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2 NEOLIBERALISMO NO ESTADO DE SÃO PAULO: A PRECARIZAÇÃO

2.2 IMPLANTAÇÃO DA PROPOSTA NEOLIBERAL PARA A EDUCAÇÃO

2.2.3 Legislação Trabalhista e Condições de Trabalho Docente na Rede

A precarização das relações, condições e direitos trabalhistas tem sido uma marca cada vez mais evidente em diversos países enquanto resultado das políticas neoliberais das últimas décadas, em escala global. Os direitos conquistados pela luta dos trabalhadores, que estavam vigentes outrora e aceitáveis para o padrão de acumulação do capital num momento histórico em que prevalecia uma política voltada para a construção e consolidação de um Estado de Bem- Estar Social, são agora duramente atacados juntamente com outros direitos sociais.

Atualmente, o conceito de “precariado” (BRAGA, 2017; STADING, 2013) ganha destaque na sociologia do trabalho para definir e compreender as especificidades da parcela da classe trabalhadora que ocupa os empregos mais degradantes e desprotegidos de direitos trabalhistas. O trabalho alienado que já é degradante em si pode ficar ainda pior sob a égide do neoliberalismo.

Os profissionais da educação não estariam imunes a esta tendência do mundo do trabalho. Na rede pública estadual, em particular, as condições são alarmantes. O PSDB tem engendrado mudanças legais, no estado de São Paulo, em relação ao funcionalismo público visando atender outro anseio colocado pelas políticas neoliberais: o enxugamento do quadro de funcionários públicos, tido, muitas vezes, como ineficientes e/ou desnecessários, responsáveis por gastos elevados com salários e aposentadoria.

Contudo, consequentemente, tais políticas, contraditoriamente, sobrecarregam outros funcionários, geralmente, pois a quantidade de tarefas é mantida ou aumentada. De qualquer forma, os últimos governos de São Paulo têm terceirizado as atividades meio, como os serviços

relativos à merenda e à limpeza, o que leva à precarização da proteção social e direitos trabalhistas destes ex-funcionários públicos que antes possuíam estabilidade no emprego e uma relativa proteção de direitos trabalhistas contidos no estatuto do funcionalismo público; agora, são trabalhadores terceirizados com contrato de trabalho temporário. Além disso, houve uma redução do número de funcionários dos serviços citados, o mesmo ocorreu na esfera federal durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso à frente do poder executivo.

No caso dos professores a situação também é preocupante. Além dos baixos salários que atingem a categoria de forma geral, dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) apontam que o número de professores efetivos está diminuindo e o de professores contratados temporariamente aumentando. Na rede pública de São Paulo já são cerca de 30 mil docentes nesta precária condição de trabalho20. Pode-se afirmar, analogamente, que existe uma parcela de professores precarizados entre os docentes da rede pública que são divididos em sub categorias (F, O, W) que representam uma escala decrescente de direitos. Além de serem contratados temporariamente e só receberem pelas aulas efetivamente dadas (o que geralmente faz com que estes trabalhadores precarizados não cheguem ao piso salarial da categoria), os professores nesta condição precarizada são obrigados a cumprir a “duzentena” (após o contrato encerrado os professores não efetivos, com exceção da categoria F, precisam ficar duzentos dias sem lecionar na rede para não criar vínculos empregatícios que garantiriam direitos). Os professores da categoria O e W possuem, ainda, direitos reduzidos como, por exemplo, direto a somente duas faltas abonadas enquanto os professores efetivos contam com 6 faltas deste caráter (faltas referentes aos meses que tem 31 dias pois os professores, sejam eles efetivos ou contratados, só recebem por trinta dias trabalhados em todos os meses).

A APEOESP questiona a isonomia salarial no caso dos professores categoria O e W (que ganham R$11,50 por hora- aula, segundo o sindicato) em relação aos aprovados em concurso público. O decreto assinado pelo então governador José Serra, em 2009, o qual criou a sub categoria O, foi um mecanismo encontrado para suprir a carência de professores na rede sem promover concurso público e ainda economizar com o salário dos professores. O decreto de Serra ainda determina que os contratados sob este regime recebam apenas salário, férias e décimo terceiro, eles não têm direito a plano de saúde, vale transporte ou vale alimentação.

20 Dados oficiais da Secretaria de Educação apontam também a drástica redução do número de professores na rede

de ensino, algo em torno de 26,6 mil professores de 2014 para 2015, sendo 6% de concursados e 16% a menos de profissionais precariamente contratados (Fonte: Inep).

