoliberalismo ganha terreno, inclusive com a precarização da formação docente que fragiliza a construção do senso crítico dos educadores tornando-os executores e reprodutores de valores e da racionalidade neoliberal, muitas vezes. Contudo, promover um debate teórico sobre a dinâmica vigente entre o neoliberalismo e as políticas educacionais transmuta- se num instrumento de resistência para que tais políticas sejam repensadas, tornem-se mais democráticas e sejam reelaboradas no sentido de atender à coletividade, aos interesses da maioria e não somente de um pequeno grupo dominante economicamente/politicamente. No mesmo sentido do estudo de Hill, este trabalho aponta para a necessidade da construção de “espaços de resistência à deformação neoliberal global do processo educativo e da sociedade, convocando os trabalhadores na área da educação e outros trabalhadores culturais a lutarem pela igualdade econômica e social” (HILL, 2003, p.27).

Deste modo, o capítulo a seguir discutirá a tese sobre o enraizamento, por assim dizer, do neoliberalismo na educação, tomando o exemplo do estado de São Paulo, que acontece por meio de quatro vias principais: investimentos públicos feitos na área, condições de trabalho docente produzidas pela legislação educacional, proposição de um currículo oficial e controle das redes de ensino por meio de avaliações e cobrança de resultados.

O recorte temporal feito nesta análise reporta aos últimos vinte e quatro nos quais o estado de São Paulo é governado pelo PSDB. Não que este partido tenha inaugurado a “era neoliberal” no estado ou no país, mas o alinhamento com o neoliberalismo e a articulação política efetivada por seus correligionários e aliados permitiu ao PSDB aprofundar o neoliberalismo sobretudo na subjetividade dos indivíduos que passam a ter o modelo empresarial e dinâmica do mercado como referências para suas escolhas mais íntimas. Esta “nova razão de mundo” e a contribuição do PSDB para seu estabelecimento no Brasil, no geral, e em São Paulo, especificamente, justifica o período de tempo que será analisado e o distingue da época antecedente na qual o neoliberalismo ainda estava sendo introduzido, grosso modo, por meio de políticas de austeridade e privatizações.

2 NEOLIBERALISMO NO ESTADO DE SÃO PAULO: A PRECARIZAÇÃO DO