Tal situação somada à superlotação de salas de aula (promovida e cada vez mais agravada pelo contínuo fechamento de salas, a reorganização escolar escamoteada), agravada pela longa jornada de trabalho de boa parte dos docentes21, além das determinações mais abrangentes das condições nas quais o trabalho se realiza na sociedade capitalista, tem gerado uma realidade propícia ao adoecimento dos profissionais da educação, em especial professores em contato direto com alunos (CODO, 1999; PAPARELLI, 2009).

Provavelmente uma das consequências mais graves das políticas neoliberais promovidas pelo PSDB na educação paulista, portanto, é que elas contribuem, dentre outros fatores, para a explosão de uma epidemia de patologias psicológicas que está acometendo professores e profissionais da educação, consequência, também, da precarização das condições de trabalho destes trabalhadores. O “mal estar docente” é um conceito cada vez mais utilizados por profissionais da educação que põe em evidência o sofrimento mental advindo das condições de trabalho neste campo, que muitas vezes fazem com que os docentes percam o sentido de seu trabalho, percam o sentido de educar. O adoecimento psicológico entre estes profissionais torna- se lugar comum e dados sobre licenças médicas chamam a atenção de psicólogos e pesquisadores.

Esta perda do sentido de trabalhar e educar, aspecto subjetivo produzido por condições objetivas no cotidiano de trabalho, está diretamente relacionado ao desmonte dos direitos sociais elaborados pelas políticas neoliberais, no geral, e de políticas educacionais tais como as implementadas pelos governos do PSDB em São Paulo, especificamente. Os baixos salários e a jornada de trabalho realizada quase toda em sala de aula, em contato direto com os alunos (que é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento da síndrome do burnout, patologia psicológica ligada ao trabalho que possui como principais sintomas a exaustão emocional, a despersonalização e a falta de realização pessoal), nas condições de vulnerabilidade social e conflitos escolares estabelecidos, produz um campo fértil para a proliferação de doenças psicológicas já constatadas e divulgadas por dados oficias e pesquisas promovidas por entidades educacionais e sindicatos22.

21 Além de muitas vezes dar aula em mais de uma escola, os professores da rede pública tem sua jornada quase

toda cumprida em sala de aula, com pouca abertura às atividades de formação ou mesmo tempo para correção e elaboração de provas, aulas e atividades; numa jornada de 40 horas semanais na rede pública de São Paulo, 33 horas são cumpridas em sala de aula, o que agrava o sofrimento mental e exaustão emocional nos docentes.

22CODO (1999) em seu livro: Educação carinho e trabalho, fruto de uma pesquisa coletiva que abrangeu todo o Brasil, expõe

dados muito preocupantes que expressam a abrangência e gravidade da síndrome do burnout e de doenças psicológicas de toda ordem em escolas de todos os estados brasileiros.

Portanto, é possível afirmar que a gestão empresarial/neoliberal implantada pelo PSDB em São Paulo nos últimos vinte e três anos tem agravado e intensificado a precarização do trabalho já promovida pela atual (is) crise (s) do capitalismo:

As orientações ideológica e financeira das reformas neoliberais reverberaram na dimensão técnico-administrativa das reformas neoliberais da educação. Tais reformas almejam o máximo de eficiência e produtividade da escola pública, não sendo necessário muito esforço para perceber que esses conceitos (“eficiência”, “eficácia” e “produtividade”, etc) expressam a mercadorização da educação e o conteúdo empresarial das reformas educacionais (...) Desde que Mário Covas assumiu o governo do Estado de São Paulo, no ano de 1995, alternando-se posteriormente à frente do executivo paulista sucessivamente José Serra e Geraldo Alckmin, já se passaram vinte anos de gestão tucana. Ao término do atual mandato de Alckmin, se completarão vinte e três anos de avanço das estratégias neoliberais na educação paulista. Ao longo desse tempo, o processo de descentralização administrativa tem evidenciado o amadurecimento dos mecanismos característicos dos “novos padrões de gestão” da esfera pública, descentralizando-se as responsabilidades, mantendo-se intacta a estrutura autoritária centralizadora das decisões (LIMA; GONZALEZ; LOMBARDI, 2017, p.926-930-931)

Centralizando as decisões fundamentais e estratégicas (como a elaboração de um currículo oficial, por exemplo) com uma conduta autoritária e, por outro lado, descentralizando as responsabilidades (leia-se: se isentando de muitas responsabilidade ao atribuir aos municípios importantes investimentos em educação sendo que estes contam com uma arrecadação ínfima em comparação ao estado) o governo estadual do PSDB tem degradado as condições de trabalho e reduzido a proteção social de professores e profissionais da educação aprofundando, desta forma, o aumento dos casos de doenças psicológicas entre os trabalhadores da educação no estado de São Paulo.